Psicanálise, Instituições de Controle e a Construção de uma Posição Ética
Autor: Ayrton Junior
Área: Psicanálise / Psicologia Social do Trabalho / Psicologia
Institucional
Palavras-chave: Psicanálise, Instituições de Controle, Superego
Institucional, Ato Subjetivo, Sintoma Organizacional
Resumo
Este livro propõe uma leitura
psicanalítica do sofrimento no trabalho em instituições de controle, tomando
como eixo clínico-teórico o percurso de operadores de caixa em supermercados. A
partir da análise de promoções simbólicas, da função do superego institucional,
da recusa ao lugar de vigilância e da emergência do ato subjetivo, o texto
articula clínica do trabalho, teoria lacaniana dos discursos e ética da
psicanálise. Sustenta-se a hipótese de que o adoecimento recorrente nesses
contextos é menos expressão de fragilidade individual e mais efeito estrutural
de um discurso organizacional que captura o sujeito como objeto. O livro
discute, ainda, a posição ética do psicólogo institucional diante de
instituições adoecidas.
Introdução
Nas últimas décadas, observa-se um
aumento significativo dos quadros de esgotamento psíquico em ambientes de
trabalho caracterizados por vigilância constante, metas rígidas e redução do
sujeito à função. Supermercados, call centers, bancos e plataformas logísticas
tornaram-se espaços privilegiados para a observação clínica desse fenômeno.
Este livro parte de um recorte
específico — o percurso de operadores de caixa em supermercados — para
desenvolver uma reflexão mais ampla sobre o laço entre sujeito e instituição. A
promoção ao cargo de fiscal de caixa, a recusa dessa função, o aparecimento de
sonhos de aprisionamento e o desejo de deslocamento para a psicologia
institucional são tomados como formações clínicas que revelam o funcionamento
do discurso organizacional.
O objetivo central é demonstrar que
tais fenômenos não podem ser compreendidos adequadamente sem o recurso à
psicanálise, especialmente à teoria lacaniana dos discursos, ao conceito de
superego e à noção de ato subjetivo. Trata-se, portanto, de uma obra situada na
interface entre clínica, teoria social e ética.
Sumário
1.
Instituições de
Controle e Discurso Organizacional
2.
Promoção Simbólica e
Superego Institucional
3.
A Recusa e o Estatuto
do Ato Subjetivo
4.
Sintoma Organizacional
e Clínica do Esgotamento
5.
Do Ato ao Projeto
Ético: Psicologia Institucional e Psicanálise
Capítulo 1 – Instituições de Controle e Discurso
Organizacional
Este capítulo examina o
supermercado como instituição de controle, articulando contribuições de Michel
Foucault e Jacques Lacan. Argumenta-se que tais instituições operam por meio de
uma racionalidade que privilegia o controle contínuo e a mensuração do desempenho,
produzindo subjetividades adaptadas à vigilância.
No referencial lacaniano, esse
funcionamento pode ser compreendido a partir do Discurso do Mestre, no
qual o saber é instrumentalizado e o sujeito é excluído de sua própria verdade.
“O discurso do mestre é aquele que
comanda, mas não quer saber do preço subjetivo do comando.”
(Lacan, 1969–1970)
Sustenta-se que o sofrimento
psíquico não é exceção nesses contextos, mas consequência estrutural do modo de
organização do trabalho.
Capítulo 2 – Promoção Simbólica e Superego
Institucional
A promoção de operadores de caixa
ao cargo de fiscal é analisada como promoção simbólica, distinta de uma
ascensão subjetiva. Embora represente reconhecimento institucional, ela implica
maior adesão ao superego organizacional.
Freud concebe o superego como
instância paradoxal: quanto mais obedecida, mais exigente se torna.
“A severidade do superego aumenta
proporcionalmente à renúncia pulsional.”
(Freud, 1923)
O fiscal de caixa torna-se agente
da norma e transmissor da violência simbólica, ocupando uma posição
intermediária que intensifica o risco de adoecimento.
Capítulo 3 – A Recusa e o Estatuto do Ato
Subjetivo
Este capítulo analisa a recusa do
cargo de fiscal como possível ato subjetivo, distinguindo-a de uma
simples decisão administrativa. O ato, conforme Lacan, implica ruptura com uma
identificação fundamental e inaugura uma nova posição no laço social.
“O ato é aquilo pelo qual o sujeito
se compromete sem garantia.”
(Lacan, 1967)
Argumenta-se que o “não” dirigido à
supervisão introduz um limite ao desejo do Outro institucional, produzindo
efeitos tanto para o sujeito quanto para a liderança, ao desestabilizar o Ideal
organizacional.
Capítulo 4 – Sintoma Organizacional e Clínica do
Esgotamento
Aqui se propõe a distinção entre sintoma
organizacional e sintoma neurótico. O primeiro diz respeito a
efeitos de discurso que se repetem independentemente dos indivíduos; o segundo,
à resposta singular do sujeito a esses efeitos.
Sonhos de aprisionamento, medo de
não conseguir sair do trabalho e esgotamento extremo são compreendidos como
formações do inconsciente que denunciam a falha do discurso institucional.
“O sintoma é a maneira pela qual o
sujeito responde ao real do discurso.”
(Lacan, 1966)
A clínica do trabalho, orientada
pela psicanálise, visa produzir uma leitura dessa articulação, evitando a
patologização individual do sofrimento coletivo.
Capítulo 5 – Do Ato ao Projeto Ético: Psicologia
Institucional e Psicanálise
O último capítulo discute a
passagem do ato subjetivo para a construção de um projeto ético,
entendido como sustentação de uma posição no tempo. Diferencia-se projeto ético
de ideal profissional, ressaltando que o primeiro se orienta pelo limite e pela
responsabilidade subjetiva.
A posição do psicólogo
institucional é analisada criticamente, destacando-se o risco de sua captura
pelo superego organizacional. Defende-se uma prática que introduza espaços de
fala e sustente o conflito como dimensão constitutiva do laço social.
“A ética da psicanálise não é a do
bem-estar, mas a do desejo.”
(Lacan, 1959–1960)
Conclusão
O percurso analisado neste livro
evidencia que o sofrimento no trabalho não pode ser compreendido fora das
estruturas discursivas que o produzem. A promoção simbólica, o adoecimento, a
recusa e o ato subjetivo são momentos de uma mesma lógica institucional.
Conclui-se que a saída ética não
reside na adaptação do sujeito a instituições adoecidas, mas na possibilidade
de construção de posições subjetivas que não cedam à captura superegóica. Nesse
sentido, a psicanálise oferece instrumentos conceituais e clínicos fundamentais
para a leitura crítica do trabalho contemporâneo.
Referências Bibliográficas
DEJOURS, Christophe. A loucura
do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1975.
FREUD, Sigmund. O ego e o id. 1923.
FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. 1930.
LACAN, Jacques. Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 7: A ética da psicanálise. Rio de
Janeiro: Zahar, 1988.
LACAN, Jacques. O Seminário, Livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de
Janeiro: Zahar, 1992.
Comentários
Postar um comentário