Ano 2025. Autor [Ayrton Junior Psicólogo]
Introdução
– O Sonho e o Clamor do Ego
“Sonhei
que estava numa casa com duas garotas. Sentia-me constrangido, e para fugir
daquela situação decidi dormir na casa do meu primo Amauri, que vivia em
condições precárias, quase de mendigo.
A casa dele não tinha cama, nem higiene; mesmo assim, escolhi ficar ali.”
Esse
sonho revela o conflito de um ego dividido: de um lado, o desejo de
libertar-se de um ambiente que já não suporta (o trabalho no supermercado);
de outro, o medo moralista de agir.
O fiscal de caixa que mora em mim sente-se vigiado por um Deus superegoico, e o
medo o conduz de volta à miséria psíquica do mendigo interno — aquele que
acredita só merecer o mínimo.
Freud
dizia que “o sintoma é a satisfação substitutiva de um desejo reprimido”. Aqui,
o sintoma é o sofrimento cotidiano transformado em penitência.
Este livro percorre esse labirinto: o medo, a culpa e a repetição, até
reencontrar a possibilidade de fé verdadeira — aquela que liberta o desejo, não
o condena.
Sumário
1.
O Fiscal de Caixa e o Espelho do Ego
2.
O Sonho como Mensagem do Inconsciente
3.
O Superego Teológico e o Medo de Desobedecer
a Deus
4.
A Compulsão à Repetição: O Retorno ao
Mendigo
5.
O Medo como Guardião do Sofrimento
6.
A Autopunição e o Prazer de Sofrer
7.
O Benefício Secundário do Sintoma
8.
A Crença Disfuncional do Sofrimento como Fé
9.
O Mendigo Interno: a Indigência Psíquica
10. O Desejo
como Ato de Fé e Criação
11. O
Diálogo entre o Ego e o Medo
12. A
Libertação: Quando o Desejo se Torna Oração
13. Síntese
Final: Do Fiscal ao Criador de Sentido
Capítulo
1 – O Fiscal de Caixa e o Espelho do Ego
O fiscal
é o símbolo do ego vigilante, aquele que vive fiscalizando-se.
Ele acredita servir à ordem, mas na verdade serve à censura.
Freud, em O Ego e o Id (1923), descreve o ego como “um servo obediente
de três senhores: o id, o superego e a realidade”.
O fiscal vive sob esse triplo jugo: precisa sobreviver (realidade), deseja
libertar-se (id) e teme o castigo (superego).
A repetição diária no supermercado torna-se o espelho da submissão interior.
Capítulo
2 – O Sonho como Mensagem do Inconsciente
O sonho
da casa dupla revela o conflito entre o prazer e a penitência.
A casa das garotas representa o espaço do desejo, e a casa de Amauri, a fuga
para a sujeira expiatória.
Freud escreveu em A Interpretação dos Sonhos (1900):
“O sonho
é a via régia para o inconsciente.”
A escolha do chão sujo mostra o ego sendo conduzido pelo medo, escolhendo o
desconforto como sinal de pureza moral.
Capítulo
3 – O Superego Teológico e o Medo de Desobedecer a Deus
O
superego assumiu forma teológica: a voz de Deus foi confundida com a voz da
culpa.
Essa instância moralista afirma que sair do sofrimento seria infidelidade.
Mas Lacan lembra que “a moral do neurótico é a moral do escravo; ele goza na
renúncia”.
O medo de desagradar a Deus é, aqui, a forma suprema de resistência à mudança.
Capítulo
4 – A Compulsão à Repetição: O Retorno ao Mendigo
A cada
tentativa de sair, o ego volta ao chão imundo — repete o trauma.
Freud, em Além do Princípio do Prazer (1920), observou que o sujeito
tende a repetir o sofrimento para dominá-lo.
O fiscal de caixa repete o desamparo primário: a impotência diante da
autoridade.
A casa de Amauri simboliza o berço da sujeição — a crença de que só é digno
quem sofre.
Capítulo
5 – O Medo como Guardião do Sofrimento
O medo é
o sentinela do superego.
Ele protege a estrutura da neurose, impedindo o ego de experimentar prazer.
Como diz Freud: “O medo é a reação do ego diante de um perigo interno.”
