Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
acolhimento psicossocial é um conceito central na prática da saúde mental e da
psicologia social, especialmente em contextos como os Centros de Atenção
Psicossocial (CAPS) e outros serviços da rede de atenção psicossocial. Ele se
refere a uma postura de escuta ativa, empatia e não julgamento, voltada
para o cuidado integral da pessoa em sofrimento psíquico ou em situação de
vulnerabilidade.
Elementos
principais do acolhimento psicossocial:
1.
Acolher a pessoa e não apenas o sintoma:
Vai além de atender uma demanda pontual; considera a história, a subjetividade,
o contexto social, cultural e familiar da pessoa.
2.
Escuta qualificada:
O profissional oferece um espaço onde o sujeito se sinta seguro para falar de
si, com respeito e sem julgamentos.
3.
Vínculo e confiança:
O acolhimento visa construir uma relação de confiança, essencial para a
continuidade do cuidado e o fortalecimento da autonomia do sujeito.
4.
Atenção integral:
Olha o sujeito de forma multidimensional — saúde física, emocional, vínculos
sociais, moradia, trabalho etc. — buscando articular diferentes áreas e
políticas públicas para um cuidado mais eficaz.
5.
Redução de danos e cidadania:
Em vez de impor normas rígidas de conduta, busca estratégias para minimizar
sofrimentos e riscos, respeitando as escolhas do sujeito e promovendo sua
inclusão e participação social.
Em
resumo:
O
acolhimento psicossocial é um modo de cuidar que reconhece a complexidade do
sofrimento humano e aposta no diálogo, na escuta e no fortalecimento do
sujeito como protagonista de sua trajetória.
Aqui
vai um exemplo prático de acolhimento psicossocial em um CAPS:
Cenário:
Maria,
42 anos, chega ao CAPS visivelmente agitada, chorando muito e dizendo que
"não aguenta mais a vida". Ela relata que está sem dormir há dias,
brigou com a mãe com quem mora, e cogitou "sumir do mundo". Não tem
diagnóstico anterior e nunca passou por atendimento em saúde mental.
Acolhimento
psicossocial na prática:
1.
Recepção humanizada:
A equipe acolhe Maria com calma e respeito. Um técnico de enfermagem ou um
psicólogo a convida a sentar-se em um espaço reservado e tranquilo. Ela é
tratada pelo nome e ouvida com atenção desde o primeiro momento.
2.
Escuta ativa e sem julgamentos:
Um profissional escuta sua história com empatia, sem interromper ou tentar
oferecer soluções imediatas. Valida seu sofrimento:
“Entendo que você está passando por um momento muito difícil. Você não está
sozinha. Estamos aqui para te ajudar.”
3.
Avaliação conjunta da situação:
Após ouvir, o profissional identifica que Maria está em crise emocional e
precisa de suporte imediato. A equipe multidisciplinar é mobilizada: um médico
avalia se há necessidade de medicação e uma assistente social verifica questões
familiares e socioeconômicas.
4.
Plano de cuidado singular:
Com base nas necessidades de Maria, a equipe propõe um plano de cuidado:
o Atendimento
psicológico semanal
o Consulta
psiquiátrica
o Participação
em grupo terapêutico
o Encaminhamento
para assistência social para apoio na relação com a mãe
o Contato
com a Unidade Básica de Saúde para cuidados clínicos
5.
Vínculo e continuidade:
A equipe se apresenta como disponível. Maria é convidada a retornar no dia
seguinte, se necessário. Ela começa a perceber que existe um lugar onde pode
ser ouvida e cuidada.
Objetivo
final do acolhimento:
Oferecer
a Maria não apenas um alívio imediato, mas um projeto de cuidado contínuo e
singular, respeitando seu tempo, sua história e seu contexto de vida. O
foco é fortalecer sua autonomia e inserção social.
Aqui
vai um exemplo prático de acolhimento psicossocial com pessoas em situação
de rua, que geralmente ocorre em Centros POP, CAPS AD ou através de equipes
de Consultório na Rua.
Cenário:
João,
37 anos, vive há meses em situação de rua. É usuário de álcool e crack, e
apresenta comportamentos agressivos em alguns momentos. Ele se aproxima de uma
tenda do Consultório na Rua pedindo um lanche. A equipe percebe sinais de
sofrimento mental e vulnerabilidade.
