Ano 2025. Autor [Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208]
Introdução
Este livro é um relato autobiográfico simbólico. Utilizo a
série Stranger Things como espelho para narrar minha própria travessia
subjetiva enquanto psicólogo formado que, por contingências da vida, passou a
ocupar uma função adaptativa distante de sua identidade profissional. Não se
trata de uma análise da série, mas de uma escrita de si, onde cada elemento
narrativo funciona como metáfora para conflitos internos, escolhas éticas,
períodos de latência e o desejo persistente de existir publicamente como
psicólogo.
Escrevo a partir do lugar de quem sobreviveu
institucionalmente, mas nunca abandonou o self verdadeiro.
Sumário
1. Quando o
Estranho Começou a Me Habitar
2. A Cidade
Onde Eu Ainda Não Existia
3. O Tempo
em que Precisei Me Esconder
4. As Luzes
que Piscaram Dentro de Mim
5. A Parte
que Ainda Acreditava
6. A Marca
que Nunca Desapareceu
7. A
Autoridade que Me Queria Submisso
8. O
Trabalho que Me Capturou, Mas Não Me Definiu
9. Os
Corredores do Tempo de Espera
10. O Desejo
de Me Tornar Público
Capítulo 1 – Quando o Estranho Começou a Me
Habitar
Houve um momento em que percebi que algo em mim não estava em
repouso. Mesmo trabalhando, algo insistia. Esse estranho não era inimigo; era o
desejo que não encontrava lugar.
“O inconsciente é o discurso do Outro.” (Lacan)
Capítulo 2 – A Cidade Onde Eu Ainda Não Existia
Assim como na série, compreendi que não basta existir: é
preciso um lugar. Eu estava presente no mundo do trabalho, mas ausente
simbolicamente como psicólogo.
“O desejo do homem é o desejo do Outro.” (Lacan)
Capítulo 3 – O Tempo em que Precisei Me Esconder
O trabalho como fiscal de caixa tornou-se meu esconderijo.
Não por vergonha, mas por necessidade. Foi ali que me mantive inteiro enquanto
o desejo aguardava condições melhores.
“O verdadeiro self só pode emergir em um ambiente
suficientemente bom.” (Winnicott)
Capítulo 4 – As Luzes que Piscaram Dentro de Mim
A inquietação, os pensamentos recorrentes, o incômodo
silencioso: eram sinais. Como luzes piscando, meu inconsciente pedia tradução.
“Aquilo que não se simboliza retorna no real.” (Lacan)
Capítulo 5 – A Parte que Ainda Acreditava
Mesmo nos períodos mais difíceis, algo em mim acreditava. Uma
função interna que sustentava o vínculo com o que eu sou.
“Ser visto é condição para existir.” (Winnicott)
Capítulo 6 – A Marca que Nunca Desapareceu
Minha formação, minha escuta, minha ética: essa sempre foi
minha marca. Como a menina 11, carreguei-a mesmo quando ninguém a via.
“Onde isso estava, devo advir.” (Freud)
Capítulo 7 – A Autoridade que Me Queria Submisso
Houve exigências que pediam que eu usasse minhas capacidades
de forma contrária aos meus princípios. Recusei. E paguei o preço do
isolamento.
“O supereu ordena: goza!” (Lacan)
Capítulo 8 – O Trabalho que Me Capturou, Mas Não
Me Definiu
O supermercado garantiu minha sobrevivência, mas não minha
identidade. Aprendi que uma função não esgota um sujeito.
“A adaptação excessiva pode custar o self.” (Winnicott)
Capítulo 9 – Os Corredores do Tempo de Espera
Vivi um tempo intermediário. Nem desistência, nem realização.
Apenas travessia.
“Há um tempo para compreender e um momento para concluir.”
(Lacan)
Capítulo 10 – O Desejo de Me Tornar Público
Hoje reconheço: meu desejo não é abandonar o mundo, mas
ocupar um lugar específico nele. Tornar-me público como psicólogo sem trair
quem sou.
“O desejo não pede pressa, pede lugar.” (formulações clínicas
contemporâneas)
Capítulo Final Prospectivo – O Lugar Onde Posso
Vir a Existir
Este capítulo não descreve um fato consumado, mas um
horizonte possível. Após reconhecer meu self verdadeiro e compreender o período
de adaptação vivido, torna-se inevitável perguntar: onde esse self pode
se inscrever sem ser novamente capturado ou silenciado?
O lugar que busco não é apenas físico ou institucional.
Trata-se de um lugar simbólico no laço social. Pode ser uma instituição
de saúde, uma clínica social, um projeto comunitário, um serviço público, ou
mesmo um espaço construído gradualmente por mim. O critério fundamental não é o
prestígio, mas a possibilidade de sustentar a escuta, o tempo do sujeito e a
ética do desejo.
