Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. O psicólogo
escreveu o livro a morte das identidades o fiscal de caixa o teólogo e o
psicólogo e enviou por WhatsApp o artigo em PDF para sua colega de profissão
psicanalista pedindo que lesse o livro e desse a opinião pois seria muito útil.
Mas até o presente momento a colega não se manifestou embora ela tenha o
histórico para esse psicólogo de profissional que quando ele envia uma mensagem
por WhatsApp ela leva até meses para responder.
🧩 1. Ato
falho e resistência
Segundo
Freud, o ato falho é uma manifestação do inconsciente que revela
um desejo ou um conflito reprimido.
No caso descrito, o fato de a psicanalista não responder — mesmo tendo
recebido o livro e sabendo que o colega aguarda sua opinião — pode ser
interpretado como um ato falho, pois:
- Ela não esquece totalmente,
mas também não responde; ou seja, há uma ambiguidade entre o
desejo de responder e a resistência a fazê-lo.
- Esse “esquecimento” prolongado pode
mascarar um movimento inconsciente de resistência: talvez ela evite
ler o texto porque ele desperta algo que a toca emocionalmente, questiona
suas próprias convicções, ou desperta inveja, rivalidade, identificação ou
crítica.
Assim,
o ato falho estaria no não responder, disfarçado de “falta de
tempo” ou “esquecimento”, mas que na verdade expressa uma resistência
inconsciente.
🪞 2.
Narcisismo profissional e comparação
Em
relações entre colegas da mesma área, é comum emergir um narcisismo
profissional — a necessidade de preservar uma imagem de competência e
superioridade.
- Ler o livro de outro psicólogo pode,
inconscientemente, ativar uma comparação:
“O que ele escreveu será melhor do que eu escreveria?”
“Será que ele está mais desenvolvido que eu?” - Essa comparação desperta angústia
narcísica, levando o ego a acionar um mecanismo de defesa: o adiamento
ou silêncio, como forma de manter o equilíbrio da autoimagem.
Assim,
o desinteresse aparente pode ser, na verdade, um mecanismo defensivo
contra sentimentos inconscientes de inveja, rivalidade ou inadequação.
🕰️ 3.
Transferência e posição subjetiva
Também
é possível que a colega tenha estabelecido, inconscientemente, uma posição
transferencial em relação ao psicólogo autor do livro:
- Ela pode colocá-lo numa posição simbólica de
autoridade intelectual ou criativa, o que desperta resistência
transferencial — isto é, uma reação emocional inconsciente diante da
figura que representa algo significativo.
- Nesse sentido, o silêncio pode
funcionar como forma de retomar o controle: ela “não dá o retorno”
para não se colocar na posição de quem valida o outro, preservando,
assim, sua autonomia narcísica.
💬 4.
Interpretação psicanalítica do desinteresse
Do
ponto de vista do comportamento manifesto, pode parecer desinteresse;
mas, pela ótica psicanalítica, o desinteresse também é um sintoma.
- O não responder pode ser uma forma
inconsciente de comunicar algo — talvez uma dificuldade em reconhecer
o valor do outro sem sentir que perde algo de si.
- Em outras palavras, ela não ignora por
desprezo consciente, mas porque não suporta inconscientemente o
impacto simbólico de ter de reconhecer e responder ao gesto do colega.
🔍 5.
Síntese interpretativa
Portanto,
o comportamento da psicanalista pode ser lido como:
- Um ato falho (resistência travestida
de esquecimento);
- Um mecanismo de defesa narcísico,
para proteger-se de sentimentos de comparação ou inferioridade;
- Uma resistência transferencial, como
forma de evitar submeter-se à autoridade simbólica do autor do livro;
- E, simbolicamente, uma reação ambivalente:
deseja se aproximar do colega (reconhecendo o trabalho), mas teme que isso
abale sua autoimagem de profissional competente e autônoma.
“O
silêncio da psicanalista é uma fala inconsciente; seu ato falho é o adiamento.
O não dito diz: ‘leio quando puder suportar o que o outro despertou em mim’.”
Interpretação
Psicanalítica do Silêncio da Colega Diante do Envio de um Livro
Um
psicólogo autor enviou a uma colega psicanalista, por meio de aplicativo de
mensagens, o arquivo em formato PDF de seu livro A Morte das Identidades: o
fiscal de caixa, o teólogo e o psicólogo, solicitando que ela o lesse e
expressasse sua opinião profissional. Apesar do gesto de confiança e do convite
ao diálogo, a colega permaneceu em silêncio, sem retorno até o momento —
conduta que se repete em outras interações, nas quais suas respostas costumam
ocorrer após longos intervalos de tempo.