Acolhimento
psicossocial na prática:
1.
Abordagem respeitosa e humanizada:
A equipe não exige nada em troca do lanche. Um profissional inicia uma conversa
leve, perguntando pelo nome, como ele está, se quer conversar. O foco é criar
vínculo, sem cobrança.
2.
Escuta sem julgamento:
João compartilha que já tentou parar de usar drogas, que sente vergonha da
família e não sabe onde dormir. A equipe escuta com empatia, sem rotulá-lo como
"viciado" ou "perdido", reconhecendo sua dor e sua
história.
3.
Identificação de necessidades urgentes:
o Falta de
alimentação regular
o Dificuldade
para dormir com segurança
o Falta de
documentos
o Uso
problemático de substâncias
o Sintomas
de sofrimento mental (angústia, insônia, paranoia)
4.
Ações imediatas e cuidado ampliado:
o Encaminhamento
ao Centro POP para higiene, alimentação e guarda de pertences
o Agendamento
de acolhimento no CAPS AD para atendimento psicológico e psiquiátrico
o Contato
com CRAS para regularizar documentos e buscar possível reintegração familiar
o Estratégias
de redução de danos, como entrega de insumos (água, preservativos,
escova de dente) e orientação sobre o uso mais seguro
5.
Construção de vínculo e projeto terapêutico
singular (PTS):
A equipe vai ao encontro de João periodicamente, respeitando seu tempo e suas
escolhas. Aos poucos, ele passa a confiar mais, aceita ir ao CAPS e começa a
participar de atividades. O foco não é “tirar da rua imediatamente”, mas construir
um percurso de cuidado com autonomia e dignidade.
Objetivo
do acolhimento nesse contexto:
- Restaurar o senso de pertencimento e valor
pessoal
- Cuidar sem impor
- Articular rede de proteção social
- Reduzir riscos e sofrimentos
- Oferecer possibilidades concretas de
mudança, no tempo da pessoa
Esse
tipo de acolhimento psicossocial mostra que a escuta e a construção de
vínculo são mais potentes do que julgamentos ou obrigações. Quer que eu te
mostre agora um exemplo com adolescente em conflito com a lei ou outro tipo de
público?
Aqui
vai um exemplo prático de acolhimento psicossocial com um adolescente em
conflito com a lei, atendido em um CREAS, CAPS IJ (Infantojuvenil) ou por
uma equipe de abordagem social.
Cenário:
Lucas,
16 anos, foi apreendido por tentativa de furto. Após a medida socioeducativa de
liberdade assistida, é encaminhado ao CREAS e ao CAPS IJ, pois apresenta
histórico de uso abusivo de álcool, conflitos familiares e sintomas de
ansiedade. Chega ao serviço resistente e desconfiado.
Acolhimento
psicossocial na prática:
1.
Acolhida sem julgamento:
A equipe o recebe chamando pelo nome, com uma abordagem acolhedora, explicando
que o espaço é para ajudá-lo, e não para puni-lo. Um psicólogo ou educador social
diz algo como:
"Aqui não estamos pra te julgar, mas pra te ouvir e caminhar contigo.
Você topa conversar um pouco?"
2.
Escuta ativa e construção de vínculo:
O profissional escuta Lucas falar sobre sua vida: ausente na escola, pai preso,
mãe sobrecarregada, amigos que também estão em conflito com a lei. A equipe não
o interrompe, não corrige, mas reconhece suas dores:
“Imagino que não tem sido fácil pra você lidar com tudo isso.”
3.
Mapeamento de necessidades e
potencialidades:
o Desejo
de trabalhar, mas falta de documentos
o Vontade
de estudar, mas vergonha de voltar à escola
o Tristeza
frequente e explosões de raiva
o Vínculo
afetivo com a avó, que é sua referência positiva
4.
Encaminhamentos e intervenções integradas:
o Atendimento
psicológico individual e grupo com outros adolescentes
o Oficina
de esportes e música para expressão emocional e socialização
o Encaminhamento
ao CRAS para retorno à escola e obtenção de documentos
o Visita
domiciliar para entender a dinâmica familiar
o Escuta
da família e mediação de conflitos
5.