Aqui, o perigo interno é o desejo de ser livre — e o medo o converte em culpa.
Capítulo
6 – A Autopunição e o Prazer de Sofrer
O fiscal
transforma o sofrimento em mérito.
Ele acredita que cada dia de angústia é uma oferenda a Deus.
Mas o que há é masoquismo moral: prazer inconsciente em ser castigado.
Freud: “O superego, ao se fortalecer, torna-se cruel e exigente.”
Quanto mais sofre, mais acredita estar sendo salvo.
Capítulo
7 – O Benefício Secundário do Sintoma
A
permanência no supermercado traz o ganho inconsciente de manter o papel de
vítima virtuosa.
Sofrer torna-se prova de valor.
O ego, dominado pelo superego, teme o vazio da liberdade.
Sem o sofrimento, perderia sua identidade moral.
Capítulo
8 – A Crença Disfuncional do Sofrimento como Fé
A crença
de que “Deus quer que eu sofra para me moldar” é a racionalização neurótica do
medo.
Winnicott diria que “a submissão destrói o self verdadeiro”.
A fé autêntica não é submissão; é confiança criadora.
O fiscal confunde obediência com paralisia.
Capítulo
9 – O Mendigo Interno: a Indigência Psíquica
O
mendigo interno é o ego infantil que vive implorando amor e autorização.
Ele não acredita em seu próprio valor para desejar.
Como um místico em desespero, pede esmolas simbólicas de reconhecimento.
O sonho revela esse mendigo: aquele que escolhe dormir no chão para não
enfrentar o prazer.
Capítulo
10 – O Desejo como Ato de Fé e Criação
Desejar
é orar com o corpo.
Freud afirmou: “O sonho é a realização disfarçada de um desejo reprimido.”
Logo, desejar é participar da própria obra da vida.
A libertação começa quando o ego reconhece o desejo como movimento divino, não
como pecado.
Capítulo
11 – O Diálogo entre o Ego e o Medo
Ego: “Tenho
medo de que Deus não me retire do supermercado.”
Medo: “Fique. Se sair, será punido.”
Ego: “Mas ficar me mata lentamente.”
Medo: “É melhor morrer puro do que viver impuro.”
Ego: “E se o desejo for a própria voz de Deus?”
Medo: “Então você nunca precisou de mim.”
Nesse
diálogo, o ego começa a perceber que o medo não é protetor, mas carcereiro.
Capítulo
12 – A Libertação: Quando o Desejo se Torna Oração
A
libertação não vem de fora.
Ela ocorre quando o ego reconhece o desejo como chamado espiritual.
Agir, então, não é desobedecer a Deus, mas participar da criação.
Winnicott: “Só o ser criativo vive plenamente.”
O fiscal, ao acolher o desejo, transforma-se em criador de sentido.
Capítulo
13 – Síntese Final: Do Fiscal ao Criador de Sentido
O fiscal
que vigiava a si mesmo torna-se observador compassivo.
O mendigo interno reconhece que não precisa mais pedir: pode escolher.
O medo, antes travestido de fé, revela-se defesa contra o prazer.
A fé autêntica é confiança no próprio impulso de vida.
O sofrimento deixa de ser penitência e torna-se memória.
Agora o ego compreende: Deus não o retirará do supermercado; Ele o chama a
sair.
Conclusão
A
travessia do fiscal de caixa é a travessia de todo sujeito que confunde
obediência com autonegação.
O medo, ao prometer segurança, rouba o desejo.
O mendigo interno, alimentado pela culpa, acredita que só merece a sobra do
prazer.
Mas o inconsciente — esse mensageiro de Deus em linguagem simbólica — mostra,
pelo sonho, que a fé verdadeira começa quando o ego ousa agir.
Referências
Bibliográficas
- Freud, S. A Interpretação dos Sonhos
(1900).
- Freud, S. Além do Princípio do Prazer
(1920).
- Freud, S. O Ego e o Id (1923).
- Freud, S. O Mal-Estar na Civilização
(1930).
- Winnicott, D. W. O Brincar e a Realidade
(1971).
- Lacan, J. O Seminário, Livro 7: A Ética
da Psicanálise (1959-60).
- Fromm, E. O Medo à Liberdade (1941).
- Frankl, V. E. Em Busca de Sentido
(1946).
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