Sob
a ótica da psicanálise, tal comportamento pode ser compreendido como a
expressão de um ato falho, conceito introduzido por Sigmund Freud
(1901) em A Psicopatologia da Vida Cotidiana, segundo o qual o
inconsciente se manifesta por meio de lapsos, esquecimentos e omissões que
traem um desejo reprimido ou um conflito psíquico não elaborado. Nesse
contexto, o não responder não se configura como simples desatenção ou
falta de tempo, mas como manifestação simbólica da resistência.
A
resistência, conforme Freud descreve em Estudos sobre a Histeria (1895)
e A Interpretação dos Sonhos (1900), é uma força psíquica que se opõe
à emergência do conteúdo recalcado na consciência. Assim, o silêncio da
psicanalista pode ser interpretado como uma forma de defesa do ego diante de
conteúdos afetivos mobilizados pelo gesto do colega — seja a admiração, a
rivalidade, a inveja ou a identificação. O adiamento da resposta funciona,
então, como mecanismo de defesa, permitindo que o eu preserve seu
equilíbrio narcísico frente a um estímulo que evoca comparação ou ameaça
simbólica.
Nesse
sentido, é pertinente evocar a noção de narcisismo desenvolvida por
Freud (1914) em Introdução ao Narcisismo, onde o autor demonstra que o
sujeito tende a proteger sua autoimagem investida libidinalmente, evitando
reconhecer no outro qualidades que possam deslocar o centro do próprio valor.
Assim, o silêncio pode representar uma tentativa inconsciente de restringir
o investimento libidinal no outro, mantendo o controle sobre a economia
narcísica pessoal.
Do
ponto de vista transferencial, o comportamento pode ainda ser lido à luz da
formulação de Lacan (1964) em O Seminário, Livro 11: Os Quatro
Conceitos Fundamentais da Psicanálise, segundo a qual toda relação entre
analistas é mediada por posições simbólicas. Nesse caso, o autor do livro pode
ocupar, inconscientemente, a posição de “sujeito suposto saber”, o que
desperta resistência na colega, que se recusa a se colocar em posição de aluna
ou admiradora. O silêncio, portanto, adquire o estatuto de resposta transferencial,
uma tentativa inconsciente de retomar o poder na relação e reafirmar a própria
autonomia simbólica.
O
aparente desinteresse é, portanto, apenas a forma manifesta de um
conflito inconsciente, no qual se misturam desejo de reconhecimento e
recusa em ceder ao outro esse reconhecimento. Como afirmam Laplanche e
Pontalis (1967) no Vocabulário da Psicanálise, o ato falho “não é um
erro casual, mas a realização disfarçada de um desejo inconsciente” — e, neste
caso, o desejo disfarçado pode ser o de não reconhecer o impacto simbólico do
outro, preservando, assim, o próprio narcisismo.
Em
síntese, o comportamento da colega psicanalista não deve ser reduzido a
indiferença objetiva, mas compreendido como um discurso inconsciente, no
qual o silêncio se torna ato simbólico de resistência, defesa e
transferência. Seu não dito revela mais do que a resposta esperada:
expressa o conflito interno entre o desejo de acolher e o medo de se reconhecer
afetada pelo que o outro produziu.
Em
termos psicanalíticos, o silêncio é a fala do inconsciente.
Ele diz, sem dizer, que “ainda não posso responder ao que em mim foi
despertado pelo outro.”
Referências
bibliográficas
- Freud, S. (1895). Estudos
sobre a histeria. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. II. Rio de Janeiro:
Imago.
- Freud, S. (1900). A
interpretação dos sonhos. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. IV-V. Rio de Janeiro:
Imago.
- Freud, S. (1901). A
psicopatologia da vida cotidiana. In: Edição Standard Brasileira
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. VI. Rio de
Janeiro: Imago.
- Freud, S. (1914). Introdução
ao narcisismo. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud, vol. XIV. Rio de Janeiro:
Imago.
- Lacan, J. (1964). O
seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise.
Rio de Janeiro: Zahar.
- Laplanche, J., & Pontalis, J.-B.
(1967). Vocabulário da psicanálise. São Paulo: Martins Fontes.
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