Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Na
psicanálise, o tempo de 50 minutos da sessão é visto como um "espaço sagrado"
onde o cliente tem total direito de expressar livremente suas questões,
pensamentos, sentimentos e conflitos. Esse tempo é dedicado exclusivamente ao
cliente e, portanto, "pertence" a ele. Isso significa que ele tem a
liberdade de explorar o que lhe for mais importante, sem julgamentos ou
interferências de fora.
Interpretando
isso pela psicanálise, podemos entender que o terapeuta atua como um
"ouvinte receptivo" do inconsciente do cliente. Nesse ambiente seguro
e controlado, o cliente se sente à vontade para acessar e compartilhar
conteúdos que talvez estejam reprimidos ou censurados no cotidiano. É como se,
durante esses 50 minutos, o cliente tivesse um espaço onde pode ser ele mesmo,
trazendo à tona os conflitos internos entre o id (os desejos inconscientes), o
ego (a parte consciente e racional) e o superego (as normas e censuras
internas).
Além
disso, esse tempo limitado reforça a ideia do "holding" — a
sustentação emocional que o terapeuta oferece. Ao delimitar o tempo, o
terapeuta mostra que está presente e disponível para ouvir, mas também cria um
limite, que ajuda o cliente a estruturar suas próprias demandas e a se preparar
para o fim da sessão. Esse limite de tempo pode trazer à tona resistências,
ansiedades e até defesas que são conteúdos preciosos para o processo analítico.
O cliente pode, por exemplo, sentir-se pressionado a falar ou a não falar sobre
certos assuntos por conta do tempo, o que revela ainda mais sobre sua relação
com limites e controle.
Os
50 minutos são a "propriedade" do cliente porque são pensados para
que ele se aprofunde nos aspectos mais autênticos de si mesmo, enquanto o
terapeuta guia o processo de forma a facilitar essa exploração, mas sem impor
direção ou julgamento.
Esse
"tempo do cliente" também é uma forma de mostrar que ele tem controle
sobre o que vai compartilhar e como vai conduzir seu processo de
autoconhecimento. Ao se sentir o "dono" desse tempo, ele ganha um
senso de autonomia e responsabilidade sobre sua própria análise. A ideia é que
ele possa tomar decisões em relação ao que deseja abordar, e o terapeuta, por
sua vez, respeita esses limites e escolhas, permitindo que o inconsciente se
revele no ritmo próprio do cliente.
No
contexto psicanalítico, cada sessão funciona como um "miniatura da
psique" do cliente. A forma como ele lida com o tempo, se ele tenta
preencher cada minuto, ou se hesita, ou fica em silêncio, reflete seu mundo
interno, suas ansiedades, defesas e desejos. Esses comportamentos podem ser
explorados pelo terapeuta para entender mais profundamente como o cliente se
relaciona com o tempo e com os limites em sua vida cotidiana.
Por
exemplo, um cliente que sente que precisa falar constantemente durante a
sessão, preenchendo todos os minutos, pode estar revelando um medo de vazio ou
de confrontar certas partes de si mesmo que ficam encobertas pelo fluxo
contínuo de palavras. Por outro lado, o cliente que passa muito tempo em
silêncio pode estar resistindo a entrar em contato com conteúdo inconscientes
que provocam desconforto ou medo. Cada escolha do cliente durante esses 50
minutos traz à tona camadas do seu inconsciente e das suas dinâmicas internas.
A
propriedade do tempo também é uma forma de trabalhar a transferência, um
conceito central na psicanálise. Durante a sessão, o cliente tende a projetar
no terapeuta sentimentos e padrões de relacionamento que ele vive em outras
áreas de sua vida. Se o cliente se sente frustrado por "perder tempo"
na sessão, ou sente que o terapeuta deveria "fazer algo mais", isso
pode refletir desejos e expectativas que ele tem em relação a figuras de
autoridade ou às próprias relações.
Ao
final, essa ideia de "tempo do cliente" não é apenas uma questão
prática, mas uma parte essencial do processo terapêutico. É um espelho do modo
como o cliente lida com suas próprias ansiedades, desejos e limitações, e um
espaço onde ele pode, pouco a pouco, entender e transformar essas dinâmicas
para viver de forma mais consciente e livre.
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