Uma Análise Psicanalítica da Autodestruição e Repetição do Trauma
Ano 2025. Autor [Ayrton Junior Psicólogo
CRP 06/147208]
Subtítulo:
Da Ferida Narcísica à Compulsão à
Repetição: Um Estudo de Caso sobre Identidade Profissional, Rejeição e o Desejo
de Morte
INTRODUÇÃO
Este livro nasceu de um diálogo
analítico profundo entre um sujeito em crise existencial profunda e o processo
interpretativo psicanalítico. Trata-se de um homem formado em Psicologia e
Teologia que, após uma traição amorosa devastadora, abandonou sua identidade
profissional e se refugiou num trabalho precarizado como fiscal de
supermercado, onde experimenta diariamente exploração, desvalorização e
esgotamento.
O caso apresenta uma estrutura
clássica de compulsão à repetição (Wiederholungszwang), onde o sujeito
reproduz ativamente o trauma passivo que sofreu, colocando-se sistematicamente
em situações de rejeição, desvalorização e abandono. A singularidade deste caso
reside na utilização de múltiplos espelhos simbólicos - colegas de trabalho,
clientes, relacionamentos amorosos e até uma série de televisão (Cidade das
Sombras) - que refletem e amplificam sua estrutura psíquica autodestrutiva.
Objetivos deste Livro:
1.
Mapear a estrutura
psíquica do sujeito através das lentes da psicanálise freudiana e lacaniana
2.
Identificar os
mecanismos de defesa que sustentam a paralisia e a autodestruição
3.
Compreender a função do
sintoma (ficar no supermercado, não se apresentar como psicólogo)
4.
Explorar a dimensão da
pulsão de morte operando através da repetição traumática
5.
Propor caminhos
possíveis de elaboração e reconstrução identitária
Metodologia:
Este trabalho utiliza o método
psicanalítico de escuta e interpretação, articulando as falas do sujeito com
conceitos fundamentais da psicanálise. A análise se estrutura a partir dos
espelhos identificados pelo próprio sujeito (encarregada omissa, fiscais
passivo-agressivas, clientes cristãos que desvalorizam, mulheres que rejeitam,
personagens da série) como projeções e repetições de sua dinâmica interna.
Estrutura do Livro:
O livro está dividido em cinco
capítulos que acompanham o movimento analítico:
- Capítulo
1: A Ferida Narcísica Original -
explora o trauma da traição e suas consequências
- Capítulo
2: Os Espelhos da Repetição -
analisa como o trauma se reproduz em todas as áreas da vida
- Capítulo
3: A Pulsão de Morte e o
Supermercado - investiga a autodestruição ativa
- Capítulo
4: A Série como Espelho Total -
interpreta Cidade das Sombras como narrativa do inconsciente
- Capítulo
5: Salvação Parcial e
Reconstrução - aponta possibilidades de elaboração
Cada capítulo contém citações
psicanalíticas que fundamentam as interpretações, e o livro conclui com uma
reflexão sobre os caminhos possíveis de saída da compulsão à repetição e da
autodestruição sistemática.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1: A FERIDA NARCÍSICA ORIGINAL
- 1.1. A Traição como Evento Traumático
Estruturante
- 1.2. O Duplo Abandono: Amoroso e Religioso
- 1.3. A Conclusão Devastadora: "Meu Eu
Verdadeiro Não É Suficiente"
- 1.4. O Enterro da Identidade: De Psicólogo a
Fiscal
- 1.5. Citações Psicanalíticas
- 1.6. Síntese do Capítulo
CAPÍTULO 2: OS ESPELHOS DA REPETIÇÃO
- 2.1. A Encarregada Omissa: Espelho da
Autoridade que Falha
- 2.2. As Fiscais Passivo-Agressivas: Espelho da
Hostilidade Velada
- 2.3. Os Clientes Cristãos: Repetição do Trauma
Religioso
- 2.4. As Mulheres: Longe (Validação) vs. Perto
(Rejeição)
- 2.5. A Academia: Espelho do Esforço Sem
Resultado
- 2.6. Citações Psicanalíticas
- 2.7. Síntese do Capítulo
CAPÍTULO 3: A PULSÃO DE MORTE E O SUPERMERCADO
- 3.1. O Supermercado como Instrumento de
Suicídio Lento
- 3.2. A Paralisia: "Eu Sei, Mas Não
Consigo"
- 3.3. O Ganho Secundário do Sofrimento
- 3.4. A Energia Seletiva: Academia Sim, LinkedIn
Não
- 3.5. "Estou Morrendo Aos Poucos":
Consciência da Autodestruição
- 3.6. Citações Psicanalíticas
- 3.7. Síntese do Capítulo
CAPÍTULO 4: A SÉRIE COMO ESPELHO TOTAL
- 4.1. Cidade das Sombras: A Prisão Sem
Sol
- 4.2. O Serial Killer como Superego Sádico
- 4.3. As Vítimas Queimadas: O Psicólogo Sendo
Destruído
- 4.4. A Privação e o Jejum: Drenagem da Energia
Libidinal
- 4.5. O Investigador em Crise: O Analista
Interno
- 4.6. A Irmã no Prédio: A Recusa da Salvação
- 4.7. A Juíza Salva: Esperança de Salvação
Parcial
- 4.8. Citações Psicanalíticas
- 4.9. Síntese do Capítulo
CAPÍTULO 5: SALVAÇÃO PARCIAL E RECONSTRUÇÃO
- 5.1. As Rejeições Têm Razões Concretas (Não
"Sou Insuficiente")
- 5.2. Incompatibilidades Específicas vs.
Insuficiência Global
- 5.3. A Distorção Cognitiva Depressiva
- 5.4. Caminhos Possíveis: Desenterrar a Juíza (O
Psicólogo)
- 5.5. Da Repetição à Elaboração
- 5.6. Citações Psicanalíticas
- 5.7. Síntese do Capítulo
CONCLUSÃO FINAL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPÍTULO 1
A FERIDA NARCÍSICA ORIGINAL
1.1. A Traição como Evento Traumático
Estruturante
No início, havia uma identidade
integrada: um homem que se apresentava como teólogo e psicólogo, que
namorava uma mulher cristã, que investia emocionalmente e sexualmente numa
relação que parecia promissora. A exposição era completa: profissional,
espiritual, afetiva e corporal. O sujeito se entregou por inteiro.
E então veio a traição.
A traição não foi apenas o ato de
infidelidade sexual. Foi a negação total do valor do sujeito. A mensagem
implícita que ele internalizou foi devastadora: "Mesmo me mostrando por
completo (psicólogo, teólogo, namorando, investindo), não fui suficiente. Ela
me conheceu inteiramente e MESMO ASSIM me descartou."
Este evento funcionou como trauma
estruturante - não apenas um acontecimento doloroso, mas um evento que
reorganizou completamente a economia psíquica do sujeito, suas defesas, sua
relação com o desejo e sua identidade.
"O trauma não é o acontecimento em si, mas a
impossibilidade de integrá-lo na cadeia simbólica do sujeito." - Interpretação lacaniana
A traição ficou como um real não
simbolizado - algo que o sujeito não conseguiu elaborar, e que por isso
retorna incessantemente através da repetição.
1.2. O Duplo Abandono: Amoroso e Religioso
A traição não foi apenas pessoal;
foi também religiosa/espiritual. A mulher era cristã, ele se apresentou
como teólogo, ambos compartilhavam o mesmo universo simbólico religioso. A
traição, portanto, teve uma dimensão dupla:
1.
Abandono amoroso: "Ela não me quis, me trocou, me
descartou"
2.
