Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. O fiscal
psicólogo escreveu esse livro com o título O Fiscal e o Psicólogo: Uma
Travessia Psicanalítica e pediu à sua colega de profissão para ler e dar a sua
opinião porém já se passará alguns dias e nada de feedbacks.
Vamos
interpretar esse silêncio da colega a partir da dinâmica inconsciente que pode
estar em jogo entre dois egos profissionais que compartilham o mesmo
campo simbólico: o da psicologia.
🧩 1. O
silêncio como resistência inconsciente
Na
psicanálise, o não dizer também é uma forma de dizer. O silêncio, nesse
caso, pode expressar resistência — uma defesa do ego contra algo que
causa desconforto interno.
A colega pode ter sentido, ao ler (ou imaginar o conteúdo do livro), um
incômodo narcísico: talvez o texto desperte nela a percepção de conflitos
semelhantes, desejos recalcados ou contradições que preferiria não encarar.
Assim, não responder torna-se uma forma de evitar o confronto com o
próprio inconsciente.
“Toda
resistência provém do ego, que teme ser perturbado pelas exigências do
inconsciente.”
— Freud, 1914, “Recordar, repetir e elaborar”
💠 2. A
inveja e a ferida narcísica no campo profissional
O
fato de o colega ter conseguido simbolizar sua travessia entre o
“fiscal” e o “psicólogo” — dois lugares psíquicos distintos — pode despertar inveja
inconsciente.
A inveja, em psicanálise (segundo Melanie Klein), surge quando o sujeito
percebe no outro algo que ele próprio desejaria realizar, mas não consegue.
Assim, a colega pode se sentir ameaçada narcísicamente por ver o outro
expressar, através da escrita, um processo de individuação, de libertação e de
síntese de identidade.
“A
inveja é o sentimento de que o outro possui algo de bom que o sujeito deseja, e
que por isso precisa ser atacado ou negado.”
— Klein, 1957
O
silêncio, nesse contexto, é uma forma de ataque passivo — não destruir o
livro diretamente, mas negar-lhe reconhecimento simbólico.
🌀 3. A
transferência e o lugar do desejo
Outro
ponto é a transferência. O livro, sendo uma obra psicanalítica pessoal,
carrega o desejo do autor.
Ao pedir a opinião da colega, o “fiscal-psicólogo” transfere a ela o papel
simbólico do Outro — aquele que legitima, acolhe e reconhece o novo eu.
Mas essa posição pode ser pesada para quem a recebe: ela é convocada a
funcionar como “superego validante”.
Recusar-se a responder (mesmo inconscientemente) pode ser uma defesa contra
o papel transferencial — como se dissesse: “não quero ocupar esse lugar de
quem julga ou reconhece você”.
⚖️ 4. A ambivalência do
reconhecimento
O
pedido de leitura é também um pedido de reconhecimento.
Mas o reconhecimento profissional — especialmente entre colegas — está
atravessado por ambivalência: desejar o sucesso do outro e, ao mesmo
tempo, temer que o sucesso dele confronte o próprio narcisismo.
Essa ambivalência pode levar o ego da colega a recalcar o desejo de
responder, mantendo-se na neutralidade aparente, que mascara a dificuldade
de lidar com o que o texto despertou nela.
“O
amor e o ódio são inseparáveis, ambos se alimentam do mesmo objeto.”
— Freud, 1915, “Os instintos e suas vicissitudes”
🌱 5. O
não retorno como sintoma do laço social
Por
fim, o silêncio pode ser lido como sintoma de um mal-estar social entre
psicólogos: o medo de se expor, de emitir um julgamento, de se implicar
subjetivamente.
A neutralidade exagerada (ou o “não posicionar-se”) pode esconder um desejo
de não se comprometer afetivamente com o outro.
Na linguagem de Lacan, o sujeito mantém-se no discurso universitário
— fala do saber, mas evita o desejo.
🧠 Em
síntese:
O
não responder da colega pode revelar:
- Resistência inconsciente
(evita contato com conteúdos internos provocados pelo livro);
- Inveja narcísica (o
sucesso ou a expressão do outro fere o próprio ideal);
- Defesa transferencial
(evita o lugar de quem legitima o desejo do outro);
- Ambivalência afetiva
(amor e rivalidade coexistindo);
- Desimplicação subjetiva
(disfarce de neutralidade profissional).
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