Pular para o conteúdo principal

Estagnação: Entre o Desejo e a Realidade

 Autor Fiscal psicólogo

Sumário

Introdução – A experiência da estagnação psíquica e o adoecimento psicossomático
Capítulo 1 – A morte simbólica do objeto de desejo
Capítulo 2 – A compulsão à repetição e a fixação libidinal
Capítulo 3 – O princípio de realidade como resistência
Capítulo 4 – O papel do ego, superego e id na estagnação
Capítulo 5 – Caminhos de elaboração e micro-sublimações
Epílogo – A pausa como incubação da energia libidinal
Conclusão Final – Entre o cansaço e a reinvenção do desejo
Referências Bibliográficas


Introdução: A experiência da estagnação psíquica e o adoecimento psicossomático

A estagnação psíquica é um estado de suspensão entre o desejo e o princípio de realidade.
O sujeito sabe o que quer, sente o impulso da libido em direção a um novo objeto de prazer e realização, mas o contexto externo não oferece condições para que esse desejo se concretize. Surge, então, um vazio existencial em que o ego se vê esgotado e descrente.

No campo psicanalítico, a estagnação representa a saturação da elaboração: o sujeito já pensou, já tentou, já simbolizou seu sofrimento inúmeras vezes — mas nada muda.
A mente, então, recolhe a energia libidinal e a protege, criando um estado de imobilidade psíquica, uma defesa contra a dor de desejar o impossível.

“Quando a energia libidinal não encontra vazão nem substituto, ela retorna ao corpo, e o corpo fala o que a palavra silenciou.”
— (Freud, 1915)

É nesse ponto que o adoecimento psicossomático pode emergir.
O corpo torna-se o palco em que o inconsciente expressa o sofrimento recalcado. Dores difusas, fadiga, falta de ar, gastrites, tensões musculares — sintomas que substituem a fala.
A energia que deveria circular entre desejo e ação fica presa, transformando-se em sintoma corporal.

A estagnação, portanto, é mais do que falta de sentido; é uma paralisia libidinal que adoece.
Mas ao mesmo tempo, ela pode ser compreendida como um período de incubação — uma pausa em que o inconsciente tenta reorganizar as forças psíquicas, preparando o ego para uma futura reinvenção do desejo.


Capítulo 1: A morte simbólica do objeto de desejo

Quando o objeto de desejo — um trabalho, um projeto, uma relação — perde o significado, a libido que antes o alimentava se retira.
Essa retirada deixa o sujeito num estado de luto simbólico, no qual o prazer se torna inacessível e o cotidiano parece mecânico.

“O luto é o processo de desligar a libido de um objeto que já não existe.”
— (Freud, 1917)

No caso do trabalho sem sentido, o sujeito continua presente fisicamente, mas ausente psíquica e emocionalmente.
Ele age, mas não deseja. Executa tarefas, mas sem alma.
Esse descompasso entre corpo e desejo é o que inaugura o terreno fértil da estagnação.


Capítulo 2: A compulsão à repetição e a fixação libidinal

A estagnação frequentemente vem acompanhada da compulsão à repetição.
O sujeito repete ações que já provaram ser infrutíferas — envia currículos, sonha, replaneja — na esperança inconsciente de obter um resultado diferente.
Porém, a repetição é, na verdade, um retorno do recalcado, uma tentativa de dominar simbolicamente o trauma da frustração.

“A compulsão à repetição é a forma pela qual o inconsciente insiste em reviver aquilo que não pôde elaborar.”
— (Freud, 1920)

Essa fixação no sofrimento aprisiona a libido, impedindo que ela flua para novos objetos.
A repetição, que deveria servir à aprendizagem, transforma-se em prisão simbólica.


Capítulo 3: O princípio de realidade como resistência

O princípio de realidade atua como um muro simbólico que separa o desejo do possível.
Ele é necessário à sobrevivência, mas quando se torna rígido demais, transforma-se em um agente de repressão.
No sujeito estagnado, a realidade aparece como um inimigo: um sistema inflexível que diz “não” ao desejo do id.