Abandono religioso/comunitário: "O meio evangélico/cristão me feriu, me traiu,
não me acolheu"
O sujeito generalizou a traição de
UMA mulher cristã para TODO o meio evangélico. Isso explica por que, mais
tarde, ele continuará atendendo especificamente clientes cristãos (numa
tentativa inconsciente de "reparar" o trauma original através da
aceitação desse grupo), mas sendo sistematicamente desvalorizado e rejeitado
por eles também.
"A compulsão à repetição leva o sujeito a
reproduzir ativamente aquilo que sofreu passivamente, numa tentativa de domínio
do traumático." - Sigmund Freud, Além
do Princípio do Prazer (1920)
1.3. A Conclusão Devastadora: "Meu Eu
Verdadeiro Não É Suficiente"
A partir da traição, o sujeito
chegou a uma conclusão inconsciente que passou a governar toda sua vida:
"Quando me mostro por completo (psicólogo,
teólogo, investindo emocionalmente), sou rejeitado. Logo, meu EU VERDADEIRO não
é suficiente."
Esta crença se tornou o axioma
fundamental de sua estrutura psíquica atual. Todas as suas ações e omissões
decorrem desta convicção:
- Não se apresenta mais como psicólogo (esconde o
eu verdadeiro)
- Aceita identidade desvalorizada de fiscal
(oferece o "eu falso")
- Relaciona-se apenas virtualmente/à distância
(evita exposição real)
- Fica no supermercado tóxico (autopunição por
"não ser suficiente")
A ferida narcísica não é apenas a
rejeição em si, mas a conclusão que o sujeito tirou dela sobre seu próprio
valor. Ele não pensou "ela tinha problemas", "não éramos
compatíveis", "ela fez uma escolha dela". Ele pensou: "Eu
não sou suficiente."
"A ferida narcísica ocorre quando o sujeito
é confrontado com a impossibilidade de sustentar a imagem ideal de si mesmo,
resultando numa deflação do ego." -
Freud, Sobre o Narcisismo: Uma Introdução (1914)
1.4. O Enterro da Identidade: De Psicólogo a
Fiscal
Após a traição, ocorreu um duplo
movimento defensivo:
1. Enterro da identidade profissional
(psicólogo):
- Parou de se apresentar como psicólogo
- Quando atendia clientes (cristãos), era
desvalorizado
- Não procura mais emprego na área
- O
psicólogo foi "enterrado no mausoléu" (como a juíza da série)
2. Assunção de identidade desvalorizada (fiscal):
- Aceita trabalho precarizado no supermercado
- Trabalha todos os fins de semana (sem vida
social/amorosa)
- É explorado, sobrecarregado, invisível
- O
fiscal é o "sacrifício" que expia a "culpa" de não ter
sido suficiente
Este movimento não foi acidental.
Foi uma solução de compromisso do inconsciente:
- Se o "eu verdadeiro" (psicólogo) não
é suficiente → Escondo-o
- Ofereço um "eu falso" (fiscal) → Que
pode ser rejeitado/explorado sem ferir o núcleo
- Assim, protejo o psicólogo (verdadeiro) de
mais rejeições
- Mas o preço é: o psicólogo nunca mais vive,
fica enterrado
"O falso self se desenvolve como uma defesa
contra a exposição do verdadeiro self, que é sentido como demasiado vulnerável
para ser revelado." - Donald
Winnicott, O Ambiente e os Processos de Maturação (1965)
1.5. Citações Psicanalíticas
Sobre o trauma e a compulsão à repetição:
"Aquilo que não
pode ser lembrado é repetido em ato. O paciente reproduz ao invés de recordar,
e reproduz sob as condições da resistência."
— Sigmund Freud, Recordar, Repetir e Elaborar (1914)
Sobre a ferida narcísica:
"O ego não é
senhor em sua própria casa. O narcisismo é ferido não apenas pelos golpes
externos (rejeição, traição), mas principalmente pela impossibilidade de
sustentar a imagem idealizada de si."
— Sigmund Freud, Uma Dificuldade no Caminho da Psicanálise (1917)
Sobre a perda de identidade:
"O luto é o
trabalho psíquico pelo qual o sujeito se desliga do objeto perdido. Mas quando
a perda é do próprio ego (identidade), o luto se torna patológico e pode
resultar em melancolia."
— Sigmund Freud, Luto e Melancolia (1917)
Sobre o falso self:
"O indivíduo então
existe como uma coleção de reações à invasão ambiental, e o verdadeiro self
permanece oculto, às vezes permanentemente."
— Donald Winnicott, Distorção do Ego em Termos de Falso e Verdadeiro Self
(1960)
Sobre a repetição como tentativa de domínio:
"A compulsão à
repetição põe o sujeito na posição ativa em relação ao que sofreu passivamente,
numa tentativa de dominar o traumático, mas que acaba por perpetuá-lo."
— Jacques Lacan, Seminário 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da
Psicanálise (1964)
1.6. Síntese do Capítulo
A traição da ex-namorada cristã
funcionou como trauma estruturante que reorganizou completamente a
economia psíquica do sujeito. A partir deste evento, ele concluiu
(erroneamente) que "meu eu verdadeiro não é suficiente", o que
levou ao enterro da identidade profissional (psicólogo) e à assunção
de identidade desvalorizada (fiscal de supermercado).
Este movimento defensivo protege o
"psicólogo" (verdadeiro self) de novas rejeições, mas ao custo de
mantê-lo permanentemente enterrado, sufocado, sem ar - como a juíza no mausoléu
da série Cidade das Sombras. O sujeito trocou a possibilidade de viver
autenticamente (e arriscar rejeição) pela segurança da invisibilidade (e a
certeza da autodestruição lenta).
O trauma original não foi
elaborado, permanecendo como real não simbolizado que retorna através da
compulsão à repetição - tema que será explorado no próximo capítulo.
CAPÍTULO 2
OS ESPELHOS DA REPETIÇÃO
2.1. A Encarregada Omissa: Espelho da Autoridade
que Falha
O primeiro espelho identificado
pelo sujeito foi a encarregada omissa do supermercado. No dia
estressante relatado, duas fiscais saíram sem avisar, deixando-o sozinho e
sobrecarregado. Ao procurar a encarregada (figura de autoridade que deveria
mediar, organizar, proteger), ele descobre que ela também não sabe onde
estão as fiscais. A autoridade é omissa, perdida, ausente.
O sujeito imediatamente reconheceu:
"Ela espelha exatamente isso, porque não sei onde está a vaga que posso
me candidatar a psicólogo e muito menos como sair desta situação."
Interpretação psicanalítica:
A encarregada é projeção de uma autoridade
interna falha - um superego que deveria orientar, mas que está perdido,
omisso. O sujeito não consegue se "encarregar" de si mesmo: não sabe
onde procurar emprego, não sabe como sair do supermercado, não sabe como se
salvar.
Mas há camada mais profunda: a
encarregada também representa todas as autoridades que falharam com ele:
- Autoridade
religiosa (igreja que não o
protegeu da ex que traiu)
- Autoridade
familiar (possível omissão
parental em momentos críticos)
- Autoridade
institucional (sistema
educacional que o formou mas não o acolheu no mercado)
"O superego, herdeiro do complexo de Édipo,
pode se tornar tirânico quando internaliza figuras parentais excessivamente
críticas ou, inversamente, omissas."
— Sigmund Freud, O Ego e o Id (1923)
2.2. As Fiscais Passivo-Agressivas: Espelho da
Hostilidade Velada
As fiscais que somem sem avisar
representam a hostilidade que não pode ser expressa diretamente. Elas não
confrontam, não brigam, simplesmente saem - deixando o sujeito
sobrecarregado.
