Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Situação
observada no ambiente de trabalho:
Durante
o atendimento no caixa, uma operadora de caixa demonstrou proatividade ao
oferecer salgados aos clientes, com o objetivo de contribuir para o alcance das
metas de venda e da premiação. No entanto, outra operadora percebeu que o
fiscal de caixa, que também estava presente no mesmo caixa, não estava fazendo
o mesmo esforço para oferecer o produto aos clientes.
Diante
disso, a operadora comentou, utilizando uma gíria pejorativa, que o fiscal
estaria agindo de forma desonesta, insinuando que ele desejava conquistar a
premiação às custas do esforço dos demais colegas
Vamos
interpretar essa situação pela psicanálise, explicando de forma simples,
como para um iniciante.
Situação:
Uma
operadora de caixa está oferecendo um salgado para os clientes. A colega
percebe que o Fiscal de Caixa que está no mesmo local não oferece, e
comenta com uma gíria:
“Esse
fiscal é sete um, quer ganhar a nossas custas a premiação.”
1.
O que está acontecendo na superfície?
A
operadora acha que o fiscal está se beneficiando sem fazer esforço. Ela sente injustiça:
enquanto ela se esforça para vender, ele não faz o mesmo, mas pode estar
recebendo mérito ou prêmio junto.
2.
O que diz a psicanálise sobre isso?
Vamos
pensar nos três sistemas da mente segundo Freud: Id, Ego e Superego.
→
O Id (desejos inconscientes):
- O Id da operadora sente raiva e inveja
inconscientemente.
- Desejo inconsciente: “Eu quero ser
reconhecida sozinha. Quero ganhar essa premiação.”
→
O Superego (censura, moral):
- O superego traz o julgamento: “Ele é injusto,
está errado, está sendo desonesto.”
- A gíria “é sete um” mostra o superego
julgando o fiscal como desonesto (sete um = ladrão no Código
Penal).
- Esse julgamento protege o ego dela da culpa
de estar com raiva.
→
O Ego (equilibrando tudo):
- O Ego tenta lidar com a situação:
- “Como posso justificar essa raiva?”
- Resposta: “Ele é sete um, quer se
aproveitar de mim.”
- Assim, o ego usa um mecanismo de defesa
chamado projeção.
3.
Qual o mecanismo de defesa usado?
👉
Projeção:
Ela
projeta no fiscal o que talvez seja um medo ou desejo interno:
- Medo de não ser reconhecida.
- Desejo de ser valorizada sozinha.
Ela então vê o outro como “aproveitador” para justificar sua insatisfação.
4.
O que isso pode revelar inconscientemente?
- Talvez essa operadora esteja cansada de não
ser valorizada.
- Talvez ela sinta que se esforça muito e
os outros levam o crédito.
- O fiscal vira o “alvo” dessa frustração.
Resumo
simples (como para iniciantes):
A
operadora sente raiva porque acha injusto o fiscal não oferecer salgados. Pela
psicanálise, essa raiva pode vir de um desejo inconsciente de ser reconhecida.
Como não pode admitir esse desejo diretamente (porque o superego censura), ela
acusa o fiscal de ser “sete um”. Isso é um mecanismo de defesa chamado
projeção — ou seja, ela joga no outro o que está sentindo dentro de si.
Vamos
pensar como trabalhar essa situação de forma construtiva no ambiente de
trabalho, usando princípios da psicologia organizacional e com
sensibilidade psicanalítica.
🌱 1.
Identificar a emoção real:
A
operadora pode estar sentindo:
- Injustiça (“estou fazendo
tudo e ele nada”)
- Competição (“quero ganhar
sozinha, não quero dividir a premiação”)
- Desvalorização
(“ninguém percebe meu esforço”)
👉 Como ajudar?
Se você é fiscal, líder ou psicólogo, pode abordar assim:
“Percebi
que você está se dedicando bastante nas vendas. Você se sente reconhecida pelo
esforço que está fazendo?”
Essa
pergunta acolhe o sentimento real e abre espaço para diálogo, sem acusar
nem julgar.
🧠 2.
Trabalhar a consciência da projeção (com jeitinho):
Como
o comportamento do fiscal ativou um desconforto nela, o ideal é trabalhar a
autorresponsabilidade, sem apontar erro:
“Às
vezes a gente sente que o outro não está se esforçando como a gente, né? Isso
incomoda mesmo. Mas o importante é a gente manter o foco no nosso desempenho,
que é o que a empresa vê.”
