Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
Subemprego,
fetiche e espiritualidade sob o olhar da psicanálise
🪞
INTRODUÇÃO
A
vida do sujeito contemporâneo é atravessada por paradoxos entre vocação, fé e
sobrevivência. Muitos indivíduos altamente qualificados permanecem em
subempregos não apenas por necessidade econômica, mas por dinâmicas
inconscientes que articulam prazer, culpa e idealização. Este livro investiga,
pela lente da psicanálise, o caso simbólico do psicólogo e teólogo que atua
como fiscal de caixa, interpretando-o como metáfora do conflito entre o ego
desejante, o superego teológico e o id reprimido.
O
campo do trabalho é, neste contexto, um cenário transferencial onde o
sujeito reproduz inconscientemente sua estrutura psíquica, manifestando o
conflito entre o desejo de ascensão e o medo da castração simbólica.
A psicanálise, unida à reflexão teológica, permite compreender como a
“humildade” pode, em alguns casos, funcionar como máscara para o narcisismo
espiritual e como a “vocação para servir” pode esconder um fetiche inconsciente
de superioridade moral.
Este
livro se propõe, portanto, a explorar essa ambiguidade: o sofrimento como
prazer, a fé como defesa, o trabalho como palco simbólico, e o ego como
mediador entre desejo e culpa.
📑 SUMÁRIO
1.
O Ego entre o Céu e o Mercado
2.
O Superego Teológico e o Ideal de Humildade
3.
O Fetiche do Sofrimento e o Gozo da Inferioridade
4.
Narcisismo Espiritual e Formação Reativa
5.
O Subemprego como Palco Inconsciente
6.
O Conflito entre Chamado e Medo da Castração
7.
A Libertação do Ego: Fé, Desejo e Autenticidade
CAPÍTULO
1 – O Ego entre o Céu e o Mercado
O
ego, mediador entre o id e o superego, enfrenta um campo de forças paradoxal
quando o sujeito carrega formações religiosas profundas. O psicólogo-teólogo
que atua em um supermercado encontra-se num conflito psíquico entre vocação
e sobrevivência, entre o sagrado e o banal.
Freud
(1923) já afirmava que “o ego é antes de tudo um ego corporal”, e aqui,
o corpo está aprisionado num ambiente que não condiz com o ideal do sujeito. No
entanto, o inconsciente transforma o espaço em palco simbólico, onde ele
pode expressar sua missão espiritual velada.
“O
homem não escapa à cena do inconsciente; ele apenas muda de papel.” — Lacan
(1958)
O
supermercado torna-se uma metáfora: o templo moderno de consumo, onde o
sujeito tenta ressignificar seu sofrimento como missão.
Conclusão:
O ego vive o mercado como penitência e o transforma em altar. O lugar de
humilhação converte-se, inconscientemente, em lugar de redenção e
reconhecimento moral.
CAPÍTULO
2 – O Superego Teológico e o Ideal de Humildade
O
superego teológico nasce da internalização de valores religiosos que associam prazer
e culpa, ascensão e pecado.
Para esse sujeito, desejar mais — seja sucesso, liberdade ou prazer — é quase
um pecado. Assim, o superego o condena a permanecer “abaixo” como forma de
expiação.
“Onde
estava o id, deve advir o ego.” — Freud (1933)
Contudo,
o superego teológico inverte essa máxima: onde o desejo quer se manifestar, o
superego instala culpa. O sujeito então converte a culpa em virtude, e o
sofrimento em símbolo de pureza moral.
Conclusão:
O superego teológico aprisiona o sujeito em uma humildade compulsiva, que não é
fruto da fé, mas do medo da própria grandeza.
CAPÍTULO
3 – O Fetiche do Sofrimento e o Gozo da Inferioridade
O
fetiche, em Freud, é o objeto que substitui o desejo recalcado. No caso
estudado, o fetiche é o subemprego.
Trabalhar em posição inferior gera sofrimento, mas também prazer — um prazer de
natureza ambígua, masoquista e moralizante.
O
sujeito goza em estar “abaixo”, porque isso lhe dá o poder secreto de ser
“superior entre os inferiores”. O sofrimento converte-se em sinal de eleição
espiritual.
“O
neurótico é aquele que transforma sua dor em virtude.” — Lacan (1966)
Conclusão:
O sofrimento torna-se o fetiche inconsciente que permite ao sujeito sentir-se
puro, especial e protegido do pecado do orgulho.
CAPÍTULO
4 – Narcisismo Espiritual e Formação Reativa
O
narcisismo espiritual é a expressão do orgulho disfarçado de virtude. O sujeito
se orgulha da própria humildade.