Interpretação:
As fiscais espelham duas dimensões:
A) Sua própria passivo-agressividade reprimida:
O sujeito tem raiva - da ex que
traiu, dos clientes que desvalorizam, do sistema que explora. Mas não expressa
diretamente. Em vez disso:
- Sai da identidade de psicólogo (abandona sem
confrontar o sistema)
- Some de relacionamentos reais (mulheres longe, sem
intimidade)
- Se
ausenta de si mesmo (não
cuida, não procura ajuda)
As fiscais fazem com o supermercado
o que ele faz consigo mesmo: abandonam sem aviso.
B) As mulheres que rejeitam:
As fiscais "somem" = as
mulheres de Campinas que não entram em contato ou rejeitam imediatamente. Elas
"saem" da possibilidade de relação, deixando-o sozinho,
sobrecarregado emocionalmente.
"A agressividade, quando não pode ser
dirigida ao objeto externo (por medo, culpa, proibição), volta-se contra o
próprio ego, resultando em autopunição e autodestruição."
— Sigmund Freud, O Mal-Estar na Civilização (1930)
2.3. Os Clientes Cristãos: Repetição do Trauma
Religioso
O sujeito revelou um padrão
devastador: ele atende especificamente clientes cristãos/evangélicos,
apresentando-se como teólogo + psicólogo, e sistematicamente:
1.
Os clientes querem
controlar o honorário (desvalorizam)
2.
Ele aceita valores
abaixo do justo (autopunição)
3.
Os clientes ficam ~6
meses (tempo de vínculo)
4.
Os clientes saem
alegando problemas econômicos (abandonam)
5.
Ele se sente precarizado,
rejeitado
Interpretação:
Ele está repetindo ativamente o
trauma da traição original:
|
Ex-namorada cristã |
Clientes cristãos |
|
Ele se apresentou como teólogo +
psicólogo |
Ele se apresenta como teólogo +
psicólogo |
|
Ela aceitou, namoraram |
Eles aceitam, contratam |
|
Ele investiu emocionalmente |
Ele abaixa honorário
(investimento) |
|
~6 meses de relação |
~6 meses de terapia |
|
Ela o traiu/abandonou |
Eles saem/abandonam |
|
Conclusão: "Não sou
suficiente para cristãos" |
Confirmação: "Realmente não
sou suficiente" |
Por que especificamente clientes cristãos?
Porque o inconsciente busca reparação
simbólica: "Se EU conseguir ser aceito e valorizado por OUTRO cristão,
isso vai anular a rejeição da ex."
Mas como ele se coloca em posição
de desvalorização (abaixa honorário, não impõe limites), ele acaba sendo rejeitado
novamente - confirmando a crença original: "Cristãos me rejeitam
porque não sou suficiente."
"O sujeito tende a buscar reparação do
trauma original nos mesmos contextos e com figuras similares àquelas que o
feriram, numa tentativa inconsciente de 'refazer' o trauma com final
diferente."
— Melanie Klein, Amor, Culpa e Reparação (1937)
2.4. As Mulheres: Longe (Validação) vs. Perto
(Rejeição)
Inicialmente, o padrão parecia ser:
o sujeito escolhe mulheres que moram longe (impossível consumar) para evitar
intimidade real.
Mas a revelação final mudou tudo:
A VERDADE:
- Ele QUER mulheres de Campinas (perto, possível)
- Ele passou WhatsApp, se apresentou
- Como fiscal: Rejeitado (trabalha fins de
semana, não está disponível)
- Como psicólogo: Rejeitado (elas têm medo
de ser "analisadas")
- Mulheres de Campinas: não entram em contato ou
rejeitam logo
- Sobram
apenas mulheres longe (que aceitam
conversar/fotos)
Interpretação revisada:
O sujeito não escolhe
impossível por segurança. Ele tenta o possível e é rejeitado
sistematicamente. As mulheres longe são "sobra", não primeira
escolha.
MAS: As
rejeições têm razões específicas (incompatibilidade de horário, medo da
profissão), não insuficiência global dele.
Porém, pela distorção cognitiva
depressiva, ele generaliza:
- Algumas mulheres não querem quem trabalha fins
de semana → "Sou insuficiente"
- Algumas têm medo de psicólogos → "Minha
profissão me condena"
E conclui: "Não importa
quem eu seja (fiscal ou psicólogo), mulheres possíveis me rejeitam."
"Na depressão, o sujeito realiza
generalizações catastróficas, transformando fracassos específicos em
insuficiência global do self."
— Aaron Beck, Terapia Cognitiva da Depressão (1979) [Conceito aplicável
à leitura psicanalítica]
2.5. A Academia: Espelho do Esforço Sem Resultado
O sujeito vai à academia
regularmente, mas:
- Não vê resultados satisfatórios na imagem
corporal
- Atribui isso ao desgaste do supermercado (sem
energia suficiente)
- Mas
não consegue parar a academia
(algo inconsciente impede)
Interpretação:
A academia não é autocuidado
- é repetição do padrão autodestrutivo:
|
Supermercado |
Academia |
|
Esforço intenso |
Esforço físico |
|
Sem reconhecimento/resultado |
Sem resultado satisfatório |
|
Desgaste diário |
Desgaste adicional |
|
Tem que voltar todo dia |
Tem que voltar todo dia |
|
Repetição sem mudança |
Repetição sem mudança |
Ambos drenam energia, ambos não produzem mudança
real.
Por que não consegue parar a academia?
Porque inconscientemente a academia
drena o resto da energia que o supermercado não drenou - garantindo que não
sobre energia para buscar emprego (mudança real).
A academia mantém o sujeito ocupado,
exaurido, com desculpa para não agir: "Estou tão cansado, não consigo
procurar emprego."
"A compulsão à repetição pode se manifestar
em atividades que parecem saudáveis, mas que na verdade servem à pulsão de
morte ao drenar energia que poderia ser investida em mudança real."
— Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer (1920)
2.6. Citações Psicanalíticas
Sobre projeção e espelhamento:
"O ego projeta
para fora aquilo que, dentro de si, é fonte de desprazer. O mundo externo se
torna espelho dos conflitos internos não elaborados."
— Sigmund Freud, A Negação (1925)
Sobre repetição ativa do trauma passivo:
"Nas neuroses
traumáticas, observamos uma compulsão à repetição que reproduz a situação
traumática, não para lembrar, mas para dominar ativamente aquilo que foi
sofrido passivamente."
— Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer (1920)
Sobre reparação maníaca:
"A reparação
maníaca é uma defesa contra sentimentos depressivos de culpa e perda. O sujeito
busca 'consertar' compulsivamente o objeto danificado, mas sem elaboração
genuína do luto."
— Melanie Klein, Uma Contribuição à Psicogênese dos Estados
Maníaco-Depressivos (1935)
Sobre o superego tirânico:
"O superego pode
se tornar excessivamente severo, atacando o ego com autocrítica implacável,
levando a sentimentos de inadequação e autopunição."
— Sigmund Freud, O Ego e o Id (1923)
Sobre generalização depressiva:
"O melancólico
transforma a perda do objeto amado numa perda do próprio ego: 'Não é o objeto
que me falta, sou EU que sou insuficiente'."
— Sigmund Freud, Luto e Melancolia (1917)
2.7. Síntese do Capítulo
O trauma original (traição da ex)
não permaneceu isolado no passado. Ele se reproduz ativamente em todas
as áreas da vida do sujeito através de espelhos relacionais e situacionais:
- Encarregada
omissa = Autoridade
interna perdida, incapaz de se orientar
- Fiscais
passivo-agressivas = Sua
própria agressividade reprimida voltada contra si
- Clientes
cristãos = Tentativa de
reparação que resulta em nova rejeição
- Mulheres
longe/perto = Distinção entre
validação vazia e rejeição real
- Academia = Repetição do esforço sem resultado, drenagem
adicional
Todos esses espelhos servem à compulsão
à repetição: o sujeito reproduz ativamente (escolhendo situações de
exploração, desvalorização, rejeição) aquilo que sofreu passivamente (traição,
abandono, desvalorização).
