Ano 2025. Autor [Ayrton Junior Psicólogo]
Introdução
Este
livro é a travessia simbólica de um sujeito dividido entre a rotina que o
prende e a vocação que o chama.
Um fiscal de caixa, aprisionado pela necessidade de sobrevivência, sonha com o
dia em que poderá viver a psicologia em tempo integral, ajudando
pessoas, e não apenas controlando caixas.
Por meio
de dois sonhos — o da descida apressada de um edifício e o do ônibus
parado diante do sinal vermelho — o inconsciente revela o processo interior
de amadurecimento do desejo, a tensão entre o ego e o superego, e
a fé como forma simbólica de sustentar o desejo suspenso.
A
leitura que segue integra a psicanálise e a fenomenologia,
mostrando que o desejo, quando não pode se realizar, pode ser posto entre
parênteses (epoché) sem ser negado — permanecendo vivo, transformador e
cheio de sentido.
Sumário
1.
O Sonho da Descida do Edifício
2.
O Sonho do Ônibus e a Carne
3.
O Fiscal e a Suspensão do Desejo (Epoché
Fenomenológica)
4.
A Mensagem dos Sonhos e a Transformação do
Sujeito
5.
Conclusão Final
6.
Referências Bibliográficas
Capítulo
1 – O Sonho da Descida do Edifício
O
primeiro sonho mostra o sujeito em um edifício comercial, no terceiro
andar, cercado por várias pessoas.
Ele precisa descer rapidamente para não perder um ônibus de viagem que o
espera.
O
edifício simboliza a estrutura racional e social do ego — o mundo das
obrigações e da rotina.
O ônibus, por sua vez, é o símbolo do desejo, o veículo do destino
psíquico que o chama a mover-se.
A
descida pelas escadas, feita de forma apressada e desordenada, representa o movimento
regressivo do ego em direção às profundezas do inconsciente — o retorno
à pulsão, à energia vital do id.
O sujeito tenta “localizar-se” nos andares, mas não consegue: a racionalidade
perde o controle. Ainda assim, ele chega ao térreo, e o motorista o espera.
Como
escreveu Freud (1900):
“O sonho
é a realização disfarçada de um desejo reprimido.” Assim, o primeiro sonho
revela o desejo de descer dos andares da racionalidade e do dever para
reencontrar o prazer, a vocação e o sentido. O motorista que o espera é
o símbolo da esperança — talvez a figura de Deus ou do Self
que o aguarda, pacientemente, para iniciar a verdadeira viagem de sua vida.
Capítulo
2 – O Sonho do Ônibus e a Carne
No
segundo sonho, o sujeito já está dentro do ônibus.
O motorista para diante de um sinal vermelho.
Um homem pede:
“Espere
um pouco, vou ao açougue buscar carne.”
O motorista aguarda até que ele volte.
Este
sonho revela que o desejo já não está reprimido; ele agora se move
dentro do sujeito, mas encontra o limite da realidade.
O sinal vermelho é o superego — o princípio da lei, do tempo e das
condições materiais que o obrigam a esperar. O homem que busca carne é o id
— o instinto, a força vital, a necessidade de se alimentar daquilo que dá
prazer e energia.
O
motorista — novamente, o ego equilibrado ou Deus simbólico — aguarda o
retorno do homem. Há aqui uma lição: o desejo não precisa ser reprimido; ele
pode esperar o tempo certo. Como disse Lacan (1958): “O desejo é a
metonímia da falta no sujeito.”
A pausa
diante do sinal mostra que a falta é o motor do desejo; é ela que o
mantém vivo. O sujeito não nega mais o que quer — ele apenas aprende a
esperar o sinal verde da vida.
Capítulo
3 – O Fiscal e a Suspensão do Desejo (Epoché Fenomenológica)
O fiscal
de caixa, impossibilitado de viver agora como psicólogo, pratica — mesmo sem
nomear — a epoché fenomenológica.
Segundo
Husserl (1913), epoché é o ato de colocar entre parênteses os juízos
naturais e as certezas do mundo, suspendendo o modo habitual de ver, para perceber
o fenômeno como ele se manifesta à consciência.
O fiscal
faz isso com o próprio desejo: ele não o nega, mas o suspende.
Ele o entrega a Deus, dizendo: “Eu não posso realizá-lo agora, mas não quero
matá-lo dentro de mim.”
Ao fazer
isso, ele realiza o gesto essencial da fenomenologia: ele observa o desejo
como fenômeno, em vez de reduzi-lo a um fracasso.
Como
ensina Merleau-Ponty (1945): “Suspender não é negar; é abrir-se para o sentido
que ainda não se revelou.”
Assim, a
espera do fiscal é um ato de consciência e fé. A epoché torna-se
um gesto espiritual: colocar entre parênteses a urgência de realizar o desejo para
preservar a pureza do sentido que ele carrega.
Ele não abandona a psicologia — apenas a coloca em suspensão, permitindo que amadureça
em silêncio.
Capítulo
4 – A Mensagem dos Sonhos e a Transformação do Sujeito
Os
sonhos, juntos, revelam o processo de transição psíquica do sujeito:
|
Etapa |
Símbolo |
Significado |
|
1.
Descida |
Escadas
e edifício |
O ego
abandona o mundo racional e controlado e desce ao encontro do desejo. |
|
2.
Espera |
Ônibus
parado no sinal vermelho |
O ego
integra o desejo à realidade, aprendendo a esperar o tempo certo. |
|
3.
Nutrição |
A
carne |
O id
alimenta a vitalidade do desejo, mantendo-o vivo. |
|
4. Fé |
O
motorista |
O Self
ou Deus garante que o desejo não será abandonado. |
O
inconsciente, portanto, não anuncia repressão, mas maturação.
O sujeito está aprendendo que a pressa é o disfarce da ansiedade do ego,
enquanto a espera é o amadurecimento do desejo verdadeiro.
Jung
(1934) escreveu: “Aquilo a que resistimos, persiste; o que aceitamos, nos
transforma.”
Ao
aceitar o tempo da vida, o fiscal se transforma. Ele descobre que a fé não é
fuga, mas uma forma simbólica de manter o desejo vivo enquanto o tempo se
cumpre.
Conclusão
Final
A
trajetória dos sonhos revela um caminho de reconciliação entre o ego
racional, o id desejante e o superego moral. O fiscal de
caixa desce dos andares da alienação e embarca no ônibus de sua vocação — o da
psicologia, do cuidado, do sentido.
O sinal vermelho já não é obstáculo: é pausa necessária para alimentar a alma e
compreender o tempo da vida.
A fé,
nesse processo, aparece como a ponte entre a psicanálise e a fenomenologia
— a força simbólica que permite colocar o desejo entre parênteses sem
destruí-lo. A epoché torna-se um ato do coração, um gesto de
confiança no mistério da própria existência.
Assim, o
sujeito aprende que: “Esperar não é desistir. É permitir que o desejo amadureça
no tempo de Deus e no ritmo da consciência.”
Referências
Bibliográficas
FREUD, Sigmund. A
Interpretação dos Sonhos. 1900.
HUSSERL, Edmund. Ideias para uma Fenomenologia Pura e uma Filosofia
Fenomenológica. 1913.
JUNG, Carl Gustav. A Natureza da Psique. 1934.
LACAN, Jacques. Escritos. 1958.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da Percepção. 1945.
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