Empoderamento e protagonismo:
A equipe vai envolvendo Lucas nas decisões sobre o próprio plano de cuidado,
reforçando sua autonomia:
"Você quer começar pela oficina ou pelo atendimento individual? O que
acha que te ajuda mais agora?"
Objetivo
do acolhimento com adolescentes:
- Criar um espaço seguro onde ele se sinta
respeitado
- Romper com o ciclo de exclusão e
estigmatização
- Fortalecer sua identidade e autoestima
- Promover inclusão social, educacional e
familiar
- Estimular o protagonismo e o senso de
pertencimento
O
acolhimento psicossocial com adolescentes exige paciência, escuta e respeito
à singularidade, pois muitos chegam desacreditados das instituições e de si
mesmos.
Vamos
ver um exemplo de acolhimento psicossocial com uma pessoa em uso problemático
de substâncias e com histórico de internações psiquiátricas. Esse
atendimento costuma ocorrer em um CAPS AD (Álcool e Drogas), podendo ser
articulado com outros serviços da rede (CRAS, Consultório na Rua, UBS, etc.).
Cenário:
Paulo,
39 anos, chega ao CAPS AD após ser encaminhado pela irmã. Ele faz uso frequente
de álcool e crack, já passou por três internações compulsórias e diz estar
“cansado de prometer que vai parar”. Mora com a irmã, mas a relação está
desgastada. Apresenta sofrimento psíquico, crises de angústia, desconfiança da
equipe e medo de ser internado novamente.
Acolhimento
psicossocial na prática:
1.
Recepção sem ameaça ou julgamento:
A equipe o recebe com cuidado e sem impor condições para ser atendido. O foco é
mostrar que o CAPS não é um lugar de punição nem de obrigação, mas de cuidado
no tempo dele.
“Você está aqui porque decidiu vir. Isso já é um passo importante. A gente
quer te ouvir e caminhar contigo.”
2.
Escuta do sofrimento e da história de vida:
Um psicólogo e/ou assistente social acolhe Paulo e escuta sua trajetória:
infância difícil, uso desde a adolescência, internações traumáticas, recaídas,
perda de amigos e autoestima.
O profissional valida seu sofrimento e reconhece sua tentativa de sobreviver:
“Você passou por muita coisa. Estar aqui agora é sinal de que você ainda
acredita em alguma mudança, mesmo que pequena.”
3.
Identificação das demandas e
vulnerabilidades:
o Medo de
ser internado novamente
o Sentimento
de fracasso e desesperança
o Rejeição
social e familiar
o Falta de
projetos de vida
o Desejo
ambivalente entre parar e continuar usando
4.
Construção do vínculo e plano terapêutico
singular:
A equipe propõe atendimentos semanais, grupo terapêutico de redução de danos,
escuta com a família e acompanhamento psiquiátrico com foco no alívio do
sofrimento, sem impor abstinência total de início, respeitando seu tempo
e desejos.
5.
Redução de danos e reinserção social:
o Acesso a
preservativos, higiene, alimentação
o Acompanhamento
da saúde física e mental
o Atividades
que promovam prazer e pertencimento (grupo de arte, roda de conversa, oficina
de culinária)
o Reforço
da autonomia: o plano é construído com ele, não para ele
Objetivos
do acolhimento:
- Reconstruir vínculos de confiança com os
serviços de saúde
- Reduzir o sofrimento e os riscos associados
ao uso
- Resgatar a autoestima e o sentimento de
valor pessoal
- Estimular pequenas mudanças possíveis e
reais
- Superar a lógica manicomial e punitiva
- Promover autonomia, cidadania e cuidado
contínuo
Esse
tipo de acolhimento é profundamente ético e afetivo, pois parte da
premissa de que toda pessoa tem potencial de reconstrução, mesmo que já tenha
passado por muitas quedas.
Abaixo
está um exemplo elaborado de acolhimento psicossocial, com base no
contexto que você descreveu, respeitando a singularidade do sujeito, seu
histórico de vida e seus desejos atuais. Essa abordagem pode ocorrer, por
exemplo, em um CAPS, CRAS ou serviço de orientação para o trabalho e saúde
mental.
Acolhimento
Psicossocial – Caso do Sr. A. (62 anos)
1.
Contextualização inicial:
Sr.
A., 62 anos, psicólogo formado, passou por 4 anos de desemprego, o que gerou
sentimentos de inutilidade, baixa autoestima e frustração. Foi contratado como
operador de caixa em um supermercado e, atualmente, atua como fiscal de caixa.