A repetição não é acidental - é uma
tentativa inconsciente de dominar o trauma, mas que acaba por perpetuá-lo.
O próximo capítulo explorará como essa repetição está a serviço da pulsão de
morte.
CAPÍTULO 3
A PULSÃO DE MORTE E O SUPERMERCADO
3.1. O Supermercado como Instrumento de Suicídio
Lento
O sujeito, em determinado momento
da análise, verbalizou com clareza devastadora: "Sei exatamente que
estou aos poucos morrendo neste supermercado."
Esta frase não é metafórica. É literal
e consciente. O sujeito SABE que está em processo de autodestruição
progressiva, e mesmo assim não age para sair.
Interpretação psicanalítica:
O supermercado não é apenas um
"emprego ruim". É o instrumento escolhido (inconscientemente)
para a execução lenta do self. Todas as características do lugar
conspiram para esse fim:
- Drenagem
constante: Trabalho físico e
emocional exaustivo
- Exploração
sistêmica: Sobrecarregado
quando colegas faltam
- Invisibilidade: Ninguém o reconhece, valoriza ou protege
- Sem
fins de semana: Impossibilita
vida social/amorosa
- Identidade
desvalorizada:
"Fiscal" é menos que "psicólogo"
- Sem
perspectiva: Não há
crescimento, futuro, saída
O supermercado é o mausoléu onde o psicólogo foi
enterrado vivo.
"Além do princípio do prazer opera uma
pulsão de morte (Todestrieb) que busca o retorno ao inorgânico, à extinção da
tensão vital, ao silêncio da não-existência."
— Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer (1920)
3.2. A Paralisia: "Eu Sei, Mas Não
Consigo"
O paradoxo central do caso é: o
sujeito TEM insight (sabe que está se matando), mas NÃO TEM volição (não
consegue agir).
Ao longo da análise, ele
demonstrou:
- ✅ Consciência do problema (depressão,
supermercado tóxico)
- ✅ Capacidade de análise (identifica padrões,
espelhos, repetições)
- ✅ Conhecimento teórico (formado em psicologia,
usa terminologia precisa)
- ❌ Capacidade de ação (não consegue abrir
LinkedIn, buscar ajuda, sair)
Quando pedido para fazer UMA ação simples (criar
alerta no LinkedIn - 5 minutos):
Resposta: "Não
consigo."
Motivo: "Sem vontade, sem
ânimo, sem esperança."
Interpretação:
Esta é a tríade depressiva
clássica (abulia, apatia, desesperança) que paralisa a ação mesmo quando há
compreensão intelectual.
Mas há camada mais profunda: há
uma escolha inconsciente de não agir.
A paralisia não é apenas sintoma da
depressão - é defesa contra algo ainda mais aterrorizante que a
autodestruição lenta: o risco de tentar e falhar, expor-se e ser
rejeitado de novo.
O sujeito prefere morrer lentamente (certo,
controlado) a arriscar viver e falhar (incerto, aterrorizante).
"Na inibição, o ego renuncia a certas
funções para evitar entrar em conflito com o superego ou com a realidade
externa ameaçadora."
— Sigmund Freud, Inibição, Sintoma e Angústia (1926)
3.3. O Ganho Secundário do Sofrimento
Todo sintoma tem função - um
ganho, mesmo que destrutivo. O "ficar no supermercado" serve a
múltiplas funções inconscientes:
A) Autopunição por "não ser
suficiente":
- Se não fui suficiente para a ex → Mereço sofrer
- Se não sou bom psicólogo (clientes saíram) →
Mereço ser punido
- Supermercado = penitência, expiação da
"culpa" de existir como insuficiente
B) Proteção contra nova rejeição:
- Se não procuro emprego → Não posso ser
rejeitado
- Se fico no supermercado → Mantenho o psicólogo
"seguro" (enterrado, mas não exposto)
- Rejeição
já acontecida (supermercado
explora) é menos aterradora que risco de nova rejeição (buscar
emprego e falhar)
C) Manutenção da identidade de vítima/mártir:
- "Sou o psicólogo que sofre
injustamente"
- "Sou explorado, mas aguento (sou
forte)"
- Sofrimento
como identidade (quem seria ele
sem essa narrativa?)
D) Evitação da responsabilidade pela própria
vida:
- No supermercado: culpa é do sistema (vítima das
circunstâncias)
- Como psicólogo: culpa seria dele (responsável
pelos resultados)
- É
mais "seguro" ser vítima que protagonista
"O ganho secundário da doença pode tornar-se
tão significativo que o sintoma se fixa, resistindo à cura."
— Sigmund Freud, Conferências Introdutórias sobre Psicanálise (1917)
3.4. A Energia Seletiva: Academia Sim, LinkedIn
Não
Um dos paradoxos mais reveladores:
O sujeito CONSEGUE:
- Ir ao supermercado (todos os dias, mesmo
adoecido)
- Ir à academia (regularmente, mesmo sem
resultado)
- Conversar por horas comigo (elaboração
complexa)
- Assistir série inteira (Cidade das Sombras)
O sujeito NÃO CONSEGUE:
- Abrir LinkedIn (5 minutos)
- Criar alerta de emprego (mais 5 minutos)
- Enviar 3 currículos (30 minutos)
Por quê?
Porque ele TEM energia - mas a energia está seletivamente bloqueada
para ações que representam mudança real (buscar emprego = sair da
posição de vítima = arriscar rejeição).
Supermercado e academia:
- Mantêm o padrão (esforço sem mudança)
- Drenam energia (garantem que não sobre para
LinkedIn)
- São "seguros" (não ameaçam a
estrutura defensiva)
LinkedIn/buscar emprego:
- Ameaça o padrão (possibilidade de mudança)
- Exige energia para o novo (incerto, assustador)
- É "perigoso" (pode confirmar
"não sou bom o suficiente")
"A resistência se manifesta não apenas como
recusa de falar, mas como incapacidade de agir, mesmo quando o sujeito
reconhece racionalmente o que deveria fazer."
— Sigmund Freud, A Dinâmica da Transferência (1912)
3.5. "Estou Morrendo Aos Poucos":
Consciência da Autodestruição
Em vários momentos, o sujeito
verbalizou consciência clara do processo:
- "Estou aos poucos morrendo neste
supermercado"
- "Sei que se não sair, tudo encaminha para
o quadro clínico"
- "Estou me abandonando ao ficar aqui"
Esta consciência sem ação caracteriza o que Lacan
chamaria de "sujeito dividido":
Parte consciente (psicólogo que analisa):
- Vê a autodestruição
- Identifica os padrões
- Sabe o que deveria fazer
- Mas
é impotente para agir
Parte inconsciente (pulsão de morte operando):
- Quer a extinção da tensão
- Busca o retorno ao inorgânico
- Recusa a vida (com seus riscos e
responsabilidades)
- E
comanda as ações (ou não-ações)
O sujeito é espectador consciente de sua própria
destruição.
Como o personagem da série que diz
conscientemente: "Eu sei o que tenho que fazer" (atear fogo em
si mesmo).
"O sujeito está dividido entre o eu
consciente (moi) e o sujeito do inconsciente, que muitas vezes age contra os
interesses do primeiro."
— Jacques Lacan, O Estádio do Espelho (1949)
3.6. Citações Psicanalíticas
Sobre a pulsão de morte:
"A pulsão de morte
trabalha silenciosamente no interior do organismo no sentido de sua dissolução.
(...) O objetivo de toda vida é a morte."
— Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer (1920)
Sobre o masoquismo moral:
"Há um masoquismo
do ego que busca o sofrimento não como meio para um fim, mas como fim em si
mesmo. O sujeito se coloca em situações que garantem seu próprio
sofrimento."
