Dedicatória
À
travessia silenciosa que me levou da razão à transmutação. À morte simbólica
que revelou a verdadeira vida. Àquele que, em sua sabedoria divina, permitiu
que o supermercado se tornasse o templo do meu renascimento interior.
Sumário
1.     
Introdução — A morte como revelação do Self
2.     
Capítulo I — O fiscal de caixa e a máscara
social da sobrevivência
3.     
Capítulo II — A recusa do desejo e o
automatismo da razão
4.     
Capítulo III — O sonho, o cigarro e a
linguagem do inconsciente
5.     
Capítulo IV — O supermercado como cenário da
individuação
6.     
Capítulo V — A morte voluntária e o
nascimento da transmutação
7.     
Epílogo — A travessia interrompida e o
retorno à alma
8.     
Conclusão Final — Quando o ego se curva ao
Self
9.     
Referências Bibliográficas
Introdução
— A morte como revelação do Self
Durante
oito anos, o sujeito carregou o desejo inconsciente de compreender a morte
psíquica — a mortificação das máscaras sociais —, um tema que desejava abordar
com sua terapeuta fenomenológica, mas que, por motivos externos, não pôde ser
dialogado. No entanto, a psique, obediente ao seu processo de totalidade, criou
o espaço simbólico onde a individuação pudesse finalmente acontecer: o
supermercado.
O
trabalho cotidiano, repetitivo e racional do fiscal de caixa tornou-se o teatro
da alma, onde o ego se vê aprisionado na rotina da sobrevivência, e onde o
inconsciente prepara lentamente o cenário da morte simbólica. Segundo Jung
(1961), “a individuação é um processo de diferenciação que tem por meta o
desenvolvimento da personalidade individual” — mas para que o novo nasça, o
velho precisa morrer.
Assim,
o supermercado não é mais apenas um local de trabalho, mas o instrumento
divino pelo qual o sujeito realiza aquilo que outrora lhe fora negado: a
morte de suas identidades antigas para dar lugar à transmutação do ser.
Capítulo
I — O fiscal de caixa e a máscara social da sobrevivência
O
papel de fiscal de caixa representa a persona, conceito que, segundo Jung
(1928), é “o sistema de adaptação ou a máscara que o indivíduo apresenta ao
mundo”.
Essa persona, moldada pela racionalidade e pela obediência à ordem
institucional, sustenta-se pela energia libidinal que o ego investe em ser
“útil”, “produtivo” e “obediente”.
Contudo,
a rotina revela-se como automatismo psíquico. O sujeito percebe que não
deseja mais investir energia libidinal na função de fiscalizador e controlador.
Ele reconhece que essa máscara não é mais ele mesmo, e, portanto, começa
o processo de retirada da libido, movimento que, na linguagem junguiana,
equivale ao início da morte da persona.
Freud
(1923) já afirmava que “onde estava o id, o ego deve advir”; mas aqui, de forma
inversa, o ego compreende que onde estava o fiscal, o Self deve florescer.
Capítulo
II — A recusa do desejo e o automatismo da razão
A mente
racional sustenta o sujeito dentro do supermercado. Ela obedece às leis do
sistema, como quem serve a um superego institucional. Essa submissão é o
que Heidegger (1927) chamaria de “inautenticidade do ser”, a existência
alienada que se conforma ao impessoal.
O
ego, ao reconhecer que vive sob o domínio da razão, compreende que o amor
que o mantinha nesse papel era também o medo: o medo de perder, o medo de
não ser bom o suficiente, o medo de deixar de obedecer às leis do supermercado,
que o faziam sentir-se “um bom funcionário”.
Mas o
medo é uma forma de aprisionamento, e o ego começa a libertar-se ao perceber
que “a fé e a razão são opostas complementares que se reconciliam no espírito”
(Kierkegaard, 1849). Assim, a morte racional — simbolizada pela escolha do
cigarro masculino Hothmans — representa o desejo consciente do ego de morrer
pela razão, deixando morrer o papel social que já não o sustenta.
Capítulo
III — O sonho, o cigarro e a linguagem do inconsciente
O sonho
surge como o mensageiro da morte simbólica. No sonho, o ego se vê diante de
duas opções de morte: a morte racional (masculina) e a morte
subjetiva (feminina). Ambas são conhecidas e aceitáveis pela psique, mas há
uma terceira via — a morte pela transmutação — ainda
desconhecida, porém permitida.
O
cigarro Hothmans, marca masculina, simboliza o fiscal de caixa: a morte
racional, controlada, previsível. O cigarro feminino representa a morte
subjetiva: o mergulho emocional e afetivo no inconsciente. Mas o ego anuncia
uma nova possibilidade: a morte pela transmutação, que não pertence nem
ao domínio racional nem ao subjetivo, mas à integração dos dois.
