A Morte Das Identidades – o Fiscal De Caixa, o Teólogo e o Psicólogo
Sumário
Introdução
– O Supermercado como Igreja Onírica e Campo de Envio
O
supermercado é o palco simbólico da igreja onírica onde o sujeito, travestido
de fiscal de caixa, atua sob autorização interior, como psicólogo e teólogo
invisível. Assim como Jesus, Davi, Pedro e Paulo precisaram mortificar suas
identidades anteriores para cumprir suas vocações, o sujeito enfrenta o mesmo
dilema: uma identidade deve morrer para que a outra viva.
Referências:
- Freud, S. (1923). O ego e o id.
- Winnicott, D. W. (1960). Ego Distortion
in Terms of True and False Self.
Capítulo
1 – O Chamado e o Silêncio do Outro
Explora
o conflito entre o chamado interno e a ausência de validação externa. O sujeito
sente-se escolhido, mas não enviado. O “Outro” social, que deveria reconhecer
sua vocação, permanece em silêncio, produzindo um vazio simbólico.
Referências:
- Freud, S. (1915). Instintos e suas
vicissitudes.
- Winnicott, D. W. (1965). The Family and
Individual Development.
Capítulo
2 – O Palco do Supermercado
O
supermercado é analisado como cenário do inconsciente, onde o sujeito encena
papéis sociais. O ambiente cotidiano é reinterpretado como palco do recalque e
da sublimação.
Referências:
- Freud, S. (1900). A Interpretação dos
Sonhos.
- Winnicott, D. W. (1967). Playing and
Reality.
Capítulo
3 – As Identidades Mortificadas
Analisa
o histórico de múltiplas funções do sujeito — mecânico de manutenção, técnico
em mecânica, operador de telemarketing, teólogo, psicólogo — como sucessivas
mortes simbólicas. A energia libidinal é retirada dos antigos objetos
profissionais e reinvestida em novos, até o esgotamento.
Referências:
- Freud, S. (1917). Luto e melancolia.
- Winnicott, D. W. (1965). The Maturational
Processes and the Facilitating Environment.
Capítulo
4 – A Teologia e a Psicologia: Dois Chamados, Um Conflito
Discute
o entrelaçamento da fé e da ciência no sujeito. A teologia e a psicologia
representam duas vias de escuta da alma — a divina e a humana — que o sujeito
tenta integrar.
Referências:
- Freud, S. (1927). O futuro de uma ilusão.
- Winnicott, D. W. (1960). Ego Integration
in Child Development.
Capítulo
5 – O Falso Self e a Máscara do Fiscal
Analisa
o papel do fiscal de caixa como expressão do falso self. O sujeito se
adapta ao ambiente para sobreviver, mas à custa da autenticidade. A máscara
social protege, mas também aprisiona.
Referências:
- Winnicott, D. W. (1960). Ego Distortion
in Terms of True and False Self.
- Freud, S. (1930). O mal-estar na
civilização.
Capítulo
6 – A Sublimação e os Objetos Substitutos
Mostra
como o sujeito canaliza a energia libidinal para projetos paralelos (Ainda Sou podcast
por Ayrton Junior Psicólogo, blog de artigos de psicologia, academia na
construção do corpo musculoso e aplicação e pratica da psicologia do esporte, projeto
Nariz de palhaço nas redes sociais, voluntariado CRLGBTQI A+, produção de
conteúdos em vídeos em redes sociais, construção de sites de psicologia,
acolhimento plantão psicológico gratuito, Atendimento Clinico consultório
particular, lives nas redes sociais com temas de psicologia social), utilizando
o mecanismo de sublimação como defesa contra a mortificação vocacional.
Referências:
- Freud, S. (1908). Moral sexual civilizada
e doença nervosa moderna.
- Winnicott, D. W. (1971). Playing and
Reality.
Capítulo
7 – A Espera e o Princípio da Realidade
Analisa
o tempo da espera como prisão psíquica. O ego luta entre o desejo de agir e a
impossibilidade de fazê-lo, revivendo o trauma da frustração.