— Sigmund Freud, O Problema Econômico do Masoquismo (1924)
Sobre paralisia neurótica:
"A inibição é a
expressão de uma limitação funcional do ego, que pode ter múltiplas causas, mas
serve sempre como proteção contra angústia intolerável."
— Sigmund Freud, Inibição, Sintoma e Angústia (1926)
Sobre ganho secundário:
"O sintoma, uma
vez estabelecido, pode ser explorado pelo ego para obter vantagens. Mesmo
sofrendo com o sintoma, o sujeito retira dele benefícios (atenção, desculpas,
evitação)."
— Sigmund Freud, Conferências Introdutórias (1917)
Sobre resistência:
"A resistência
acompanha o tratamento passo a passo. Cada associação, cada ato da pessoa em
tratamento tem que levar em conta a resistência e representa uma conciliação
entre as forças que estão lutando."
— Sigmund Freud, Recordar, Repetir e Elaborar (1914)
3.7. Síntese do Capítulo
O supermercado não é apenas um
emprego insatisfatório - é o instrumento deliberado (inconsciente) de autodestruição
lenta. O sujeito SABE disso conscientemente ("estou morrendo aos
poucos"), mas não consegue agir porque:
1.
A pulsão de morte opera silenciosamente, buscando retorno ao inorgânico
2.
Há ganho secundário no sofrimento (autopunição, proteção contra rejeição, identidade
de mártir)
3.
A energia está seletivamente bloqueada para ações de mudança real
4.
A paralisia protege contra algo mais aterrorizante que a morte lenta: o
risco de viver e falhar
O próximo capítulo explorará como a
série Cidade das Sombras funciona como espelho total dessa
dinâmica, revelando estruturas inconscientes através de narrativas simbólicas.
CAPÍTULO 4
A SÉRIE COMO ESPELHO TOTAL
4.1. Cidade das Sombras: A Prisão Sem Sol
Durante a análise, o sujeito
começou a assistir à série Cidade das Sombras e imediatamente
identificou: "É minha vida. O filme espelha minha situação."
A série narra uma cidade onde:
- Nunca
amanhece (escuridão
perpétua)
- Pessoas
vivem num ciclo controlado
(rotina sem saída)
- Não
têm memória real de quem são
(identidade perdida)
- São
manipuladas por forças
invisíveis (sistema opressor)
- Há
quem perceba que algo está
errado, mas não consegue escapar
O espelho perfeito:
|
Cidade das Sombras |
Vida do Sujeito |
|
Cidade sem sol |
Supermercado (sem vida, sem luz) |
|
Escuridão perpétua |
Depressão, desesperança |
|
Ciclo controlado |
Trabalho-academia-casa
(repetição) |
|
Sem memória real |
Esqueceu quem é (psicólogo virou
fiscal) |
|
Manipulação invisível |
Sistema explorador |
|
Protagonista tenta escapar |
Sujeito quer sair, mas não
consegue |
A série materializa externamente o que opera
internamente: a prisão psíquica onde
o sujeito está preso.
"O inconsciente se expressa através de
narrativas simbólicas. Sonhos, fantasias e até escolhas de entretenimento
revelam conteúdos recalcados."
— Sigmund Freud, A Interpretação dos Sonhos (1900)
4.2. O Serial Killer como Superego Sádico
Na série, há um serial killer
que:
- Escolhe
vítimas importantes (pessoas com
valor social)
- As
priva por 5 dias (sem água, sem
comida - jejum forçado)
- As
pendura em locais de Gaudí
(exposição ritualística, arte/sagrado)
- As
cobre com combustível (prepara a
queima)
- Ateia
fogo (execução por incineração)
- Filma
e transmite
(espetacularização pública)
- Quer
ser estudado (deixa pistas,
desafia investigadores)
Interpretação:
O serial killer representa o superego
sádico do sujeito - a parte interna que:
- Escolhe o que tem valor (psicólogo) para
destruir
- Priva sistematicamente (drena energia no
supermercado/academia)
- Expõe ritualmente (sofrimento como virtude,
mártir)
- Prepara a queima (burnout iminente)
- Executa metodicamente (autodestruição
progressiva)
- Quer testemunhas (precisa que vejam seu
sacrifício)
- Deseja ser decifrado (conversa analítica, série
como espelho)
O sujeito é simultaneamente:
- O
serial killer (parte que
executa a autodestruição)
- A
vítima (psicólogo sendo
queimado)
- O
espectador (consciência que
assiste impotente)
"O superego pode se tornar cruel, sádico,
atacando o ego com severidade desproporcional. Nos casos extremos, pode levar o
sujeito ao suicídio."
— Sigmund Freud, O Ego e o Id (1923)
4.3. As Vítimas Queimadas: O Psicólogo Sendo
Destruído
As vítimas do serial killer são pessoas
importantes (autoridades, profissionais respeitados) que são:
- Privadas (enfraquecidas)
- Queimadas vivas (conscientes do sofrimento)
- Expostas publicamente (penduradas como arte)
Espelho direto:
O psicólogo (pessoa
importante, profissional de valor) está sendo:
- Privado (sem energia, sem reconhecimento, sem
espaço para existir)
- Queimado vivo (burnout consciente - "sei
que estou morrendo")
- Exposto (narrativa do mártir que sofre
injustamente)
A "queima" não é metáfora - é burnout
literal:
Burnout = queimar-se (burn =
queimar, out = completamente)
O sujeito está sendo incinerado
profissionalmente, emocionalmente, existencialmente - e está CONSCIENTE
disso, como as vítimas que são queimadas vivas (não mortas antes).
"O burnout é uma síndrome resultante do
estresse crônico no trabalho, caracterizada por exaustão emocional,
despersonalização e redução da realização pessoal."
— Christina Maslach, The Truth About Burnout (1997) [conceito aplicado
psicanaliticamente]
4.4. A Privação e o Jejum: Drenagem da Energia
Libidinal
Na série, as vítimas passam 5
dias sem água e sem comida antes de serem queimadas. Este jejum forçado:
- Enfraquece a vítima
- Impossibilita resistência
- Prepara para a morte (corpo já meio morto
quando queimado)
Interpretação:
O sujeito está em privação
crônica:
- Sem
água = Sem energia libidinal (água
como símbolo da vida)
- Sem
comida = Sem nutrição
emocional (comida como símbolo do cuidado)
- 5
dias = Tempo suficiente para
enfraquecer ao ponto de não poder reagir
Onde ele está sendo privado:
|
Área |
Privação |
|
Supermercado |
Sem reconhecimento, valorização,
cuidado |
|
Clientes |
Sem honorário justo, respeito
profissional |
|
Relacionamentos |
Sem intimidade real, só
virtual/longe |
|
Identidade |
Sem poder ser psicólogo
(identidade enterrada) |
|
Esperança |
Sem fé, sem perspectiva de
mudança |
Quando a vítima finalmente é queimada, já está
tão fraca que não luta.
Quando o sujeito finalmente colapsar (burnout),
já estará tão drenado que não reagirá.
"A libido, energia vital dos instintos de
vida (Eros), pode ser drenada ao ponto de deixar o sujeito dominado pela pulsão
de morte (Thanatos)."