Assim como em Stranger Things, a força estranha não
invade qualquer cidade ao acaso. Ela emerge onde há fissuras, onde algo pede
elaboração. Do mesmo modo, meu trabalho como psicólogo não precisa disputar
espaço com estruturas rígidas, mas encontrar contextos onde o sofrimento psíquico
esteja presente e ainda não totalmente capturado por protocolos vazios.
Este lugar exige algumas condições mínimas:
- reconhecimento
da singularidade do sujeito;
- tempo
suficiente para escutar e elaborar;
- uma
instituição que tolere o não-saber inicial;
- e,
sobretudo, um espaço onde meu desejo não precise ser escondido.
Não se trata de abandonar o que fui, mas de integrar. O
período como fiscal de caixa não é negado: ele compõe minha história, meu
corpo, meu ritmo e minha ética do trabalho. Mas ele não define meu destino.
“O futuro se constrói quando o sujeito consente em não trair
o que o constitui.” (formulações clínicas contemporâneas)
O lugar específico onde meu self verdadeiro pode vir a se
inscrever talvez ainda não exista plenamente. Mas ele começa a existir no
momento em que reconheço que não preciso mais me esconder. O trabalho agora é
de construção paciente, sustentada pelo desejo e pela responsabilidade clínica.
Capítulo Adicional – O Medo de Não Ser
Reconhecido
Ao lado do desejo de existir publicamente como psicólogo, há
um afeto persistente que o acompanha: o medo de não ser reconhecido. Esse medo
não é simples insegurança pessoal; ele possui uma estrutura psíquica e uma
história.
Durante anos, ocupei um lugar onde minha identidade
profissional não era convocada. Esse longo silêncio simbólico produziu uma
marca: a dúvida sobre se o Outro ainda poderia me ver como psicólogo. Não se
trata de desconhecimento técnico, mas de receio de não encontrar espelho.
Na linguagem de Stranger Things, esse medo corresponde
ao instante em que o sujeito atravessa o portal, mas hesita em aparecer por
completo. O receio não é do monstro, mas do olhar da cidade. O que está em jogo
é a pergunta: haverá lugar para mim?
Do ponto de vista psicanalítico, o reconhecimento não é
aplauso; é inscrição simbólica. O medo emerge quando o sujeito teme falar e não
encontrar escuta.
“O sujeito só existe na medida em que é reconhecido pelo
Outro.” (Lacan)
Esse medo também protege. Ele impede atuações precipitadas,
sustenta a prudência ética e convoca o tempo da elaboração. Não se trata,
portanto, de eliminá-lo, mas de escutá-lo.
Aprendo que o reconhecimento não precede o ato; ele é
consequência. Ao sustentar minha posição, ao ocupar um lugar possível — ainda
que pequeno — o laço começa a se construir. O medo diminui quando o desejo
encontra forma.
Assim, reconheço hoje: o medo de não ser reconhecido não
invalida meu projeto. Ele indica a seriedade do compromisso com o que sou. É o
sinal de que o self verdadeiro está vivo e exige cuidado ao se apresentar.
“A coragem do sujeito não é ausência de medo, mas fidelidade
ao desejo.” (formulações clínicas contemporâneas)
Conclusão
Este livro não encerra um percurso; ele o afirma. O self
verdadeiro não desapareceu durante o tempo de adaptação. Ele aguardou. Meu
trabalho agora é construir, com responsabilidade e tempo, o lugar onde possa
existir como psicólogo no laço social.
Referências Bibliográficas
- Freud,
S. O Ego e o Id.
- Freud,
S. Além do Princípio do Prazer.
- Lacan,
J. Escritos.
- Lacan,
J. O Seminário, Livro 11.
- Winnicott,
D. W. O Brincar e a Realidade.
- Winnicott,
D. W. Natureza Humana.
- Safra,
G. A Face Estética do Self.
- Ogden,
T. Os Sujeitos da Psicanálise.
O tema do medo de não reconhecimento foi aprofundado e
integrado ao livro como um capítulo adicional, articulado diretamente ao
desejo de inscrição pública do self verdadeiro.
Agora o texto:
- diferencia
medo estrutural de simples insegurança pessoal;
- mostra
como o longo período de silêncio institucional produziu dúvida simbólica;
- articula
o medo como função protetiva e ética, não como obstáculo
patológico;
- conecta
o reconhecimento ao laço simbólico, não ao aplauso;
- sustenta
que o reconhecimento é efeito do ato, não sua condição prévia.
Esse capítulo fecha um arco importante:
o desejo → o medo → a responsabilidade → a construção do lugar.
Se quiser, o próximo passo pode ser:
- transformar
esse medo em eixo clínico (como ele aparece na escuta de outros);
- escrever
um epílogo em tom de carta ao futuro eu;
- ou
trabalhar a passagem do medo para o primeiro gesto concreto de
inscrição (mesmo mínimo).
Basta indicar.
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