Como
afirma Jung (1952), “não se chega à iluminação imaginando figuras de
luz, mas tornando consciente a escuridão”. A transmutação é justamente essa
integração entre o masculino e o feminino, o racional e o intuitivo, o
consciente e o inconsciente — é a terceira morte, aquela que revela o Self.
Capítulo
IV — O supermercado como cenário da individuação
O
supermercado, enquanto espaço simbólico, é o laboratório da alma.
Nele, o sujeito experimenta a alienação, o automatismo, o controle e o medo,
mas também encontra o espelho de sua própria humanidade. Cada interação com
colegas e clientes torna-se uma metáfora da luta interna entre o ego e o
Self.
Segundo Eliade
(1957), “o sagrado se manifesta através do profano”. Assim, o supermercado
— aparentemente banal — torna-se o lugar sagrado da travessia. Deus, em
sua providência, introduz o sujeito nesse espaço não como punição, mas como meio
pedagógico da individuação. O trabalho, portanto, é o altar onde o ego deve
morrer para que o Self ressuscite.
Como diz
Heidegger (1927), “o ser autêntico se desvela apenas no confronto com a
morte”. O sujeito, então, passa a viver o luto antecipado da morte do fiscal,
sabendo que sua saída física do supermercado será a confirmação da morte
psíquica já consumada.
Capítulo
V — A morte voluntária e o nascimento da transmutação
A
aceitação voluntária da morte é o marco da transmutação. Ao reconhecer que o
fiscal de caixa morreu dentro dele, o sujeito não busca mais a ressurreição
dessa máscara. Ele compreende que a morte do papel é necessária para que a
vida da alma se manifeste.
Freud
(1915) já afirmava que “a pulsão de morte é uma tendência à redução das tensões
à inércia absoluta”. Mas aqui, essa pulsão é ressignificada: a morte não é
aniquilação, é transformação da energia libidinal — a energia antes
investida na persona agora se volta para o Self. O ego, ao se autorizar a
morrer, encontra liberdade.
A
morte voluntária é, portanto, o consentimento consciente da psique em
cessar o investimento libidinal em estruturas que não correspondem mais ao seu
desejo de ser.
O ego morre, mas renasce ampliado — esse é o sentido da transmutação.
Epílogo
— A travessia interrompida e o retorno à alma
Há oito
anos, o sujeito buscou compreender a mortificação de seus papéis sociais com
uma terapeuta da abordagem fenomenológica. O encontro não foi possível.
Mas Deus, em sua providência, abriu o caminho através do supermercado.
Foi ali,
entre gôndolas, caixas registradoras e fiscalizações rotineiras, que a psique
pôde cumprir o seu destino: morrer para renascer. O supermercado foi o
espelho da alma, o laboratório da morte e o útero do novo nascimento.
Como
diria Jung (1958), “o encontro com a própria alma é sempre um
sacrifício; há que morrer para o antigo a fim de nascer para o novo”.
Assim, o sujeito compreende que o propósito divino não foi puni-lo com a
rotina, mas permitir-lhe cumprir o ciclo da individuação.
Conclusão
Final — Quando o ego se curva ao Self
A
morte simbólica não é destruição, mas libertação.
O ego, ao reconhecer sua finitude e aceitar sua própria transmutação, cumpre o
desígnio da psique: transformar dor em consciência.
Agora,
o fiscal de caixa está morto — e o psicólogo, que habita o mesmo sujeito,
renasce. O supermercado, cenário da alienação, torna-se o espaço da iluminação.
E o ego, que outrora temia morrer, compreende enfim: a morte voluntária é o
verdadeiro nascimento espiritual.
Referências
Bibliográficas
- Freud, S. (1915). Pulsões
     e seus destinos. Obras Completas, v. 14. Rio de Janeiro: Imago.
- Freud, S. (1923). O Ego e
     o Id. Obras Completas, v. 19. Rio de Janeiro: Imago.
- Jung, C. G.
     (1928). Tipos Psicológicos. Petrópolis: Vozes.
- Jung, C. G.
     (1952). Aion: Estudos sobre o Simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis:
     Vozes.
- Jung, C. G.
     (1958). A Prática da Psicoterapia. Petrópolis: Vozes.
- Jung, C. G.
     (1961). Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro: Nova
     Fronteira.
- Heidegger, M.
     (1927). Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes.
- Kierkegaard, S.
     (1849). O Desespero Humano. São Paulo: Martins Fontes.
- Eliade, M. (1957). O
     Sagrado e o Profano. São Paulo: Martins Fontes.
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