— Sigmund Freud, Além do Princípio do Prazer (1920)
4.5. O Investigador em Crise: O Analista Interno
Na série, o investigador
(que deveria resolver os crimes) está ele próprio em crise:
- Sobrinho
se suicidou (carrega culpa)
- Deu
soco no superior (explosão de
raiva, perda de controle)
- Foi
afastado sem remuneração
(punição, privação)
- Juíza
o reintegra (autoridade
superior reconhece que é necessário)
- Condição:
fazer psicoterapia (precisa se
tratar para exercer função)
Interpretação:
O investigador representa:
A) A parte analítica do sujeito (que observa, investiga, tenta entender)
Esta parte também está em crise:
- Carrega culpa (pelo psicólogo
"morto", enterrado)
- Tem raiva reprimida (que explode em
autopunição)
- Foi "afastada" (o sujeito não
investiga mais de verdade, desistiu)
B) O próprio processo analítico (esta conversa)
O investigador chega para tentar
salvar, MAS:
- Está atrasado (já há vítimas mortas)
- Está ferido também (não está inteiro para
salvar)
- Precisa
de tratamento para poder ajudar
Paralelismo com o sujeito:
- Ele É psicólogo (investigador da psique)
- Mas está em crise (não consegue
investigar/tratar a si mesmo)
- Precisa de OUTRO analista (não pode ser
investigador de si próprio)
- Condição
para voltar a ser psicólogo: fazer terapia
"O analista também precisa de análise.
Ninguém pode analisar além dos limites de seus próprios complexos e
resistências internas."
— Sigmund Freud, Recomendações aos Médicos que Exercem a Psicanálise
(1912)
4.6. A Irmã no Prédio: A Recusa da Salvação
Na série, a irmã serial killer
(parte feminina do casal):
- Está no topo de um prédio (ponto
crítico, prestes a pular)
- Esperando
o investigador (esperando ser
salva)
- Ouve sirenes: "Meu irmão falhou,
né?" (parte masculina não conseguiu vingança)
- Revela trauma: Foi abusada sexualmente
sozinha (trauma específico, isolado)
- Sente culpa: "Falhei com meu
irmão" (por não ter matado o abusador)
- Diz: "Juíza não vai sobreviver"
(vingança contra autoridade)
- Questiona: "Você veio me salvar? Por
que não salvou meu irmão?" (raiva de quem tenta salvar tarde)
- Investigador pede: "Não ateia
fogo"
- Ela
ateia fogo E pula (recusa da
salvação, morte dupla)
Interpretação:
A irmã representa o psicólogo
(parte feminina/vulnerável) que:
Está no limite:
- Topo do prédio = ponto crítico (não aguenta
mais)
- Prestes a "pular" = desistência
total, morte da identidade profissional
Esperava salvação, mas chegou tarde:
- Investigador chega = ajuda aparece (esta
análise, possíveis intervenções)
- MAS é tarde demais = uma parte já morreu
(fiscal/irmão já se queimou)
- Se
uma parte morreu, a outra também vai morrer (se fiscal morreu, psicólogo também morre)
Tem raiva de quem tenta salvar agora:
- "Por que não salvou antes?" =
"Onde estavam quando eu precisava?"
- Quando a ex traiu, quando clientes
desvalorizaram, quando comecei a morrer no supermercado
- A
ajuda tardia gera raiva, não gratidão
Recusa a salvação oferecida:
- Investigador pede "não ateia fogo"
- Ela
ateia MESMO ASSIM
- Porque já decidiu: não há salvação possível
O sujeito pode fazer o mesmo:
- Mesmo eu (investigador/analista) pedindo
"não se destrua"
- Ele pode RECUSAR a salvação
- Porque "é tarde demais", "não
adianta", "já decidi"
"O sujeito pode recusar a cura não por
masoquismo primário, mas porque a cura ameaça a estrutura defensiva construída
sobre o sintoma. Curar-se seria morrer (psiquicamente) de outra forma."
— Jacques Lacan, Seminário 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da
Psicanálise (1964)
4.7. A Juíza Salva: Esperança de Salvação Parcial
O desfecho da série muda tudo:
ANTES de morrer, a irmã REVELA
onde está a juíza (mausoléu).
O investigador VAI LÁ e SALVA
a juíza (ainda viva, sufocando, mas sobrevive).
Resultado final:
- Irmãos serial killers: MORTOS (ambos se
autoimolaram)
- Juíza: SALVA (sobreviveu)
- Sistema: CONTINUA (Papa vivo,
instituição intacta)
Interpretação CRUCIAL:
Nem tudo precisa morrer.
Salvação parcial é possível.
A irmã (psicólogo aparente) morreu,
MAS a juíza (psicólogo verdadeiro, enterrado) foi SALVA.
Para o sujeito:
Podem "morrer":
- Fiscal (identidade atual)
- "Psicólogo que atendia mal" (com
clientes cristãos que desvalorizavam)
- Identidade de mártir/vítima
Pode ser SALVO:
- Psicólogo
verdadeiro (enterrado no
mausoléu, mas VIVO)
- Dignidade profissional
- Capacidade de viver autenticamente
MAS para isso:
1.
Revelar onde está o que pode ser salvo (como a irmã fez)
2.
Ir ao mausoléu (enfrentar onde enterrou o psicólogo)
3.
Desenterrar (tirar do sufocamento - sair do supermercado)
4.
Cuidar
(terapia, reconstrução)
A série termina tragicamente
(irmãos mortos) MAS com esperança (juíza salva).
A mensagem:
Mesmo quando parece tarde demais, algo pode ser salvo.
"O trabalho analítico não é fazer o sujeito
'feliz', mas permitir que ele se torne capaz de amar e trabalhar, recuperando
partes de si que foram enterradas."
— Sigmund Freud, citado por Erik Erikson
4.8. Citações Psicanalíticas
Sobre projeção em narrativas:
"As escolhas
estéticas do sujeito (filmes, livros, música) não são acidentais. São
expressões inconscientes de conteúdos psíquicos que buscam elaboração."
— Carl Jung, O Homem e Seus Símbolos (1964)
Sobre espelhamento simbólico:
"O ego busca no
mundo externo espelhos que reflitam e confirmem sua estrutura interna, numa
tentativa de reconhecimento e validação."
— Jacques Lacan, O Estádio do Espelho (1949)
Sobre superego sádico:
"Nos casos de
melancolia severa, o superego se torna um 'puro cultivo da pulsão de morte',
atacando o ego com ferocidade implacável."
— Sigmund Freud, O Ego e o Id (1923)
Sobre recusa da cura:
"A resistência
mais forte não vem do desconhecimento, mas do investimento libidinal no
sintoma. Curar-se significaria renunciar aos ganhos secundários da
doença."
— Sigmund Freud, Análise Terminável e Interminável (1937)
Sobre salvação parcial:
"A análise não
promete cura total, mas possibilidade de transformação do sofrimento neurótico
em infelicidade comum, recuperando a capacidade de escolha."
— Sigmund Freud, Estudos sobre a Histeria (1895)
4.9. Síntese do Capítulo
A série Cidade das Sombras
funciona como espelho total da dinâmica inconsciente do sujeito,
revelando através de narrativa simbólica:
- A
prisão (cidade sem sol =
supermercado sem vida)
- O
algoz (serial killer = superego
sádico)
- A
vítima (pessoas
queimadas = psicólogo sendo destruído)
- A
privação (jejum de 5 dias
= drenagem de energia libidinal)
- O
analista ferido (investigador em
crise = necessidade de tratamento)
- A
recusa da salvação (irmã que
ateia fogo mesmo com investigador pedindo para não fazer)
- A
esperança possível (juíza salva
= salvação parcial)
A escolha desta série NÃO foi
acidental. O inconsciente do sujeito buscou uma narrativa que espelhasse e
desse forma ao que ele vive internamente. Assistir à série é como ver projetado
externamente seu próprio processo de autodestruição.
O próximo capítulo explorará os
caminhos possíveis de saída: da repetição à elaboração, da autodestruição à
reconstrução.