Referências:
- Freud, S. (1920). Além do princípio do
prazer.
- Winnicott, D. W. (1965). The Family and
Individual Development.
Capítulo
8 – A Fuga e o Luto Antecipado
O indivíduo
ativa mecanismos de defesa para evitar o colapso diante da frustração. O luto
antecipado emerge quando o sujeito sente que pode perder definitivamente a
identidade desejada.
Referências:
- Freud, S. (1917). Luto e melancolia.
- Winnicott, D. W. (1958). The Capacity to
Be Alone.
Capítulo
9 – A Escolha Final: Morrer ou Renunciar
Apresenta
o dilema central: qual identidade deve morrer? O fiscal, o psicólogo ou o
teólogo? A escolha envolve o enfrentamento do medo e o reposicionamento
libidinal do sujeito.
Referências:
- Freud, S. (1923). O ego e o id.
- Winnicott, D. W. (1960). Maturational
Processes and the Facilitating Environment.
Capítulo
10 – O Escape Prometido
Analisa
a esperança como força de sustentação simbólica. O verso de 1 Coríntios 10:13 é
interpretado como a manifestação do “instinto de sobrevivência espiritual” que
impede a aniquilação psíquica total.
Referências:
- Freud, S. (1930). O mal-estar na
civilização.
- Winnicott, D. W. (1965). The Family and
Individual Development.
Conclusão
Final – Entre o Fiscal e o Chamado
Não
se sabe o desfecho do sujeito — se encontrou um campo institucional que o
reconheceu, ou se permaneceu até a morte física no palco do supermercado. O
importante é o legado: a luta pela autenticidade. Assim como os heróis bíblicos
mortificaram identidades para nascerem em novas missões, o sujeito moderno
enfrenta o mesmo destino. A história não fecha o ciclo; ela o mantém aberto —
entre a fé, o desejo e a realidade.
Referências:
- Freud, S. (1930). O mal-estar na
civilização.
- Winnicott, D. W. (1960). Ego Distortion
in Terms of True and False Self.
Introdução
Desde
cedo, o sujeito desta história transitou por múltiplos papéis profissionais.
Sua juventude foi marcada por trabalhos operacionais: ajudante de cervejaria,
mecânico de manutenção, técnico em mecânica, ajustador mecânico de torno e
revólver, técnico em instrumentos cirúrgicos e operador de telecomunicações.
Cada função exigia disciplina, esforço e adaptação, mas nenhuma correspondia à
sua vocação mais profunda. O investimento de energia libidinal nesses papéis
era intenso, mas a mortificação de desejos maiores já começava a se formar.
Ao
entrar na graduação em teologia, o sujeito direcionou sua libido para
transformar comportamentos, pensamentos e alinhamentos morais, internalizando
preceitos familiares e religiosos. O desejo de servir a Deus e às pessoas
através do pastorado tornou-se evidente, mas o campo real não se abriu: Deus
não permitiu a atuação em tempo integral como pastor. Para lidar com essa
frustração, o sujeito acionou mecanismos de defesa, principalmente a sublimação,
redirecionando sua energia libidinal para atividades voluntárias e projetos
espirituais, mantendo viva a vocação de forma simbólica.
Mais
tarde, ao ingressar na psicologia, o sujeito buscou um novo campo de expressão
da libido: cuidar das pessoas, influenciar positivamente suas vidas e exercer
um alcance social e abrangência social maior. No entanto, a realidade se
mostrou novamente limitada: não conseguiu garantir espaço institucional para
atuar.
O
supermercado, onde trabalhava como fiscal de caixa, tornou-se então um palco
simbólico, ou uma igreja onírica, onde podia, travestido de função
ordinária, aplicar seus conhecimentos de psicologia e valores da teologia de
forma velada, porém silencia seu chamado espiritual e vocacional. Esse espaço,
aparentemente trivial, torna-se um campo de revelação interior, onde a
psicologia e a teologia se entrelaçam na luta pela autenticidade. Aqui, ele se
autorizava a exercer sua vocação, como Jeremias respondendo a Deus:
"Envia-me a mim."