Isso
ajuda a tirar a energia da raiva projetada no outro e traz o foco para o
próprio valor.
🤝 3.
Promover espírito de equipe:
Quando
há premiação, pode surgir competição destrutiva. Para evitar isso:
- Criar metas por equipe, não
individuais.
- Estimular frases como:
“Vamos
tentar juntos bater a meta?”
“Quem conseguir, compartilha a estratégia.”
A
cooperação reduz o desejo inconsciente de "ver o outro falhar para eu
vencer" — um impulso que o id pode ativar se o ambiente estiver
muito competitivo.
🛠️ 4. Como
o fiscal pode agir?
Se
você é o fiscal envolvido, pode adotar uma postura acolhedora e preventiva:
- Oferecer também os produtos, mesmo que não
seja obrigado.
- Reconhecer o esforço da operadora:
“Muito
bom seu jeito de oferecer o salgado, está ajudando bastante!”
Esse
elogio alimenta o ego da colega com reconhecimento positivo e diminui a
hostilidade inconsciente.
🧘 5. E se
for recorrente?
Se
esse tipo de fala ("ele é sete um") aparecer com frequência:
- Pode haver clima organizacional de
desconfiança.
- Pode ser necessário promover rodas de
conversa ou apoio psicológico breve no trabalho, com temas como:
- Comunicação não violenta.
- Valorização do trabalho em equipe.
- Inteligência emocional.
✅ Resumo prático:
Situação |
Ação
recomendada |
Sentimento
de injustiça |
Acolher
e reconhecer o esforço individual |
Julgamento
do outro ("sete um") |
Trabalhar
projeção de forma indireta |
Clima
de competição |
Estimular
metas coletivas e cooperação |
Falta
de reconhecimento |
Oferecer
feedback positivo e reforço verbal |
Repetição
do comportamento |
Sugerir
escuta ativa, mediação ou orientação |
Vou
te apresentar um roteiro de conversa prática para abordar essa situação
com as operadoras e o fiscal, usando um estilo acolhedor, educativo e
respeitoso, como se fosse uma pequena intervenção psicoeducativa no
trabalho. Depois, posso adaptar para treinamento ou dramatização (role
play), se quiser.
🗣️ Roteiro
de conversa para lidar com conflito de percepção e promover cooperação
🎯
Objetivo:
- Reduzir julgamentos e fofocas ("ele é
sete um").
- Fortalecer o espírito de equipe.
- Estimular reconhecimento mútuo.
- Diminuir tensões provocadas pela disputa por
premiação.
👥
Público:
- Operadoras de caixa envolvidas.
- Fiscal de caixa.
- (Opcional: você como mediador ou figura de
apoio — psicólogo/fiscal/líder de equipe).
📋 Roteiro
passo a passo
1.
Abertura acolhedora (2 minutos)
“Oi
pessoal, queria conversar rapidinho com vocês sobre algo importante que está
acontecendo no caixa. Todo mundo aqui está trabalhando bastante, e às vezes,
sem perceber, a gente se sente sobrecarregado ou até injustiçado.”
2.
Reconhecimento do esforço (2 minutos)
“Quero
começar dizendo que percebi o esforço de quem está oferecendo o salgado. Isso
faz diferença no resultado da loja e mostra comprometimento. Parabéns por
isso!”
(Aqui,
o ego da operadora recebe reconhecimento positivo, o que diminui a
necessidade de projetar raiva.)
3.
Nomeação indireta do conflito (sem acusar) (3 minutos)
“Mas
também notei que, às vezes, quando a gente sente que o colega não está fazendo
igual, bate aquele pensamento: ‘será que ele tá querendo levar vantagem?’. Isso
é normal, faz parte da nossa mente — a gente quer ser valorizado e tem medo de
que o outro leve o crédito pelo nosso esforço.”
(Aqui,
você está ensinando psicanálise disfarçada: falando de projeção, desejo
de reconhecimento e medo da injustiça.)
4.
Propor cooperação prática (3 minutos)
“Por
isso, queria propor algo: que a gente combine estratégias juntos para melhorar
a venda do salgado e bater a meta. Quem tiver uma frase boa, uma dica,
compartilha. E todos — operadores e fiscais — podem oferecer o salgado juntos,
assim ninguém se sente sobrecarregado e todos ganham.”