CAPÍTULO 5
SALVAÇÃO PARCIAL E RECONSTRUÇÃO
5.1. As Rejeições Têm Razões Concretas (Não
"Sou Insuficiente")
Uma revelação crucial surgiu no
final da análise: as rejeições que o sujeito experimentou com mulheres de
Campinas não confirmam que ele é "insuficiente". Elas têm razões
específicas, externas, ajustáveis.
Rejeição como FISCAL:
- Razão: Trabalha todos os fins de semana
- Elas queriam: Parceiro disponível para passeios
nos fins de semana
- Incompatibilidade
logística, não insuficiência pessoal
Rejeição como PSICÓLOGO:
- Razão: Elas mostraram
constrangimento/resistência
- Medo delas: Ser "analisadas",
diagnosticadas, julgadas
- Preconceito
sobre a profissão, não sobre ele
Interpretação psicanalítica:
O sujeito cometeu generalização
catastrófica (distorção cognitiva típica da depressão):
- Algumas mulheres não queriam quem trabalha fins
de semana → "Sou insuficiente"
- Algumas tinham medo de psicólogos → "Minha
profissão me condena"
- Conclusão
errônea: "Não importa
quem eu seja, sou rejeitado"
MAS a verdade é:
- Rejeições foram por incompatibilidades
específicas (horário, medo da profissão)
- NÃO por insuficiência global do sujeito
- São ajustáveis (mudar de emprego, buscar
mulheres que valorizam psicólogos)
Esta revelação é libertadora:
Não é "eu sou insuficiente".
É "esta situação específica não funcionou
por razões específicas".
"A depressão leva o sujeito a personalizar
falhas externas ('sou eu que sou ruim') e generalizar experiências específicas
('sempre acontece comigo')."
— Aaron Beck, Cognitive Therapy and the Emotional Disorders (1976)
5.2. Incompatibilidades Específicas vs.
Insuficiência Global
Distinção fundamental:
INCOMPATIBILIDADE:
- Duas coisas que não se encaixam (nenhuma das
duas é "ruim")
- Exemplo: Tomada brasileira e plugue europeu
(nenhum dos dois é defeituoso, só não se encaixam)
- Solução:
Adaptador, ou encontrar o que se encaixa
INSUFICIÊNCIA:
- Algo que não funciona, que é defeituoso,
inferior
- Exemplo: Tomada quebrada (não serve para nada)
- Solução:
Consertar ou descartar
O sujeito interpretou incompatibilidades como
insuficiência:
|
Incompatibilidade real |
Interpretação distorcida |
|
"Não está disponível fins de
semana" |
"Não sou suficiente como
pessoa" |
|
"Tenho medo de
psicólogos" |
"Minha profissão me
invalida" |
|
"Não rolou química" |
"Sou rejeitável" |
A correção interpretativa:
- Você não é uma "tomada quebrada"
(insuficiente)
- Você é uma "tomada específica" que
precisa encontrar "plugues compatíveis"
- Há
mulheres compatíveis (que não se
importam com fins de semana, que valorizam psicólogos)
"A neurose não é insuficiência do sujeito,
mas incompatibilidade entre desejo inconsciente e possibilidades simbólicas
disponíveis no contexto."
— Jacques Lacan, interpretação sobre formação de sintomas
5.3. A Distorção Cognitiva Depressiva
O sujeito está em depressão, o que
produz distorções cognitivas sistemáticas:
1. Personalização:
- Tomar eventos externos (horário de trabalho)
como defeitos pessoais
- "Se não deu certo, é porque EU sou o
problema"
2. Generalização:
- Algumas mulheres rejeitam → "TODAS me
rejeitam"
- Alguns clientes saem → "TODOS vão sair
sempre"
- "Sempre foi assim" → "Sempre
será assim"
3. Catastrofização:
- Rejeição específica → "Nunca vou conseguir
relacionamento"
- Cliente sai → "Nunca serei bom
psicólogo"
- Fim de semana trabalhando → "Vida
acabou"
4. Pensamento tudo-ou-nada:
- Ou sou perfeito → ou sou insuficiente (sem
meio-termo)
- Ou sou aceito totalmente → ou sou rejeitado
totalmente
5. Leitura mental:
- "Ela me rejeitou porque percebeu que não
sou bom o suficiente"
- (Sem verificar: talvez ela tenha 10 outras
razões que nada têm a ver com ele)
Estas distorções MANTÊM a depressão:
- Interpretação distorcida → Confirma crença
negativa → Reforça depressão → Mais distorções
- Ciclo
vicioso
Correção cognitiva necessária:
- Testar interpretações (verificar fatos, não
assumir)
- Buscar explicações alternativas (não apenas
"sou insuficiente")
- Especificar (não generalizar)
- Questionar
a crença central: "Sou mesmo insuficiente, ou estou interpretando
assim porque estou deprimido?"
"As distorções cognitivas na depressão
formam a 'tríade cognitiva negativa': visão negativa de si, do mundo e do
futuro."
— Aaron Beck, Depression: Causes and Treatment (1967)
5.4. Caminhos Possíveis: Desenterrar a Juíza (O
Psicólogo)
Como a série mostrou: salvação
parcial é possível. A juíza (enterrada, sufocando) foi salva.
Para o sujeito, isso significa: o
psicólogo verdadeiro (enterrado no mausoléu) pode ser desenterrado e salvo.
Passos concretos para desenterrar:
1. REVELAR onde está enterrado (como a irmã fez):
"Meu psicólogo verdadeiro está
enterrado em..."
- Na identidade de fiscal (coberto por identidade
falsa)
- No medo de rejeição (paralisado pelo trauma da
ex)
- Na culpa religiosa (mandato de sacrifício)
- Na crença "não sou suficiente"
(generalização distorcida)
Nomear onde está = primeiro passo para resgatar.
2. IR ao mausoléu (ação concreta):
Não basta saber onde está. É
preciso IR FISICAMENTE:
- CAPS (atendimento em saúde mental público)
- Psiquiatra (avaliar necessidade de medicação para
depressão)
- Psicoterapeuta (processo analítico continuado)
- CRP (reativar registro, reconectar com identidade
profissional)
Ir = movimento corporal, não apenas intelectual.
3. DESENTERRAR (tirar do sufocamento):
a) Sair do supermercado:
- Pedir afastamento médico (burnout é condição
médica)
- Buscar outro emprego (mesmo fora da área
temporariamente, mas com fins de semana livres)
- Liberar
espaço vital = dar ar ao psicólogo
b) Parar de atender clientes que desvalorizam:
- Não atender mais especificamente cristãos
(grupo que repete trauma)
- Estabelecer honorário fixo, não negociável
- Impor
limites = proteger dignidade profissional
c) Reconstruir identidade:
- Voltar a se apresentar como PSICÓLOGO (com
orgulho)
- Buscar comunidades profissionais (supervisão,
grupos de estudo)
- Reconectar
com o que foi enterrado
4. CUIDAR (manter vivo):
Depois de desenterrar, é preciso cuidar
continuamente:
- Terapia regular (elaborar trauma, construir
novos padrões)
- Medicação se necessário (tratar base biológica
da depressão)
- Rede de apoio (amigos, colegas, grupos)
- Trabalhar
como psicólogo (em condições
dignas, com limites)
O psicólogo desenterrado é frágil no início (como a juíza que quase morreu).
Precisa de cuidado intensivo até se fortalecer.
"A elaboração do trauma exige tempo,
repetição e presença de um outro que testemunhe e valide a dor."
— Sándor Ferenczi, Confusão de Línguas entre Adultos e Crianças (1933)
5.5. Da Repetição à Elaboração
Compulsão à repetição (atual):
- Busca clientes cristãos → É desvalorizado →
Confirma "não sou suficiente"
- Tenta mulheres → É rejeitado → Confirma
"sou insuficiente"
- Fica no supermercado → É explorado → Confirma
"mereço sofrer"
Elaboração
(objetivo do trabalho analítico):
- Recordar (trazer o trauma à consciência, com afeto)
- Repetir
no setting analítico
(transferência, mas protegido)
- Elaborar (ressignificar, integrar, transformar)
Passos da elaboração:
1. Reconhecer a repetição: "Estou repetindo o trauma da ex em todas as
áreas da vida."