Quando
Deus disse a Jeremias: “A quem enviarei?” e ele respondeu “Envia-me a mim”
(Isaías 6:8), inaugurou-se o momento simbólico da autorização interna — o
sujeito reconhece em si o chamado e aceita a missão. Contudo, no caso do
fiscal-psicólogo-teólogo, essa autorização não encontrou ainda a validação
externa, permanecendo presa entre o desejo e a frustração. Assim, o
supermercado tornou-se um templo disfarçado e um laboratório de observação de
comportamentos e emoções, ou melhor dizendo, campo de aplicação onírica da
psicologia e da teologia, onde o sujeito pratica silenciosamente seus saberes
sob a máscara social do fiscal de caixa.
Contudo,
a ausência de validação real provoca dor e angústia: a sensação de estar vivo e
morto ao mesmo tempo — vivo no corpo, morto na vocação. A trajetória desse
sujeito reflete uma verdade universal: nenhuma vocação se sustenta sem a morte
de uma identidade anterior. A psicologia e a teologia se encontram exatamente
nesse ponto — na travessia simbólica entre o “eu que precisa morrer” e o “eu que
precisa nascer”.
Mesmo
nas Escrituras, esse processo é recorrente. Jesus, antes de ser reconhecido
como Cristo, trabalhava como carpinteiro — um ofício digno, porém limitado ao
mundo material. Para cumprir sua vocação divina, ele precisou renunciar à
profissão e mortificar o self de carpinteiro, dando lugar à sua verdadeira
identidade como o Cristo.
Davi,
que pastoreava ovelhas, mortificou o self de pastor para tornar-se rei,
assumindo a missão de liderar uma nação. Pedro, pescador de peixes, precisou
morrer simbolicamente para a identidade de pescador e tornar-se pregador do
evangelho. Paulo, que antes era perseguidor de cristãos, renasceu como
evangelista após a queda no caminho de Damasco.
Essas
passagens bíblicas mostram que não há coexistência entre o velho e o novo self.
Cada vocação exige a renúncia de uma identidade anterior. Assim como ensina a
psicanálise, o ego precisa escolher onde investir sua energia libidinal — pois
manter duas identidades em conflito permanente gera sofrimento, angústia e, em
casos extremos, mortificação psíquica.
A
Bíblia, portanto, alinha-se à psicologia profunda ao afirmar que não há vida
plena sem a morte simbólica de identidades que já cumpriram seu propósito. O
sujeito do supermercado está, portanto, diante do mesmo dilema: permitir que
morra o fiscal de caixa para nascer o psicólogo e o teólogo em plenitude — ou,
ao contrário, aceitar a mortificação da psicologia e da teologia para
permanecer como fiscal até a finitude.
Cada
vocação exige a morte de um eu anterior. A psicologia e a teologia afirmam o
mesmo princípio: não há vida nova sem a morte simbólica do falso self. O
ego precisa escolher onde investirá sua energia libidinal, pois manter duas
identidades em conflito é adoecer. O sujeito do supermercado enfrenta esse
dilema: morrer como fiscal para nascer como psicólogo e teólogo, ou matar
a psicologia e a teologia para sobreviver como fiscal até a morte física.
Entre essas fronteiras, o livro se desenvolve — explorando a angústia, o falso
self e a luta pela autenticidade no palco cotidiano da existência.
Essa
introdução inaugura o percurso reflexivo deste livro, que explora a história de
um sujeito dividido entre o chamado e a realidade, entre a vocação e a
sobrevivência, entre o desejo e a validação do outro. Um estudo sobre o falso
self, a mortificação das identidades e a luta pela autenticidade no palco
simbólico da vida cotidiana.
Capítulo
1: O Chamado e o Silêncio do Outro
O
início da carreira do sujeito foi marcado pela necessidade de sobrevivência
material. Trabalhar como ajudante de cervejaria ou mecânico de manutenção
exigia dedicação intensa, aprendizado técnico e disciplina, mas pouco ou nada
alimentava seu desejo profundo de cuidar e orientar.