“O ego aprende a substituir o princípio do prazer pelo princípio de realidade; mas essa substituição nunca é completa, e o desejo permanece.”
— (Freud, 1920)

O conflito constante entre o desejo interno e o limite externo exaure a energia psíquica, levando o ego ao cansaço e à desistência simbólica.


Capítulo 4: O papel do ego, superego e id na estagnação

O id continua a pulsar, desejando realização e prazer;
o superego, por sua vez, observa e julga, reforçando sentimentos de inadequação e impotência;
e o ego, intermediário entre ambos, esgota suas reservas tentando equilibrar essas forças opostas.

Quando o ego não encontra mais recursos para conciliar o desejo e a realidade, ele entra em colapso funcional, permanecendo em um estado de descrença.

“O ego não é senhor em sua própria casa.”
— (Freud, 1923)

A estagnação é o sinal desse colapso silencioso — uma defesa final contra o esgotamento completo, em que o ego escolhe parar de desejar para não sofrer.


Capítulo 5: Caminhos de elaboração e micro-sublimações

Mesmo dentro da estagnação, pequenas aberturas são possíveis.
Esses espaços mínimos, chamados de micro-sublimações, permitem que a libido encontre caminhos simbólicos de circulação: escrever, observar, criar, pensar.
Não há grandes transformações, mas movimentos sutis de vida que mantêm o inconsciente em respiração simbólica.

“A sublimação é o desvio da energia pulsional em direção a metas não sexuais e socialmente valorizadas.”
— (Freud, 1905)

Esses pequenos gestos não curam a estagnação imediatamente, mas evitam a morte psíquica total — mantêm o sujeito em diálogo com o próprio desejo.


Epílogo: A pausa como incubação da energia libidinal

A estagnação pode ser lida não apenas como paralisia, mas como gestação simbólica.
A libido recolhida está sendo reconfigurada no inconsciente, à espera de novas possibilidades de expressão.

“O silêncio do sujeito é, muitas vezes, o trabalho do inconsciente em silêncio.”
— (Lacan, 1977)

A pausa, então, é necessária: o sujeito precisa suportar o intervalo entre o antigo sentido que morreu e o novo que ainda não nasceu.


Conclusão Final: Entre o cansaço e a reinvenção do desejo

A estagnação é o resultado da exaustão do desejo diante do real.
Ela traz dor, vazio e até adoecimento corporal.
Mas também revela a profundidade do ser humano: só quem desejou intensamente pode estagnar de verdade.

A cura não é imediata.
Ela começa quando o sujeito reconhece que o cansaço não é o fim, mas um limiar psíquico — o ponto em que a alma se recolhe para poder renascer.

“Onde há recalcamento, há também a possibilidade de retorno.”
— (Freud, 1915)

A estagnação, portanto, não é um túmulo — é um intervalo entre a morte simbólica do desejo antigo e o nascimento de um novo sentido para a vida.


Referências Bibliográficas

  • Freud, S. (1905). Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Leipzig: Deuticke.
  • Freud, S. (1915). O inconsciente. Gesammelte Werke, Vol. XIV.
  • Freud, S. (1917). Luto e melancolia.
  • Freud, S. (1920). Além do princípio do prazer.
  • Freud, S. (1923). O Ego e o Id.
  • Lacan, J. (1977). Écrits: A Selection. London: Tavistock.

 

Comentários

Postagens mais visitadas

Percepção Além Do Consultório

  Ano 2021. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo objetiva chamar a atenção do leit@r a perceber como está enxergando o mercado de trabalho, com as contrariedades que a realidade apresenta ao indivíduo que não tem conhecimento e nem compreensão, das forças que agem sobre as pessoas e formam um campo de forças subjetivas que provocariam os fenômenos psíquicos. Da mesma forma, cada pessoa que está em uma situação específica tem a percepção micro ou macro em relação ao evento. A percepção que podemos ter de uma pessoa depende da relação entre os fatores e elementos da situação. Estes elementos formam uma rede de forças subjetivas. A percepção macro procura uma perspectiva geral e a micro uma perspectiva individual. O ser humano é afetado pelo microambiente interno e microambiente externo e não tem a menor consciência, ou seja, se porta de modo alienado/autômato reinserido nos ambientes. O que leva o sujeito as vezes alterar suas atitudes forçadamente...