Apesar de se dedicar à função, sente que seu potencial como psicólogo está
sendo negligenciado. Relata desejo de retornar à área da psicologia em tempo
integral, mas sente insegurança devido à idade, tempo fora da área e receio do
julgamento social. Apresenta sinais de sofrimento subjetivo, conflitos internos
e sensação de estagnação.
2.
Recepção e escuta empática:
O
acolhimento se inicia com uma escuta ativa, respeitosa e livre de julgamento. O
profissional cria um espaço seguro para que o Sr. A. possa falar sobre sua
história, frustrações e expectativas.
“Percebo
que o senhor viveu muitas mudanças e desafios nos últimos anos. Gostaria de
ouvir, no seu tempo, o que isso tem significado para o senhor.”
O
sujeito relata que se sente deslocado na atual função, embora tenha
desenvolvido habilidades interpessoais no supermercado. Ele se emociona ao
falar da psicologia e do sonho de ajudar pessoas a vencerem a fome emocional e
vícios como o cigarro e a bebida.
3.
Identificação das necessidades e sofrimentos:
Durante
o acolhimento, são identificadas questões importantes:
- Sofrimento psíquico ligado ao sentimento de
não realização profissional
- Conflito entre o desejo (id) de mudança e o
medo (superego) da transgressão social e teológica
- Autoimagem abalada pelo preconceito etário e
sensação de obsolescência
- Medo de não conseguir reinserção no mercado
como psicólogo
- Culpa por não exercer a profissão que
escolheu para ajudar o outro
4.
Ações e estratégias propostas:
a)
Cuidado subjetivo e fortalecimento da autonomia:
- Escuta clínica continuada com foco na
reconstrução da identidade profissional
- Trabalho com a ambivalência entre desejo e
medo:
“É possível que, ao nomear o desejo, o senhor possa reorganizar o medo e transformá-lo em movimento.”
b)
Projeto terapêutico singular (PTS):
- Inserção em grupo de orientação profissional
com foco em reinvenção de carreira tardia
- Encaminhamento para serviços de apoio a
psicólogos (CRP, associações, ONGs) que trabalham com supervisão, estágios
sociais ou voluntariado
- Busca de espaços em instituições (ONGs,
comunidades terapêuticas, escolas) para atuação inicial com supervisão
leve e suporte institucional
c)
Reconstrução de sentido e valorização da trajetória:
- Trabalho com narrativas de vida: reconhecer
as habilidades desenvolvidas mesmo fora da psicologia
- Ressignificação da experiência no
supermercado como fonte de escuta, empatia e manejo de público
d)
Articulação com a rede de apoio:
- Conversa com a família (se for pertinente),
orientando sobre o valor e necessidade da transição profissional
- Encaminhamento a grupos de apoio para
adultos maduros em recomeço profissional
5.
Objetivos do acolhimento:
- Reforçar o protagonismo do sujeito
sobre sua trajetória
- Trabalhar o medo como mecanismo de defesa,
acolhendo-o, mas não permitindo que paralise
- Fortalecer o desejo como força de
reconstrução
- Promover a reinserção digna na área da
psicologia com suporte institucional
- Diminuir o sofrimento psíquico por não
realização profissional
- Apoiar a construção de uma nova etapa com sentido
e coerência com os valores pessoais
Vamos
elaborar um acolhimento psicossocial segundo a Psicologia Social para o
caso do Sr. A., valorizando os vínculos, os atravessamentos históricos e
sociais, e os significados construídos nas relações. O foco da Psicologia
Social está nas mediações entre o sujeito e o contexto social, buscando
compreender como as opressões, exclusões e pertencimentos impactam a
identidade, o desejo e as possibilidades de ação.
Acolhimento
Psicossocial – Psicologia Social – Caso do Sr. A. (62 anos)
1.
Situação apresentada (resumida):
Sr. A., psicólogo graduado, passou 4 anos desempregado. Foi contratado como
operador de caixa e hoje atua como fiscal em um supermercado. Deseja retornar à
área da psicologia, mas sente-se bloqueado por medo, insegurança e preconceito
etário. Está em sofrimento subjetivo, mas também enfrenta barreiras sociais e
simbólicas para a transição.