O
ego aprendeu cedo a mascarar a frustração, acionando mecanismos de defesa
como sublimação e deslocamento da libido para competências socioemocionais e
habilidades técnicas. A cada nova função, uma parte do sujeito é deixada para
trás. O ajudante geral, o mecânico e o operador foram apenas máscaras
sucessivas. Cada papel cumpriu sua função, mas cobrou o preço da perda. A morte
simbólica do antigo eu antecede sempre o nascimento de um novo papel. [..] “A
perda de um objeto amado é, para o ego, a perda de uma parte de si mesmo.” (FREUD,
1917, p. 285)
O
falso self começou a se formar: o sujeito se adaptava às demandas externas,
escondendo seu verdadeiro desejo. O sujeito reconhece o chamado interior para
servir — seja através da fé, seja pela psicologia. Entretanto, o mundo externo
permanece em silêncio. A ausência de validação produz frustração e solidão.
Freud menciona que há uma fratura entre o princípio do prazer (o desejo
de realização) e o princípio da realidade (as limitações do contexto). O
sujeito sente que Deus o chamou, mas a sociedade não o envia.
Capítulo
2: O Palco do Supermercado
Com
funções mais especializadas, como ajustador mecânico e técnico de instrumentos
cirúrgicos, o sujeito ampliou seu domínio profissional. O investimento
libidinal cresceu: aperfeiçoar habilidades técnicas, buscar reconhecimento,
adaptar-se às exigências de produtividade. O sujeito investiu libido em cada
profissão, transformando o fazer técnico em expressão do seu desejo. Porém,
quando o trabalho não devolve sentido, o investimento libidinal se retrai,
dando lugar à frustração. [..]“O trabalho é a ligação mais segura do homem
com a realidade.” (FREUD, 1930,p. 101)
Mas
a mortificação persistia: nenhuma dessas funções realizava sua vocação
interior. Winnicott explica que o falso self surge como proteção adaptativa
do ego, permitindo que a pessoa sobreviva e funcione socialmente, mesmo que
o self verdadeiro fique oculto.
O
supermercado representa o campo de projeção do inconsciente. Cada
cliente, cada colaborador, é uma metáfora viva do ser humano em busca de
satisfação imediata. O fiscal observa, interpreta, sente — mas não pode
intervir. Vive o papel de espectador e ator ao mesmo tempo. O palco se torna um
laboratório psíquico, um espelho de sua própria repressão.
Capítulo
3: As Identidades Mortificadas
Desde a
juventude, o sujeito vestiu muitas máscaras: ajudante geral, mecânico de
manutenção, técnico em mecânica, técnico mecânico especializado em instrumental
cirúrgico, operador de retifica plana, operador de telecomunicação, operador de
telemarketing, teólogo, psicólogo, operador de caixa e fiscal de caixa. Cada
função cumpriu um ciclo de vida e morte.
A
psicanálise chama isso de processo de desinvestimento libidinal: quando
o ego retira energia de um objeto que não mais devolve prazer ou
reconhecimento. Na visão da Psicologia
de Carreira, a mudança constante de profissão não é apenas resultado de
instabilidade, mas um reflexo do esforço do indivíduo em se adaptar às
transformações do mundo do trabalho. Ela entende que a carreira não é
mais linear, mas dinâmica e adaptável — influenciada por mudanças
econômicas, tecnológicas e sociais.
Contudo,
cada morte simbólica deixou cicatrizes, pequenas lutas entre o que foi e o que
ainda deseja ser. A teologia o despertou para o sagrado, a psicologia para o
humano. Ambos os caminhos exigiram fé e renúncia. Porém, o chamado sem campo de
realização torna-se angústia. [...] “A vocação só é real quando há um
ambiente que sustenta o gesto criativo.”(WINNICOTT, 1971, p. 98)
Ao
atuar como conselheiro pastoral e ingressar na teologia, o sujeito passou a
investir energia na abrangência social, função social e cuidado do outro.
A frustração começou a surgir quando percebeu que o campo real — o pastorado em
tempo integral — não estava disponível. Quando o psicólogo/ e ou teólogo atua
dentro de uma instituição (como escola, hospital, empresa, ONG, CRAS,
CAPS ou presídio), sua função social é voltada ao coletivo e às relações
sociais que se estabelecem naquele contexto para alcançar um número maior
de indivíduos.