O Ato Falho da Creatina: O Desejo Esquecido e o Despertar do Inconsciente

  Autor fiscal- Psicólogo Sumário 1.       Introdução – O Esquecimento que Revela o Desejo 2.       Capítulo 1 – O Ego Cansado e o Superego Vigilante 3.       Capítulo 2 – A Libido em Transição: Do Dever ao Desejo 4.       Capítulo 3 – O Esquecimento como Mensagem do Inconsciente 5.       Epílogo – Quando o Corpo Fala o que a Boca Silencia 6.       Conclusão – Da Falha à Consciência: O Caminho da Liberdade Interna 7.       Referências Bibliográficas Introdução – O Esquecimento que Revela o Desejo O dia começava como outro qualquer: o fiscal de caixa preparava seu café da manhã, deixou ao lado a creatina e o suplemento, planejou tomá-los após o café, mas esqueceu. Quando percebeu o frasco na pia, já se preparando para sair, tomou apressadamente a creatina e partiu para o trabalho. E...

O Silêncio do Ego: Entre a Vontade de Deus e o Desejo de Libertação

  Ano 2025. Autor – Ayrton Junior Psicólogo Introdução Este livro nasceu de uma pergunta feita no silêncio da noite: “Até quando ficarei neste trabalho?” A pergunta parece simples, mas contém o peso de um coração cansado. Ela revela o conflito entre o desejo de mudança e o medo do desamparo . O sujeito vive entre a fé e a dúvida, entre o querer sair e o não poder sair, entre a esperança de Deus e o medo da perda. A psicanálise e a espiritualidade se encontram aqui, pois ambas falam da mesma coisa: a libertação não começa no mundo, mas na consciência . Este livro é o retrato de uma alma dividida — e do Ego que, mesmo exausto, busca escutar o sagrado que fala dentro de si. Sumário 1.       O Pedido da Noite 2.       O Ato Falho e o Silêncio do Inconsciente 3.       O Superego Religioso e a Censura da Fé 4.       O Ego e a Espera por Sinais 5.   ...

Compulsão A Repetição A Relacionar-se Com Mulheres Sociopatas

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Um sujeito no passado causou se com uma mulher Negra mais jovem e lindíssima, más tinha tendência a sociopata mentia manipulação e deu um golpe financeiro no indivíduo causando sérios prejuízos econômicos, este indivíduo não tinha graduação em psicologia na época. Mas agora Depois de 22 anos num app de relacionamento sofreu um golpe Onde se envolveu afetivo com uma selfie dê uma mulher militar jovem e belíssima, más por trás da selfie havia uma sociopata que mentiu manipulou afetivo o indivíduo através do medo causando sérios prejuízos econômicos. Me explica e interpreta como se eu fosse um iniciante pela abordagem da psicanálise esse compulsão a repetição pôr não ter conseguido identificar a mulher como sociopata agora que é graduado em psicologia Na psicanálise, o conceito de compulsão à repetição foi descrito por Freud para explicar por que algu...

Assédio Moral Sutil No Supermercado

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Tenho observado que alguns membros da equipe não estão comunicando certos acontecimentos relevantes que envolvem as operadoras de caixa. Hoje, por exemplo, uma fiscal mencionou que outro fiscal seria transferido de loja e, ao comentar, disse: ‘Você não está sabendo?’ Ao que respondi com naturalidade: ‘Não, estou sabendo agora por você.’ Essa situação reforça uma percepção que venho tendo: há informações importantes sendo compartilhadas entre alguns membros da equipe, mas que não estão chegando até mim. Como fiscal de caixa, entendo que a comunicação clara e transparente é essencial para o bom funcionamento do setor. Por isso, acredito ser importante refletirmos juntos sobre como podemos fortalecer a integração e o alinhamento da equipe, garantindo que todos os envolvidos estejam atualizados e comprometidos com os mesmos objetivos Vamos interpret...