2.
Acolhimento sob a ótica da Psicologia Social:
a)
Escuta do sujeito em sua historicidade e inserção social:
A equipe inicia o acolhimento compreendendo que a trajetória do Sr. A. não é
individualizada, mas atravessada por determinantes sociais, como:
- o desemprego estrutural que afeta
profissionais mais velhos;
- o apagamento simbólico do saber de sujeitos
maduros;
- o modo como a sociedade capitalista valoriza
o “produtivo jovem e ágil”;
- e a dificuldade de inserção de profissionais
autônomos em instituições formais.
b)
Validação do sofrimento como expressão social:
O sofrimento do Sr. A. não é apenas pessoal ou psíquico, mas socialmente
produzido por um sistema que desvaloriza a experiência e privilegia a
juventude e a competitividade. A equipe o acolhe dizendo:
“Seu
sentimento de não pertencimento é legítimo e está ligado a estruturas que
invisibilizam a potência de quem já viveu e produziu tanto. Aqui, a gente
reconhece sua trajetória e quer pensar com você formas de ressignificá-la.”
c)
Identificação de recursos subjetivos e coletivos:
A equipe identifica no Sr. A. importantes recursos:
- desejo de contribuir socialmente com seu
saber;
- capacidade de escuta, observação e empatia,
desenvolvidas tanto na formação quanto na prática no comércio;
- valores humanistas, espirituais e
comunitários.
d)
Construção coletiva de projeto de reinserção simbólica e social:
A equipe propõe construir junto ao Sr. A. um plano de ação que envolva:
- grupos de partilha com outros sujeitos em
reorientação profissional;
- articulação com instituições que acolhem
profissionais maduros (ONGs, grupos comunitários, igrejas, projetos
sociais);
- abertura de espaço para que ele possa
oferecer, mesmo que de forma inicial, rodas de conversa ou escuta
qualificada em territórios vulneráveis.
3.
Dispositivo central: Fortalecimento dos vínculos e da identidade social
A
Psicologia Social compreende que a identidade é construída nas trocas. O Sr. A.
foi privado, por anos, de vínculos que o reconhecessem como psicólogo. O
acolhimento propõe:
- Produzir encontros significativos
que resgatem seu pertencimento ao campo da psicologia;
- Recriar redes de apoio,
acolhendo-o em sua subjetividade e em seus direitos sociais;
- Romper com a lógica de fracasso individual,
mostrando que há potência na sua história e que o recomeço é um movimento
coletivo e político.
4.
Frases que sintetizam a postura da Psicologia Social no acolhimento:
- “Você não está sozinho, e sua história tem
valor para além do mercado de trabalho.”
- “Queremos pensar com você caminhos
possíveis, sem que precise negar quem você é ou apagar sua história.”
- “Ser psicólogo é também transformar o mundo
a partir da escuta, e isso pode começar agora, aqui e com os outros.”
Abaixo
está um modelo de Ficha de Acolhimento Psicossocial baseado na Psicologia
Social, elaborado especificamente para o caso do Sr. A., mas adaptável a
outras situações. O objetivo é valorizar a historicidade, vínculos, sofrimento
social e os recursos do sujeito, visando sua reinserção simbólica e social.
FICHA
DE ACOLHIMENTO PSICOSSOCIAL – ABORDAGEM DA PSICOLOGIA SOCIAL
Identificação
do Sujeito
Nome: Sr. A.
Idade: 62 anos
Profissão/Formação: Psicólogo graduado
Situação atual: Fiscal de caixa em supermercado
Tempo fora da área da Psicologia: Aproximadamente 6 anos
Tempo de desemprego anterior: 4 anos
1.
Escuta Inicial e Apresentação Espontânea
Relato
do sujeito (fala livre):
O Sr. A. expressa frustração por estar fora da área da psicologia. Sente-se
deslocado em sua função atual, ainda que reconheça nela experiências
significativas de escuta e convivência. Refere medo de não ser mais aceito no
campo profissional pela idade e pelo tempo afastado. Traz sentimento de culpa e
conflito interno entre seu desejo de ajudar pessoas e a realidade de trabalho
que vivencia no comércio.
2.