Entretanto
quando ele sujeito atua num consultório particular/ e ou gabinete pastoral a
sua abrangência é individual e seu alcance na função social é mínimo. O sujeito
acionou mecanismos de defesa, como sublimação, transferindo energia para
atividades voluntárias, mantendo viva a vocação de forma simbólica. O
supermercado ainda não existia como palco, mas o sujeito começava a treinar sua
capacidade de exercer cuidado mesmo em contextos limitados.
Capítulo
4: A Teologia e a Psicologia: Dois Chamados, Um Conflito
Durante
a graduação em teologia, o sujeito internalizou normas familiares, religiosas e
sociais, alinhando seus comportamentos ao superego. O investimento libidinal
foi intenso, mas a mortificação se tornou evidente: não podia atuar como pastor
em tempo integral. Novamente, a sublimação serviu para canalizar a
libido em atividades de cuidado e aprendizado, preservando a vocação de forma
simbólica. O supermercado é o teatro do inconsciente, onde o fiscal representa
o psicólogo e o teólogo. O balcão é o púlpito. O olhar atento é a escuta
clínica. Ali, o sujeito continua a missão, mesmo sem reconhecimento. [...] “O
brincar é em si mesmo uma terapia.” (WINNICOTT, 1971, p. 63)
Na
teologia, o sujeito aprendeu a ouvir a alma pela fé; na psicologia, aprendeu a
escutá-la pela ciência. Ambas são expressões do mesmo desejo: curar,
libertar e servir. No entanto, o ambiente institucional não o autoriza a
unir os dois saberes. Surge o conflito entre o sagrado e o profano, entre o
púlpito e o balcão, entre a vocação e a função.
Capítulo
5: O Falso Self e a Máscara do Fiscal
Ao
redirecionar sua energia para a psicologia, o sujeito buscou exercer cuidado
sobre um número maior de pessoas e alcançar maior abrangência social. A
mortificação se repetiu: não conseguia validar sua atuação em instituições. O supermercado
tornou-se palco simbólico, permitindo que ele observasse interações, oferecesse
apoio emocional e aplicasse conceitos psicológicos veladamente.
E
ainda aconselhando os colaboradores através da teologia encenou os dois papeis
dentro deste ambiente, onde usou a sua função social e abrangência social alta,
com o propósito dessemelhante do consultório particular. Esse sujeito autorizou
a si mesmo atuado como agente de transformação com a intenção de promover o bem-estar
social e institucional, prevenindo conflitos, exclusões e desigualdades que
afetam o comportamento humano e o clima organizacional de modo velada.
Assim,
sua energia libidinal permanecia investida em um campo simbólico, embora não
institucional. O ego suporta sete anos de espera, oscilando entre esperança e
resignação. A frustração contínua provoca a sensação de desamparo. [...] “O
desamparo é o estado originário do qual brota toda necessidade de proteção.” (FREUD,
1926, p. 54)
Winnicott
descreve o falso self como uma adaptação excessiva às exigências
externas. O sujeito cumpre o papel de fiscal, mas dentro dele há um psicólogo e
um teólogo reprimidos. Ele se comporta conforme o esperado, mas sente que trai
a própria verdade. O sorriso no ambiente de trabalho é o disfarce de uma dor
silenciosa.
Capítulo
6: A Sublimação e os Objetos Substitutos
O
trabalho como fiscal de caixa tornou-se uma função de sobrevivência.
Externamente, ele exercia a rotina do supermercado; internamente, o ego se
mantinha ativo, utilizando o palco para aplicar a psicologia e a teologia de
forma velada. A mortificação das identidades vocacionais era parcial, mas o
risco de angústia crônica e adoecimento psicossomático estava presente.