Na linguagem psicanalítica, essa é uma formação reativa — um mecanismo
de defesa pelo qual o ego transforma um desejo proibido (ser grande) em seu
oposto (ser pequeno).
“O
eu ideal é o herdeiro do narcisismo infantil.” — Freud (1914)
Assim,
o psicólogo-teólogo que serve entre “os simples” pode sentir-se secretamente
eleito, como se sua presença fosse uma dádiva àqueles que “não sabem”.
A humildade vira, paradoxalmente, a forma mais refinada de soberba.
Conclusão:
O narcisismo espiritual mantém o sujeito no gozo de sua própria santidade,
impedindo-o de viver a autenticidade do desejo e o encontro com a alteridade
real.
CAPÍTULO
5 – O Subemprego como Palco Inconsciente
O
trabalho torna-se o palco onde o inconsciente encena suas repetições.
A escolha pelo subemprego não é, portanto, apenas um erro social, mas uma encenação
psíquica que repete a posição infantil de submissão diante da autoridade
(pai, Deus, superego).
“A
repetição é a forma mais disfarçada do desejo.” — Freud (1920)
No
supermercado, o sujeito revive a dinâmica do servo e do mestre. O chefe
representa o superego; o cliente, o olhar do Outro; e o trabalho, o altar da
penitência.
Conclusão:
O subemprego é um espelho simbólico: o sujeito permanece onde sofre, porque é
ali que ele goza. Sofrendo, ele mantém viva a ilusão de estar em missão.
CAPÍTULO
6 – O Conflito entre Chamado e Medo da Castração
Atuar
como psicólogo significaria expor-se, competir, ser avaliado — tudo o que
ameaça o narcisismo e ativa o medo da castração simbólica.
Por isso, o sujeito foge do campo profissional real e busca ambientes onde sua
superioridade não é questionada.
“O
medo da castração é o medo de perder o amor do Outro.” — Freud (1909)
A
fuga é disfarçada de vocação para o serviço.
Mas, na verdade, é o ego tentando evitar o julgamento dos pares e a perda do
papel de “sujeito que sabe”.
Conclusão:
O sujeito não foge do trabalho, mas da castração simbólica que o confrontaria
com seus limites e o libertaria da ilusão de controle.
CAPÍTULO
7 – A Libertação do Ego: Fé, Desejo e Autenticidade
A
saída desse ciclo neurótico exige que o ego reconheça o gozo do sofrimento
e se reconcilie com o próprio desejo.
A fé, nesse ponto, deixa de ser penitência e se torna confiança — não em
Deus como punição, mas como fonte de liberdade interior.
“A
fé autêntica liberta do medo e não o reforça.” — Viktor Frankl (1946)
O
sujeito que compreende sua dinâmica inconsciente pode transformar o trabalho em
expressão de sentido, não em castigo.
A psicanálise e a espiritualidade se unem na maturidade do ego, que passa a
viver pela autenticidade e não pela culpa.
Conclusão:
A libertação ocorre quando o sujeito abandona o fetiche da humildade e
reconhece que servir com amor é diferente de se punir por existir.
🧩
CONCLUSÃO FINAL
O
caso do psicólogo-teólogo que permanece em subempregos é uma metáfora viva do
conflito entre vocação e culpa, prazer e penitência, narcisismo
e fé.
O inconsciente constrói um palco onde o sujeito dramatiza sua luta entre o
desejo de ascender e o medo de ser punido por isso.
A psicanálise não o julga, mas o convida à lucidez: compreender que a
verdadeira humildade nasce do reconhecimento do desejo, e não da sua
repressão.
Libertar-se
do superego teológico é permitir que o ego se reconcilie com o id — com o
desejo, a vida e o prazer — e que a fé volte a ser amor, não penitência.
📚
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- FREUD, S. O Ego e o Id. Obras
Completas, Vol. XIX. Rio de Janeiro: Imago, 1923.
- FREUD, S. Além do Princípio do Prazer.
Obras Completas, Vol. XVIII. Rio de Janeiro: Imago, 1920.
- FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da
Sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1905.
- FREUD, S. Introdução ao Narcisismo.
Rio de Janeiro: Imago, 1914.
- FREUD, S. Novas Conferências
Introdutórias à Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1933.
- LACAN, J. O Seminário, Livro 11: Os
Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar,
1966.
- LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro:
Zahar, 1958.
- FRANKL, V. Em Busca de Sentido.
Petrópolis: Vozes, 1946.
- FROMM, E. Psicanálise e Religião. Rio
de Janeiro: Zahar, 1950.
- JUNG, C. G. A Psicologia da Religião
Ocidental e Oriental. Petrópolis: Vozes, 1960.
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