5.
Reforço positivo + fechamento (2 minutos)
“A
gente é uma equipe, e quando um cresce, todos crescem. Vamos manter o respeito
e a parceria, porque isso deixa o ambiente mais leve e o trabalho mais gostoso.
Obrigado por escutarem.”
✅ Dicas para aplicar:
- Fale em tom calmo e respeitoso.
- Evite usar o nome de quem fez o comentário
(“sete um”) — isso evita exposição.
- Mantenha o foco na melhoria do ambiente,
não na correção individual.
- Se quiser aprofundar, convide para uma conversa
individual posterior com quem demonstrou mais resistência.
Se
quiser agora posso montar:
- 💼 Um
roteiro de treinamento breve (com slides).
- 🎭 Um
role play (dramatização de conflito) para aplicar com a equipe.
Vamos
criar um role play (dramatização) para você aplicar com a equipe. Esse
tipo de exercício é ótimo para trabalhar emoções, empatia, comunicação e
resolução de conflitos no ambiente de trabalho, com base nos conceitos que
falamos (projeção, reconhecimento, cooperação etc.).
🎭 Role
Play: "A Vendedora Esforçada e o Fiscal Silencioso"
🎯
Objetivos do exercício:
- Reconhecer emoções escondidas (como raiva,
frustração e medo da injustiça).
- Refletir sobre julgamentos apressados e
projeções.
- Estimular comunicação respeitosa e atitude
cooperativa.
👥
Personagens:
1.
Operadora A (a vendedora dedicada): está
oferecendo o salgado para todos os clientes.
2.
Operadora B (a crítica): observa
e comenta que o fiscal é "sete um" por não oferecer.
3.
Fiscal C (o silencioso): está no
caixa, não oferece o salgado, mas acompanha a venda.
4.
Mediador/Líder (você ou outro):
intervém para facilitar a conversa e construir solução.
📜 Roteiro
da dramatização (5 a 8 minutos)
Cena
1 – Situação no caixa
- Operadora A (animada):
“Bom
dia, senhor, aceita um salgado hoje? Está na promoção!”
- Fiscal C está no mesmo caixa, observando,
mas não oferece o produto.
- Operadora B cochicha com outra ou fala
baixo:
“Tá
vendo esse fiscal? É sete um... Quer ganhar em cima do nosso esforço!”
Cena
2 – Clima de tensão
- Fiscal C escuta ou percebe a tensão no ar,
mas não reage de imediato.
- A venda continua, mas há clima de
desconforto.
Cena
3 – Entrada do mediador/líder
- Mediador se aproxima com calma:
“Oi,
pessoal, posso falar um minutinho com vocês? É importante.”
- Conduz uma fala como no roteiro anterior:
- Valoriza o esforço da equipe.
- Fala sobre como, às vezes, surgem
pensamentos de injustiça.
- Estimula todos a colaborarem e oferecerem
juntos o produto.
- Pergunta:
“Como
vocês acham que a gente pode dividir melhor esse esforço de venda para ninguém
se sentir sobrecarregado?”
Cena
4 – Resolução (ideal)
- Operadora B se dá conta e diz:
“É
verdade... Talvez eu tenha exagerado no comentário. Fiquei irritada, mas não
falei com ele direto.”
- Fiscal C:
“Eu
posso começar a oferecer também, não tem problema. Às vezes fico focado nas
outras tarefas e não percebo.”
- Mediador:
“Ótimo!
Isso é trabalhar em equipe. Cada um com seu papel, mas todos comprometidos com
o mesmo resultado.”
✅ Após a encenação –
Reflexão com o grupo
Use
perguntas como:
- “O que cada personagem estava sentindo?”
- “O comentário ‘sete um’ ajudou ou piorou a
situação?”
- “Como podemos lidar com o incômodo de forma
construtiva?”
- “Qual seria uma forma mais madura de
resolver isso?”
🧠
Conceitos psicanalíticos aplicados (para você saber):
- Projeção: a operadora projeta
sua frustração no fiscal.
- Superego rígido:
julga o fiscal como “desonesto”.
- Ego tentando equilibrar:
com a ajuda do mediador, o ego encontra uma saída cooperativa.
- Desejo inconsciente de reconhecimento:
que precisa ser visto e acolhido.
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