O falso self protegia o ego, mas não satisfazia o desejo profundo do sujeito. O
superego teológico impõe padrões de conduta e moralidade, enquanto o superego
científico exige neutralidade. Entre ambos, o ego tenta respirar, mas sente-se
julgado o tempo todo. [...] “O superego observa, julga e pune; é o herdeiro
do olhar parental.” (FREUD, 1923, p. 45)
Para
não adoecer, o sujeito canaliza sua energia criativa em projetos paralelos:
blog de artigos de psicologia, podcast, vídeos, trabalhos voluntários,
academia, palhaçaria. Esses objetos substitutivos funcionam como válvulas de
escape, mecanismos de defesa que impedem a completa mortificação da
psicologia e da teologia. Contudo, eles não substituem o campo real — apenas
prolongam o adiamento da frustração
Capítulo
7: A Espera e o Princípio da Realidade
Para
lidar com frustrações, o sujeito criou objetos substitutos: blog, podcast,
voluntariado, academia e exercícios físicos. Eles permitiram redirecionar
energia libidinal, evitando mortificação completa do self. Contudo, substitutos
têm limites: não realizam o desejo pleno e podem gerar desgaste se usados
permanentemente.
O
supermercado permaneceu como palco simbólico para prática indireta de
psicologia e teologia. Sem campo institucional, o sujeito redireciona sua
energia para a escrita de artigos de psicologia, a academia e o corpo. A
sublimação o impede de adoecer, mas é um substituto do prazer maior de exercer
sua vocação. [...] “A sublimação é o destino mais nobre que pode ter uma
pulsão.” (FREUD, 1905, p. 213)
Durante
sete anos, o sujeito sustentou a esperança de uma transição. Cada tentativa
frustrada aumentou a sensação de impotência. Freud chama esse processo de compulsão
à repetição — a tendência de reviver o trauma até que ele seja
simbolicamente elaborado. A espera se transforma em prisão: o sujeito quer ser
enviado, mas o chamado permanece suspenso, o epochê em fenomenologia.
Capítulo
8: A Fuga e o Luto Antecipado
O
sujeito enfrentou o conflito: sobrevivência versus realização do self. A
validação externa era necessária para concretizar a vocação. O supermercado
oferecia treino simbólico, mas não substituía o campo real. Freud alerta que a
repetição de frustrações sem satisfação gera sintomas neuróticos, enquanto
Winnicott enfatiza a necessidade de objetos intermediários para manter a
energia psíquica viva. O fiscal cumpre seu papel com excelência, mas por trás
da farda corporativa há o verdadeiro self que deseja emergir. A máscara do
papel impede o gesto espontâneo. [...] “O falso self é uma defesa criada
para proteger o verdadeiro self de um ambiente não receptivo.” (WINNICOTT,
1960, p. 142)
O
indivíduo, para se proteger, aciona o mecanismo de fuga da realidade.
Sonhos, atos falhos, fantasias e pequenos afetos surgem como escapes da dor.
Entretanto, a psique já se prepara para o luto antecipado: a
possibilidade de perder definitivamente as identidades de psicólogo e teólogo.
O medo de adoecer psicossomático reaparece, como no passado, onde contraiu LER
(Lesão Por Esforço Repetitivo) chamado de Epicondilite, quando o corpo gritou o
que a mente silenciava.
Capítulo
9: A Escolha Final: Morrer ou Renunciar
Quando
todas as identidades estão frustradas, o sujeito corria risco de anedonia,
depressão somática e perda de sentido. A proteção do ego exigia elaboração
do luto, separação simbólica e planejamento estratégico. O supermercado
permanecia como campo provisório de suporte, não como substituto definitivo do
campo real. A mortificação do teólogo e do psicólogo não é o fim, mas o luto do
que não pôde florescer. O ego tenta sobreviver no vazio deixado pelo ideal não
alcançado. [...] “O luto é o preço que se paga por amar.” (FREUD, 1917, p.
290)
Chega
o ponto-limite: ou o sujeito renuncia ao fiscal de caixa e renasce como
psicólogo e teólogo pleno, ou mortifica as duas vocações para sobreviver como
fiscal até a morte física. Aqui a espiritualidade e a psicanálise convergem.
