Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
Uma
Análise Psicanalítica do Sofrimento de um Fiscal-Psicólogo em Ambiente de
Trabalho Estressante
Resumo
Este
artigo analisa o funcionamento psíquico de um profissional que atua como fiscal
de caixa em um supermercado, mas possui formação e identidade psicológica. A
partir de conceitos psicanalíticos clássicos — como conflito entre ego e ideal
do eu, formação reativa, recalque da agressividade, identificação com o
sofrimento, resistência e acting out — investigamos como esse sujeito tenta
conciliar exigências internas e externas em um ambiente de trabalho caótico.
O
estudo interpreta suas atitudes, sintomas e fantasias inconscientes,
evidenciando como o trabalho se torna palco de conflitos psíquicos não
simbolizados. Por fim, discute-se a função do sofrimento, o papel do sintoma e
a urgência de reorganização subjetiva diante de um contexto profissional que
contraria seu desejo.
1.
Introdução
O
ambiente de trabalho contemporâneo tem se mostrado terreno fértil para o
surgimento de sintomas psíquicos. Quando o indivíduo ocupa um cargo que
contradiz sua identidade subjetiva, o sofrimento tende a se intensificar. Este
artigo analisa o caso do “fiscal-psicólogo”: um trabalhador que desempenha
funções técnicas e operacionais em um supermercado, mas carrega a formação e a
sensibilidade psicológica, gerando conflitos internos que se manifestam no
comportamento.
A
psicanálise oferece ferramentas valiosas para compreender as dinâmicas
inconscientes que emergem quando o sujeito experimenta dissonância entre o
que faz, o que deseja fazer e o que acredita que deveria ser.
Como afirma Freud (1923), o ego se encontra constantemente pressionado pelo
superego, pelo id e pela realidade — e é desse conflito estrutural que surge o
mal-estar.
2.
Identidade Profissional e Conflito Interno
O
fiscal-psicólogo tenta, inconscientemente, proteger sua autoimagem ao
“psicologizar” situações no trabalho, atuando como mediador e orientador mesmo
quando isso excede suas atribuições formais. Esse comportamento funciona como
defesa contra a sensação de desvalorização.
O
sujeito tenta preservar sua identidade profissional anterior, como uma forma de
sustentar a autoestima ameaçada pela insignificância atribuída à função que
exerce.
3.
Ideal do Eu e Autoexigência Exagerada
Freud
(1914) descreve o Ideal do Eu como uma instância que orienta o ego a alcançar
padrões idealizados de comportamento. No caso analisado, o Ideal do Eu torna-se
rígido: ser forte, útil, paciente, exemplar, suportar tudo.
Essa
hipertrofia do ideal leva a sentimentos de culpa e fracasso quando o sujeito
não consegue corresponder à própria expectativa. A angústia não deriva apenas
do trabalho, mas da distância entre seu ego real e o idealizado.
4.
Formação Reativa: A Simpatia que Esconde Angústia
A
formação reativa ocorre quando um impulso inaceitável é transformado em seu
oposto. Diante da raiva e da frustração que o ambiente provoca, o
fiscal-psicólogo responde com docilidade excessiva, mansidão e cuidado extremo
com todos.
Essa
cordialidade desproporcional é um disfarce do afeto recalcado. Ele teme que, se
reconhecer ou expressar sua agressividade, perderá o controle da situação ou
será rejeitado.
5.
Agressividade Recalcada e Sintomas Corporais
O
recalque da agressividade retorna sob formas indiretas: irritabilidade contida,
cansaço crônico, tensões musculares, pensamentos repetitivos de fuga e
sentimento de esgotamento. Como ensina Freud (1925), o recalcado nunca
desaparece — apenas se manifesta de modo distorcido.
O
corpo fala aquilo que não pôde ser simbolizado em palavras. O sofrimento
emocional faz morada no corpo como sintoma.
6.
Identificação com o Sofrimento e Fantasias de Reparação
Muitos
trabalhadores sustentam fantasias inconscientes de que suportar sofrimento tem
valor moral. O fiscal-psicólogo identifica-se com uma posição de mártir,
acreditando que “aguentar tudo” prova seu caráter ou sua fé.
Essa
fantasia cumpre duas funções:
- ameniza a angústia de se sentir impotente;
- cria um ganho secundário: permanecer em um
lugar conhecido, evitando o risco da mudança.
O
sofrimento, então, adquire função defensiva.
7.
Resistência à Mudança e o Ganho Secundário do Sintoma
Ainda
que deseje sair do emprego, o sujeito permanece. A resistência se apoia no medo
do desconhecido e na fantasia de que a dor atual é mais segura do que a
incerteza da transição.
Freud
(1937) descreve o ganho secundário do sintoma como um benefício inconsciente
que mantém o sujeito preso ao sofrimento. Aqui, o ganho é preservar uma
narrativa interna de força, sacrifício e resiliência.
8.
Acting Out no Ambiente de Trabalho
Sem
espaço para simbolizar seu sofrimento, o fiscal-psicólogo atua impulsivamente:
assume tarefas demais, intervém em conflitos, tenta resolver tudo sozinho. O
acting out substitui a reflexão.
Esse
agir desenfreado comunica algo que não pode ser dito:
“Eu não estou bem.”
9.
Considerações Finais
A
análise evidencia que o sofrimento do fiscal-psicólogo não é mero resultado do
estresse laboral, mas sim expressão de conflitos inconscientes entre
identidade, desejo e realidade. O trabalho se transforma em palco no qual se
repetem dinâmicas internas de culpa, autoexigência e negação do próprio limite.
Reconhecer
a função do sintoma é o primeiro passo para a mudança. O sujeito só poderá
reorganizar sua vida quando ouvir o que seu inconsciente já sabe: a permanência
naquele ambiente viola seu desejo e sua saúde psíquica.
A
psicanálise, ao iluminar essas contradições, oferece ao sujeito não apenas
explicação, mas um convite: assumir responsabilidade pelo próprio desejo e
construir uma saída possível.
Referências
- Freud, S. O Ego e o Id (1923).
- Freud, S. Psicologia das Massas e Análise
do Eu (1921).
- Freud, S. Recordar, Repetir e Elaborar
(1914).
- Freud, S. Inibição, Sintoma e Angústia
(1925).
- Freud, S. Análise Terminável e
Interminável (1937).
- Laplanche, J.; Pontalis, J.-B. Vocabulário
da Psicanálise.
- Winnicott, D. W. Natureza Humana.
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