Sofrimento Subjetivo e Social Identificado
- Sentimento de invisibilidade social e
profissional
- Conflito de identidade:
psicólogo de formação, mas atuando fora do campo
- Preconceito etário internalizado
(autoimagem fragilizada)
- Perda de pertencimento institucional à
psicologia
- Isolamento de redes profissionais e
comunitárias
- Sentimento de culpa moral/espiritual
por não atuar no propósito de vida
3.
Potências e Recursos Identificados
- Desejo claro de reinserção como psicólogo
- Capacidade de escuta ativa e empatia
- Valores éticos e comunitários sólidos
- Experiência de vida rica e potencial
transformador
- Interesse por populações em vulnerabilidade
(fome emocional, vícios, exclusão)
4.
Inserção Social e Redes de Apoio
Rede Familiar: Presente, mas pouco envolvida nas decisões profissionais
Rede Profissional: Enfraquecida – sem vínculo atual com instituições da
área
Rede Comunitária: Vínculo com espiritualidade e ações voluntárias
pontuais
Demandas de rede:
- Reaproximação de instituições (CRP,
universidades, ONGs)
- Espaços de trocas com profissionais maduros
- Participação em coletivos e atividades de
escuta social/comunitária
5.
Estratégias Psicossociais Propostas (Plano Inicial)
- Acolhimento contínuo com escuta ética e
vínculo de confiança
- Inclusão em grupo de reinvenção
profissional tardia
- Mapeamento de instituições que acolham
atuação voluntária ou projetos sociais em saúde mental
- Reforço simbólico da identidade de
psicólogo: resgatar narrativas e vivências anteriores
- Atuação gradativa em espaços comunitários,
com apoio institucional leve (supervisão)
- Construção coletiva de um Projeto de Vida
com sentido social e subjetivo
6.
Considerações Finais da Equipe
O sujeito apresenta sofrimento real, mas também potencial transformador. É
necessário reconstruir laços sociais e profissionais, validar sua trajetória e
promover pertencimento. O trabalho com o desejo e o enfrentamento do medo será
feito respeitando o tempo e a história de vida, sempre com base no protagonismo
do sujeito.
Nome do
Profissional Responsável:
Data do Acolhimento:
Encaminhamentos feitos:
Próximo atendimento agendado:
Abaixo
está um Plano de Trabalho Comunitário com foco em reinserção simbólica e
social na Psicologia, voltado para sujeitos como o Sr. A., que desejam
retornar ao exercício da psicologia após um afastamento prolongado, valorizando
a experiência de vida e a atuação social como dispositivos de reaproximação
simbólica com a profissão.
PLANO
DE TRABALHO COMUNITÁRIO
Foco:
Reinserção simbólica e social na Psicologia para sujeitos maduros
Público-alvo:
Psicólogas/os formados(as) que se encontram afastados da prática profissional,
especialmente pessoas acima de 50 anos, com desejo de retomada do exercício em
contextos comunitários, sociais ou institucionais.
1.
Justificativa
Muitos
profissionais maduros enfrentam barreiras simbólicas, sociais e institucionais
para se reinserirem no mercado formal de trabalho em psicologia, especialmente
após longos períodos de desemprego ou inserção em outras áreas. Esse projeto
visa criar espaços de acolhimento, pertencimento e reconstrução de
identidade profissional, por meio da atuação comunitária com suporte e
supervisão.
2.
Objetivos
Geral:
- Promover a reinserção simbólica e social
de psicólogos(as) afastados(as) da prática, por meio de ações comunitárias
significativas.
Específicos:
- Criar espaços de acolhimento e escuta entre
pares
- Estimular o sentimento de pertencimento ao
campo da psicologia
- Oferecer suporte para atuação comunitária
supervisionada
- Fortalecer a identidade profissional através
da prática coletiva e solidária
- Enfrentar o preconceito etário e a
autocensura profissional
3.
Estratégias de Ação
Etapa |
Ação |
Objetivo |
1.
Grupo de Reencontro Profissional |
Rodas
de conversa entre profissionais maduros para partilha de trajetórias, dores,
desejos e recursos |
Fortalecer
vínculo social e identidade coletiva |
2.
Laboratório de Ações Comunitárias |
Elaboração
de pequenos projetos de escuta, rodas de conversa, oficinas temáticas em
instituições sociais (escolas, igrejas, abrigos, CRAS) |
Reativar
o exercício da psicologia com apoio e supervisão |
3.
