Psicologia, sacrifício e o apagamento do sujeito nas instituições do bem
Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior
Psicólogo CRP 06/147208
INTRODUÇÃO
Instituições orientadas por ideais
elevados — fé, cuidado, serviço, solidariedade — costumam ser percebidas
socialmente como espaços de proteção e acolhimento. No entanto, a experiência
clínica e institucional revela um paradoxo inquietante: justamente nesses
lugares, o sofrimento psíquico tende a ser silenciado, moralizado ou
naturalizado.
Este livro nasce da elaboração de
uma experiência concreta de atuação voluntária em uma instituição religiosa,
atravessada por precariedade, apagamento simbólico e sacrifício subjetivo. A
partir dessa vivência, o texto não se propõe a denunciar uma instituição
específica, mas a desvelar uma lógica estrutural: o gozo
institucional.
Ancorado na psicanálise freudiana e
lacaniana, este trabalho articula clínica, ética e instituição para responder a
uma pergunta central:
O que acontece quando o cuidado exige o
desaparecimento do sujeito que cuida?
SUMÁRIO
1.
Instituições do Bem e o
Mal-Estar Silencioso
2.
O Gozo Institucional:
quando o sacrifício sustenta o sistema
3.
Psicologia sem lugar: o
saber tolerado e não autorizado
4.
A dificuldade de saída
e a captura subjetiva
5.
O ato simbólico de
saída e a fundação de uma ética do limite
Conclusão
Referências Bibliográficas
CAPÍTULO 1
Instituições do Bem e o Mal-Estar Silencioso
Instituições religiosas e
assistenciais organizam-se em torno de ideais elevados que operam como
significantes mestres: serviço, vocação, amor ao próximo. Esses ideais produzem
pertencimento, mas também funcionam como dispositivos de silenciamento do sofrimento.
O psicólogo voluntário, ao oferecer
escuta e saber técnico sem enquadre institucional, passa a ocupar um lugar
paradoxal: necessário, porém não reconhecido. O mal-estar que emerge não
encontra linguagem legítima, pois qualquer queixa ameaça o ideal institucional.
“O sofrimento que não pode ser
simbolizado retorna sob a forma de sintoma.”
(Freud, 1930)
Nesse contexto, o sofrimento do
cuidador deixa de ser um problema institucional e passa a ser tratado como
falha individual ou espiritual.
CAPÍTULO 2
O Gozo Institucional: quando o sacrifício
sustenta o sistema
Lacan nos ensina que o gozo não se
reduz ao prazer; ele é aquilo que insiste mesmo quando dói. O gozo
institucional emerge quando a instituição passa a se sustentar no consumo
silencioso do sacrifício subjetivo de alguns de seus membros.
A ausência de sala fixa, de
alimentação, de ajuda de custo e de reconhecimento simbólico não são meras
falhas administrativas, mas marcadores de uma economia de gozo. A
instituição goza do fato de que o sujeito suporta.
“O gozo é aquilo que não serve para
nada, mas do qual não se abre mão.”
(Lacan, Seminário 20)
O psicólogo voluntário é capturado
como objeto de gozo institucional: sua disponibilidade sustenta a imagem
moral da instituição enquanto ela se exime de cuidar de quem cuida.
CAPÍTULO 3
Psicologia sem lugar: o saber tolerado e não
autorizado
A psicologia introduz um discurso
potencialmente subversivo em instituições religiosas: ela nomeia limites,
questiona repetições e autoriza o sujeito a sair. Por isso, frequentemente é
mantida em posição marginal.
O fato de o psicólogo só receber
apoio financeiro quando passa a atuar como pregador revela que o reconhecimento
não segue o trabalho realizado, mas o discurso enunciado.
“Todo discurso é uma forma de laço
social.”
(Lacan, Seminário 17)
Enquanto discurso psicológico, sua
palavra é tolerada; enquanto discurso religioso, ela é legitimada. O saber
psicológico, assim, é usado sem ser integrado.
CAPÍTULO 4
A dificuldade de saída e a captura subjetiva
A permanência em ambientes abusivos
não decorre apenas de fatores externos. Há uma dimensão inconsciente que prende
o sujeito à repetição. O psicólogo permanece porque há investimento libidinal
no ideal de servir e na fantasia de reconhecimento futuro.
“O sujeito repete não para lembrar,
mas para não saber.”
(Freud, 1914)
Sair, nesses contextos, é vivido
como culpa, traição ou fracasso moral. A instituição, ao moralizar o
sacrifício, dificulta a elaboração da saída e mantém o sujeito capturado em seu
circuito de gozo.
CAPÍTULO 5
O ato simbólico de saída e a fundação de uma
ética do limite
O ato simbólico de saída não é fuga
nem ataque. Ele é a reinscrição do sujeito no próprio desejo. Ao nomear a
exploração, retirar o corpo e inscrever a saída em palavras, o psicólogo rompe
a repetição.
“O ato é aquilo que modifica o
sujeito no nível do significante.”
(Lacan, Seminário 15)
Essa saída não encerra apenas um
vínculo; ela funda uma ética clínica baseada no limite, no enquadre e na
dignidade do sujeito. A experiência deixa de ser ferida e torna-se fundamento
de uma linha autoral de atuação profissional.
CONCLUSÃO FINAL
Este livro demonstrou que o
sofrimento vivido pelo psicólogo voluntário não foi acidental, mas estrutural.
Ele revelou o funcionamento do gozo institucional, a moralização do sacrifício
e o apagamento do sujeito em nome do bem.
A psicanálise permite compreender
que:
- instituições também gozam;
- o ideal pode ser violento;
- o limite é condição do cuidado;
- sair pode ser um ato ético.
O verdadeiro cuidado começa quando
o sujeito deixa de servir como objeto e passa a sustentar sua palavra.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S.
O mal-estar na civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1930.
FREUD, S.
Recordar, repetir e elaborar. Rio de Janeiro: Imago, 1914.
LACAN, J.
O seminário, livro 17: O avesso da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,
1992.
LACAN, J.
O seminário, livro 20: Mais, ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
KAËS, R.
O mal-estar nas instituições. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1991.
ENRIQUEZ, E.
A organização em análise. Petrópolis: Vozes, 1997.
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