Sociedade E IA E O Medo Não Desvelado

Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. A relação entre a sociedade e a inteligência artificial (IA) tem se tornado cada vez mais importante e presente nos dias de hoje. A IA já é utilizada em diversos setores, desde a saúde e finanças até a indústria e o transporte. Porém, há uma preocupação crescente com as implicações éticas e sociais da utilização da IA. Por um lado, a IA pode trazer diversos benefícios para a sociedade, como maior eficiência em processos, melhoria na qualidade de vida e até mesmo a criação de novos empregos. Por outro lado, há preocupações com o impacto da IA na economia, com a possibilidade de substituição de trabalhadores por sistemas automatizados e a consequente redução de postos de trabalho. Além disso, a utilização da IA também pode trazer questões éticas, como a privacidade dos dados e a discriminação algorítmica. É importante que a sociedade esteja ciente dos riscos ...

O Psicólogo E A Repressão

  Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Um indivíduo que trabalha como fiscal de caixa num supermercado e também exerce a função de psicólogo clínico, mas tem intenção de renunciar ao cargo de fiscal de caixa e espera de algum modo ser contratado como psicólogo para trabalhar em alguma instituição, mas não sabe como encontrar no mercado de trabalho a instituição, pode acaso a função de fiscal de caixa reprimindo o desejo de atuar como psicólogo em alguma instituição. Me explica e interpreta como se eu fosse um iniciante pela abordagem da psicanálise o mecanismo de defesa repressão agindo neste sujeito. Na psicanálise, o mecanismo de defesa da repressão ocorre quando o ego empurra um desejo ou impulso para o inconsciente, de modo que a pessoa não se sinta em conflito com normas sociais ou crenças internas. Esse desejo reprimido permanece oculto, mas continua influenciando a pessoa de mane...

Recusa Em Desistir Da Psicologia Pode Causar [...]

  Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. Sujeito aciona inconscientemente o mecanismo defesa da recusa se recusando a desistir da psicologia. O mecanismo de defesa da recusa, também conhecido como negação, é uma estratégia inconsciente que a mente utiliza para proteger o indivíduo de informações ou situações que possam ser dolorosas ou ameaçadoras. Nesse caso, se o sujeito está se recusando a desistir da psicologia, mesmo que essa decisão possa estar lhe causando problemas, é possível que ele esteja utilizando esse mecanismo de defesa para evitar enfrentar algum conflito interno ou alguma dor emocional que esteja associada à ideia de abandonar a psicologia e se dispor a atuar em uma função de subemprego. É importante que o sujeito reflita sobre suas motivações para continuar na psicologia e busque compreender se essa decisão está realmente sendo benéfica para ele ou se está prejudicando outras...

Desejo Inconsciente De Ser Preso

Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Um sujeito vai passar por uma audiência no fórum porque furtou uma bateria de um carro. Ele não se lembra do nome do advogado que vai defendê-lo no tribunal perante o juiz e a vítima. Na psicanálise, um ato falho ocorre quando uma pessoa “esquece” ou comete um erro aparentemente sem importância, mas que revela algo oculto em seu inconsciente. Freud observou que esquecimentos, como o de um nome, podem expressar conflitos internos ou desejos reprimidos. No caso do sujeito que furtou a bateria do carro e esqueceu o nome do advogado que o defenderá, o ato falho de não lembrar o nome pode indicar um conflito inconsciente relacionado à situação em que ele se encontra. Na psicanálise, podemos interpretar que ele talvez esteja sentindo culpa ou receio em relação à audiência e, inconscientemente, não quer "aceitar" a ajuda do advogado para defendê-lo....

Mini Série Vinagre Com Maçã Netflix

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. A série no Netflix Vinagre com maçã. A série "Vinagre de Maçã", disponível na Netflix, é uma minissérie dramática que explora o mundo do bem-estar digital e as complexidades das redes sociais. A trama é inspirada na história real de Belle Gibson, uma influenciadora australiana que alegou falsamente ter curado um câncer terminal por meio de terapias alternativas, enganando milhares de seguidores e lucrando com a venda de aplicativos e livros relacionados à saúde. Do ponto de vista da psicologia social, a série oferece uma análise profunda sobre como indivíduos podem ser influenciados e manipulados em contextos sociais e digitais. Para iniciantes nesse campo, alguns conceitos-chave ilustrados na série incluem: Influência Social e Conformidade: A protagonista utiliza sua posição de destaque nas redes sociais para persuadir seguidores a adotare...