Supervisão Coletiva |
Encontros
mensais com psicólogos supervisores voluntários para troca, reflexão ética e
acompanhamento das ações |
Garantir
segurança técnica, escuta ética e fortalecimento do saber |
4.
Construção de Portfólio Comunitário |
Registro
das ações realizadas com relatos de experiência, fotos, depoimentos |
Reafirmar
a trajetória e preparar para novas inserções profissionais |
5.
Rede de Apoio Profissional |
Parcerias
com CRP, universidades, ONGs e movimentos sociais |
Fortalecer
rede e ampliar possibilidades de atuação e visibilidade |
4.
Metodologia
- Participativa e dialógica,
com valorização das narrativas de vida
- Horizontalidade
nas relações entre participantes e facilitadores
- Sustentação ética
das práticas de escuta e cuidado
- Enraizamento comunitário,
com escuta das demandas sociais reais
- Produção de sentido,
em que o trabalho seja vivido como projeto de vida, e não apenas como
inserção no mercado
5.
Resultados Esperados
- Resgate da identidade e autoestima
profissional dos participantes
- Inserção ativa em ações de cuidado em saúde
mental e psicossocial
- Criação de vínculos comunitários e redes de
solidariedade
- Combate ao etarismo e à exclusão simbólica
de profissionais experientes
- Geração de novos espaços para atuação da
psicologia fora dos moldes tradicionais
6.
Avaliação
- Avaliação contínua via escuta dos
participantes e dos coletivos envolvidos
- Relatórios bimestrais com registros das
atividades
- Encontro final com apresentação dos
portfólios e devolutiva coletiva
Essa
metodologia parte de uma concepção da Psicologia Social Crítica e
Comunitária, especialmente inspirada em autores como Paulo Freire, Maritza
Montero e Enrique Dussel, que propõem uma escuta do sujeito em sua totalidade –
como ser histórico, ético, político e afetivo. Vamos destrinchar esse ponto:
Produção
de sentido como projeto de vida (e não só como trabalho)
O que
isso significa?
Significa entender que o trabalho, especialmente em áreas como a Psicologia,
não é apenas um “meio de sobrevivência” ou “inserção no mercado formal”, mas um
espaço onde o sujeito constrói sua identidade, expressa seus valores,
encontra pertencimento e realiza seu propósito existencial.
Pilares
dessa abordagem:
1.
Trabalho como expressão do sujeito no mundo
o Aqui, o
foco é na subjetividade do fazer: como a pessoa se sente ao exercer a
psicologia? Como esse fazer ressoa com sua história, seu desejo, seus vínculos?
o O
trabalho, nesse sentido, não é fim em si mesmo, mas meio de
transformação interna e coletiva.
2.
Sentido comunitário e não individualista
o O
sujeito não busca “voltar ao mercado” apenas para atender à pressão da
produtividade ou da economia, mas para reconectar-se com sua função social e
humana de cuidado com o outro.
3.
Projeto de vida como construção contínua
o Mesmo
aos 62 anos, o projeto de vida segue sendo escrito.
o O foco
aqui é reconstruir o sentimento de utilidade e pertencimento, muitas
vezes corroído pela exclusão ou pelo etarismo, reafirmando que a vida tem
sentido quando há vínculo, contribuição e reconhecimento simbólico.
Na
prática, isso significa:
- O sujeito participa de ações comunitárias não
como “trabalho voluntário genérico”, mas como expressão de sua
identidade enquanto psicólogo, mesmo fora da lógica do contrato
formal.
- As ações são planejadas com sentido
afetivo e ético: por exemplo, cuidar de idosos, adolescentes,
moradores em situação de rua – grupos com os quais o sujeito se identifica
ou tem desejo de atuar.
- A supervisão e os encontros em grupo ajudam
a elaborar o que essa experiência está provocando no sujeito:
resgate da dignidade, cura do sentimento de fracasso, superação da
vergonha, ativação do desejo de continuar aprendendo e contribuindo.
Resultado
esperado:
O
trabalho deixa de ser um fardo ou uma corrida contra o tempo, e passa a ser um
lugar onde a vida se manifesta com potência, mesmo fora do “padrão
produtivo”. É a reinvenção simbólica de si mesmo como alguém que ainda tem
muito a oferecer, a aprender e a viver.
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