Freud compreende a escolha como um movimento de reinvestimento libidinal;
a teologia, como um ato de fé e entrega. O dilema é existencial: qual
self deve morrer para que o outro viva?
Capítulo
10: O Escape Prometido
“Não
vos sobreveio tentação que não fosse humana; mas Deus é fiel e não vos deixará
ser tentados além do que podeis suportar, antes, com a tentação, dará também o
escape” (1 Coríntios 10:13).
A
promessa divina permanece como possibilidade de escape: 'Deus dará o escape
para que possais suportar'. O sujeito continua, sustentado pela fé e pela resiliência
do ego. [...] “Mesmo o desespero contém uma esperança inconsciente de
reencontro.” (WINNICOTT, 1963, p. 207) verso simboliza o instinto de sobrevivência
espiritual. O escape pode ser um novo objeto real — um campo institucional,
uma nova função — ou apenas a capacidade de suportar o intervalo entre a morte
e o renascimento. A fé torna-se o elo que impede o colapso definitivo.
Para
preservar o self, o sujeito:
- Reconheceu o falso self e a função
temporária do fiscal de caixa;
- Criou espaço interno para psicólogo e
teólogo;
- Elaborou o luto das identidades
mortificadas;
- Planejou passos concretos para atuação
institucional ou congregacional;
- Direcionou energia libidinal
conscientemente, evitando dispersão.
O
supermercado serviu como campo simbólico de treino e prática, permitindo
que o sujeito mantivesse viva a missão de cuidado, até que o campo real de
validação se tornasse disponível.
Conclusão
A
trajetória do sujeito revela o conflito entre sobrevivência, desejo e
validação externa, e como o supermercado tornou-se um palco simbólico de
psicologia e teologia. A mortificação das vocações e a construção do falso
self são respostas adaptativas à frustração, exigindo consciência, elaboração
de luto e estratégias de preservação do ego. A energia libidinal, se bem
direcionada, permite manter o Self vivo, preparando-o para a futura realização
do desejo vocacional.
O
investimento travestido de psicologia e teologia, mesmo em um contexto limitado
e simbólico, manteve viva a vocação e permitiu algum exercício de cuidado e
presença social. No entanto, não se sabe realmente o que aconteceu com o
sujeito: se ele conseguiu realizar-se vocacionalmente ou se acabou
sucumbindo ao palco do supermercado, permanecendo na função de fiscal de caixa
apenas para garantir a sobrevivência, enquanto observa a vocação definhar até a
chegada da morte física.
A
narrativa permanece aberta, refletindo o caráter contingente da vida e a tensão
entre desejo, realidade e sobrevivência psíquica. A incerteza é a cena final, onde a vida e o
desejo ainda disputam o protagonismo. O que se sabe é que lutou bravamente para
manter viva a autenticidade no meio da alienação. A história mostra que o ser
humano é um palco de mortes e renascimentos. Cada profissão, cada papel, é
apenas um disfarce transitório do self em busca de sentido. O fiscal, o
psicólogo e o teólogo não são inimigos — são partes de uma mesma alma que tenta
responder ao chamado: “A quem enviarei?”. E o sujeito, mesmo em silêncio, ainda
responde: “Envia-me a mim”. Que representou no momento de desemprego a
contratação do sujeito na ocupação de fiscal de caixa travestida de teólogo e
psicólogo.
Referências
Bibliográficas
BÍBLIA,
A. T 1Samuel, Isaias; N. T. Mateus, Atos. In BÍBLIA. Português. Bíblia
Evangélica: Antigo e Novo Testamentos. Tradução Versão de João Ferreira de
Almeida Corrigida 1948 (JFAC). São Paulo.
Freud,
S. (1905). Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade.
Freud,
S. (1920). Além do Princípio do Prazer.
Freud,
S. (1915). A Situação do Ego e os Mecanismos de Defesa.
Winnicott,
D. W. (1971). O Ambiente e os Processos de Maturação.
Winnicott,
D. W. (1971). O Brincar e a Realidade.
Winnicott,
D. W. (1965). O Self e a Realidade Psíquica.
Ano
2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
___________________________
Ayrton De Carvalho Junior
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