Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
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Introdução — O Sonho e o Monólogo com Deus
Na
noite anterior ao sonho, o ego, exausto de sua rotina e função, elevou um
monólogo a Deus:
“Senhor,
não suporto mais o trabalho estressante. Estou angustiado e afadigado em todos
os sentidos da função de fiscal de caixa.
Mostra-me uma prova concreta, real, de que Tu vais me retirar do supermercado,
porque já tenho provas internas o suficiente de que o ciclo se encerrou.”
Após
essa súplica, o sujeito sonhou que via uma pessoa vestida de preto e
também via terra.
A
princípio, parecia apenas uma cena simples, mas, segundo a psicanálise, o sonho
é a linguagem cifrada do inconsciente, e cada imagem carrega o peso
simbólico de um processo interno.
A pessoa de preto simboliza o luto; a terra, o sepultamento
e o renascimento.
Juntos, esses elementos revelam que o ego já sepultou internamente o fiscal
de caixa — a identidade que sustentava sua vida no trabalho — e agora
prepara o terreno para o renascimento de um novo sujeito: o psicólogo, o
ser que deseja viver de acordo com seu propósito existencial.
📜 Sumário
1.
Capítulo I – O Diálogo do Ego com Deus: o
pedido de libertação
2.
Capítulo II – A Terra e o Preto: o luto e o
desinvestimento libidinal
3.
Capítulo III – O Sepultamento do Fiscal de
Caixa: o nascimento do novo ser
4.
Epílogo – O silêncio da terra e o
florescimento do novo
5.
Conclusão Final – O ego liberto e o
propósito reencontrado
6.
Referências Bibliográficas
🕊️
Capítulo I – O Diálogo do Ego com Deus: o pedido de libertação
O
monólogo do ego com Deus é o ponto de virada da psique.
Freud (1912) nos lembra que os sintomas neuróticos surgem quando o
sujeito tenta sustentar um papel que já não condiz com seus desejos
inconscientes.
O pedido do ego a Deus — “Mostra-me uma prova concreta de que o Senhor vai
me tirar do supermercado” — é, na linguagem psicanalítica, o clamor do
ego que reconhece a saturação de sua energia libidinal.
Segundo
Lacan (1953), o sujeito é constituído no campo do desejo. Quando o
desejo é reprimido em nome da função ou da moral, instala-se o sofrimento.
O fiscal de caixa, enquanto identidade simbólica, funcionava como o “eu ideal”
— aquele que se ajustava às normas, mas não mais ao desejo.
Jung
(1959) complementa: “Aquilo que negamos em nós retorna em sonhos para exigir
ser reconhecido.”
Assim, o pedido a Deus é também o pedido ao inconsciente para que algo
novo nasça.
O ego não busca apenas uma demissão, mas uma redenção simbólica, uma
libertação de um papel que o aprisionava.
🌑
Capítulo II – A Terra e o Preto: o luto e o desinvestimento libidinal
O
sonho revela o processo de luto que Freud (1917) descreve em Luto e
Melancolia: quando um objeto — pessoa, função ou ideal — perde seu valor
libidinal, o ego deve recolher a energia investida e direcioná-la a novos
objetos.
No sonho, a pessoa vestida de preto representa o ego em luto, e a
terra, o inconsciente acolhendo o corpo simbólico da antiga
função.
O
preto, cor do luto, não é apenas tristeza — é também a cor da gestação do
novo.
Na simbologia junguiana, o preto é o estágio nigredo, a “noite escura da
alma”, onde a velha identidade se dissolve para que o Self — o centro da
totalidade psíquica — possa emergir.
Lacan
(1960) interpreta esse momento como o instante em que o sujeito “abandona o
significante que o nomeava” para reencontrar o significante do seu desejo.
O fiscal de caixa, portanto, era o nome do sujeito social, mas não mais
o nome do sujeito desejante.
Ao vê-lo sepultado na terra, o ego reconhece: “Não há mais energia libidinal a
investir neste papel.”
A
terra é o canal da transformação, onde o antigo se decompõe para
alimentar o novo.
O sonho mostra que o inconsciente já sepultou o fiscal de caixa — o ego
apenas precisa aceitar o luto como libertação, não como perda.
⚰️ Capítulo III – O
Sepultamento do Fiscal de Caixa: o nascimento do novo ser
O
sonho sela o processo: o fiscal de caixa está sepultado.
O ego não sente culpa, apenas paz e certeza de que o ciclo terminou.
Freud (1920), em Além do Princípio do Prazer, explica que o aparelho
psíquico busca não apenas prazer, mas redução da tensão — e a morte
simbólica é uma forma de retorno à tranquilidade interior.
O sujeito, portanto, não busca destruir o passado, mas pacificar-se com ele.
Jung
(1964) descreve esse processo como o “renascimento simbólico”, quando o velho
eu morre para que o Self, o ser essencial, possa emergir.
O sepultamento é, então, o rito iniciático do renascimento psicológico.
Lacan (1970) reforça que o verdadeiro ato é aquele que muda o lugar do sujeito
no simbólico.
Ao aceitar a morte do fiscal de caixa, o sujeito realiza um ato simbólico de
separação, libertando-se da repetição.
Agora,
o novo ser — o psicólogo, o cuidador, o homem que serve à vida — começa
a germinar na terra fértil do inconsciente.
A prova concreta que o ego pediu a Deus não vem de fora: ela nasce dentro,
como certeza.
O inconsciente respondeu: “O fiscal de caixa foi sepultado; o novo está
sendo gerado.”
🌾 Epílogo
– O silêncio da terra e o florescimento do novo
O
sonho termina em silêncio.
A terra não fala — ela acolhe.
No silêncio da terra, o fiscal de caixa repousa, e o novo eu começa a brotar.
Como escreve Jung (1959), “onde há destruição, ali há possibilidade de
criação.”
O ego sente o alívio da entrega. O pedido a Deus foi atendido, não como milagre
externo, mas como renascimento interior.
A fé se transforma em confiança psíquica: o ego confia no processo da vida, e a
alma respira.
🌅
Conclusão Final – O ego liberto e o propósito reencontrado
A
mensagem do inconsciente é inequívoca:
“O
fiscal de caixa foi sepultado na terra do inconsciente.”
O
luto foi cumprido, o desejo reencontrado, e o ego está livre para investir
energia libidinal em um novo propósito: a psicologia como missão de vida.
O sonho confirma que a libertação não vem de fora, mas da aceitação interna
da morte simbólica.
A prova concreta pedida a Deus está manifestada: o ego está pronto para viver o
novo ciclo com autenticidade e fé.
📚
Referências Bibliográficas
- Freud, S. (1912). Sobre a
dinâmica da transferência. In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago.
- Freud, S. (1917). Luto e
Melancolia. In: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago.
- Freud, S. (1920). Além do
Princípio do Prazer. In: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro:
Imago.
- Jung, C. G.
(1959). Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. Petrópolis: Vozes.
- Jung, C. G.
(1964). O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
- Lacan, J. (1953). Escritos.
Rio de Janeiro: Zahar.
- Lacan, J. (1960). O
Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar.
- Lacan, J. (1970). O Ato
Psicanalítico. Paris: Seuil.
- Frankl, V. E.
(1946). Em Busca de Sentido. Petrópolis: Vozes.
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