2. Compreender a função: "Repito para tentar dominar, reparar, ou
porque é o único padrão que conheço."
3. Fazer luto do trauma original: "A ex me traiu. Isso foi injusto, doloroso.
MAS não define meu valor."
4. Desconstruir crença central: "Não é que 'sou insuficiente'. É que uma
pessoa me rejeitou, por razões dela."
5. Experimentar novos padrões:
- Apresentar-se como psicólogo (sem esconder)
- Impor limites (sem se desvalorizar)
- Arriscar rejeição (sem catastrofizar)
- Ver
que sobrevive mesmo se rejeitado
6. Integrar:
"Posso ser rejeitado às vezes (todos são) E AINDA ASSIM ter valor, ser
suficiente, merecer amor e trabalho digno."
"Recordar, repetir e elaborar: o trabalho
analítico transforma a repetição compulsiva em rememoração consciente,
permitindo que o passado seja integrado sem dominar o presente."
— Sigmund Freud, Recordar, Repetir e Elaborar (1914)
5.6. Citações Psicanalíticas
Sobre elaboração do trauma:
"A elaboração
(Durcharbeitung) é o trabalho pelo qual o sujeito, ao repetir na transferência
e recordar com afeto, pode finalmente integrar o trauma e libertar-se da
compulsão à repetição."
— Sigmund Freud, Recordar, Repetir e Elaborar (1914)
Sobre ressignificação:
"O passado não
muda, mas seu significado pode ser retroativamente ressignificado (après-coup)
através do trabalho analítico."
— Jacques Lacan, baseado em conceito freudiano de Nachträglichkeit
Sobre reconstrução do self:
"A cura analítica
não é eliminar o sintoma, mas permitir que o sujeito se torne autor de sua
própria história, recuperando partes cindidas do self."
— Donald Winnicott, O Brincar e a Realidade (1971)
Sobre coragem de viver:
"A angústia
existencial não é patologia, mas confronto com a liberdade e responsabilidade.
O sujeito pode escolher: fugir para a má-fé ou assumir autenticamente sua
existência."
— Jean-Paul Sartre, O Ser e o Nada (1943) [aplicação existencial à
psicanálise]
Sobre esperança realista:
"A análise não
promete felicidade, mas possibilidade de transformar miséria neurótica em
infelicidade comum - a infelicidade que faz parte da condição humana."
— Sigmund Freud, Estudos sobre a Histeria (1895)
5.7. Síntese do Capítulo
A saída da compulsão à repetição e
da autodestruição não é mágica nem total. Como a série mostrou: salvação
parcial é possível.
As rejeições que o sujeito
experimentou não confirmam insuficiência global, mas revelam incompatibilidades
específicas que podem ser ajustadas. A depressão produziu distorções
cognitivas que transformaram experiências específicas em "prova"
de insuficiência total.
O caminho de reconstrução passa
por:
1.
Revelar
onde está o que pode ser salvo (psicólogo enterrado)
2.
Ir ao mausoléu (buscar ajuda concreta - CAPS, terapeuta,
psiquiatra)
3.
Desenterrar (sair do supermercado, parar de se desvalorizar)
4.
Cuidar
(terapia continuada, medicação se necessário)
5.
Elaborar
(da repetição traumática à rememoração integradora)
Nem tudo precisa morrer. O fiscal
pode "morrer" (identidade falsa), MAS o psicólogo verdadeiro pode ser
salvo, reconstruído, devolvido à vida.
CONCLUSÃO FINAL
Este livro acompanhou a jornada
analítica de um homem dividido: psicólogo por formação, fiscal por
autodestruição. Através da escuta psicanalítica e da interpretação dos
espelhos que ele próprio identificou - colegas, clientes, mulheres, e a série Cidade
das Sombras - foi possível mapear a estrutura de seu sofrimento.
Síntese do Caso:
Um trauma estruturante (traição da
ex-namorada cristã) levou à conclusão devastadora: "Meu eu verdadeiro
não é suficiente". A partir daí, o sujeito enterrou sua identidade
profissional (psicólogo) e assumiu identidade desvalorizada (fiscal
de supermercado), iniciando um processo de autodestruição lenta e consciente.
A compulsão à repetição fez
com que ele reproduzisse o trauma original em todas as áreas:
- Clientes cristãos que desvalorizam (repete
rejeição religiosa)
- Mulheres que rejeitam (repete abandono amoroso)
- Supermercado que explora (repete
desvalorização)
- Academia sem resultado (repete esforço sem
reconhecimento)
A pulsão de morte opera
silenciosamente através do supermercado (instrumento de suicídio lento), da
paralisia (sabe mas não consegue agir), e do ganho secundário do sofrimento
(autopunição, proteção contra rejeição, identidade de mártir).
A série Cidade das Sombras
funcionou como espelho total, revelando:
- A prisão psíquica (cidade sem sol)
- O superego sádico (serial killer que queima
vítimas importantes)
- A privação (jejum que enfraquece)
- A juíza enterrada (psicólogo sufocando, mas
vivo)
- A possibilidade de salvação parcial (juíza foi
salva)
A Descoberta Libertadora:
As rejeições não confirmam
"insuficiência global". São incompatibilidades específicas
(trabalhar fins de semana, medo da profissão de psicólogo) que foram distorcidas
pela depressão em "prova" de insuficiência total.
O sujeito não é insuficiente. O sujeito está
adoecido (deprimido) e em situação inadequada (supermercado).
Os Caminhos Possíveis:
Como a série mostrou, nem tudo
precisa morrer. Salvação parcial é possível:
1.
Desenterrar o psicólogo verdadeiro (enterrado, mas vivo)
2.
Buscar ajuda profissional urgente (CAPS, terapia, psiquiatria)
3.
Sair do supermercado (instrumento de autodestruição)
4.
Elaborar o trauma (da repetição à integração)
5.
Reconstruir identidade profissional (com limites, dignidade)
6.
Arriscar viver (mesmo com possibilidade de rejeição)
A Escolha Fundamental:
O sujeito está no mesmo ponto que
os personagens da série:
Opção A (irmãos serial killers):
- Recusar salvação ("é tarde demais")
- Atear fogo em si mesmo (colapso total)
- Morrer (fiscal + psicólogo)
Opção B (juíza):
- Aceitar que pode ser salvo (revelar onde está)
- Permitir resgate (buscar ajuda)
- Sobreviver (psicólogo verdadeiro renascido)
A Mensagem Final:
Não é tarde demais.
Enquanto há vida, há possibilidade
de elaboração. Enquanto o psicólogo está "apenas" enterrado (não
morto), pode ser desenterrado.
A traição da ex não define o valor
do sujeito. Os clientes que saíram não provam insuficiência. As mulheres que
rejeitaram tinham razões específicas, não globais.
O sujeito É psicólogo. Essa é sua identidade verdadeira, enterrada mas
viva.
O trabalho agora é:
- Desenterrar
- Dar ar
- Cuidar
- Reconstruir
- Viver
Como a juíza da série: quase morreu
sufocada no mausoléu, mas foi salva. Sobreviveu. Continuou.
O mesmo é possível para o psicólogo enterrado no
fiscal.
Dedico este livro a todos os profissionais de
saúde mental que, em algum momento, enterraram sua própria identidade para
sobreviver em sistemas opressores. Que encontrem força para se desenterrar, dar
ar a si mesmos, e voltar a exercer sua vocação com dignidade.
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