Junho/2020.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre a sensação de desamparo e
a sensação de abandono, pois as veze confundimos o momento de desamparo com a
sensação de abandono. Sendo assim, o sinal de angústia desvela a
situação de desamparo na qual a perda do lugar de amado mergulha o sujeito. Em
alguns casos, são homens, que exibem com lágrimas o desespero ante ao
desemprego, a separação. A dor, quando intensa e duradoura, tem como efeito uma
extrema desorganização da economia psíquica. [...] Em O Futuro de uma Ilusão, por exemplo, Freud (1927/1976) trabalha
a concepção do desamparo em relação à perspectiva da falta de garantias do ser
humano e da criação de deuses para compensá-la, refletindo sobre a origem e a
função da religião e da cultura: “o desamparo do homem permanece e, junto com
ele, seu anseio pelo pai e pelos deuses”, dos quais se espera a missão de
“exorcizar os terrores da natureza, reconciliar os homens com a crueldade do
Destino, particularmente a que é demonstrada na morte, e compensá-los pelos sofrimentos
e privações que uma vida civilizada em comum lhes impôs.
O
desamparo, por sua vez, indica em sua essência vivida o sentimento de abandono,
que é experimentado na descoberta do eu do indivíduo com o mundo. O homem
cresce e percebe que seu destino é permanecer uma eterna criança, que sempre
precisará da proteção de poderes superiores. Conforme a figura de um pai, o
homem [...] cria para si os seus deuses a quem teme, a quem procura propiciar e
a quem, não obstante, confia sua própria proteção (Freud, 1927-1931/1996,
p.33).
Podemos
dizer que no momento de desamparo o homem busca Deus e não Deus busca o homem
para se defender do desamparo infantil no adulto, estabelecendo a religião como
forma de proteção dos seus próprios instintos e ameaças externas, exemplo,
desemprego, roubos, sequestro, assaltos, catástrofes naturais. Caracterizo o desamparo,
como um despreparo do organismo humano para lidar com certos estímulos do meio
como os que acabei de cita acima. [...] O mal de tudo isso é que buscam as agitações da vida como se
a posse das coisas que buscam devesse torná-los verdadeiramente felizes. O
problema é que não os tornam, nunca estão satisfeitos com nada. A grande
consequência disso é que abandonam seu projeto essencial. As preocupações da vida
constantemente os distraem e o perturbam. “O ser-humano, em sua vida cotidiana,
seria promiscuamente público e reduziria sua vida a vida com os outros e para
os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria o tornar-se si
mesmo” (CHAUÍ, 1996 p.8).
Uma
situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de
desamparo. A ansiedade é a reação original ao desamparo no trauma, sendo reproduzida
depois da situação de perigo como sinal em busca de ajuda. O ego, que
experimentou o trauma passivamente, agora o repete ativamente, em versão
enfraquecida, na esperança de ser ele próprio capaz de dirigir seu curso. Os
perigos internos sofrem modificações de acordo com o período de vida, contudo
possuem uma característica comum, a saber, envolvem a separação ou perda de um
objeto amado, ou a perda de um amor.
Essa
perda ou separação poderá conduzir, de várias maneiras, a um acúmulo de desejos
insatisfeitos e, assim, levar a uma situação de desamparo. As religiões
asseguram que o sujeito não ficará desamparado, que terá alguém que não a
abandonou e que poderá se sentir protegido e amparado. [...] Freud no seu texto
“Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
Salmos
27:10 - Porque, quando meu pai e minha mãe me desampararem, o SENHOR me
recolherá. Significa que a experiência de desamparo, ou melhor a falta de
amparo materno/paterno pode ser recoberta pelas experiências religiosas. O
desamparo é um estado inicial do sujeito, correlativo à dependência da mãe para
a sobrevivência, que pode ser disparado novamente por situações extremas, tais
como as vividas num campo de concentração, numa catástrofe natural, num
terremoto, furacão, divórcio, doença terminal, desemprego e o que você
conseguir listar enquanto lê o artigo.
Portanto,
exagerado de uma dura verdade do que ocorre a um sujeito destituído de tudo que
até então lhe era familiar e lhe proporcionava a ilusória sensação de proteção
[emprego, moradia, finanças, relacionamento]; agora se vendo cruelmente diante
de seu desamparo e tendo que recorrer a dar uma explicação absurda para
proteger a si e ao outro, ambos objetos amados. [...] O desamparo é o estado em que se encontra o ser humano
diante da possibilidade, sempre presente, de entrar em sofrimento. Para ele “o
sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo,
condenado à decadência e dissolução (...), do mundo externo, que pode voltar-se
contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e finalmente, de
nossos relacionamentos com os outros homens (FREUD, 1929 p.95)”.
O
aumento de sintomas relacionados à depressão, drogadição e violência demonstra
o desamparo vivenciado pela civilização e que o sujeito vem se constituindo
como pode. Não há vítimas ou culpados. Parece que o desenraizamento, leva a
constituição de Egos flutuantes, ou seja, sujeitos à mudanças de acordo com os
grupos de pertença [igreja, instituições, empresas, redes sociais], e à deriva
do desamparo advindo de vínculos afetivos cada vez mais descartáveis. O tempo é
ceifado do passado e do futuro, separado da história e da memória, e o fluxo do
tempo torna-se um presente contínuo onde a ordem é flutuar. O tempo já não estrutura
mais o espaço. [...] Em sua obra “Além do Princípio do
Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do
passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que
nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos
instintuais que foram reprimidos.
O
desamparo decorre de uma situação de perigo inevitável vivida pelo ser humano
devido à sua imaturidade neonatal; é uma experiência primordial da condição do
vivente. É também considerado como protótipo da situação traumática geradora de
angústia. Desamparo pode ser traduzido como incapacidade de se sair bem de uma
situação difícil [desemprego, divórcio, doença terminal, crise financeira e
outros]; abandono; impotência e estado de desamparo, aquele que está sem ajuda,
desarmado causando medo no indivíduo. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e
será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma
situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Por
tanto o desamparo para Freud decorria de um dado essencialmente objetivo: a
impotência do recém-nascido humano, incapaz de empreender uma ação coordenada e
eficaz. Esse termo expressa um estado próximo ao desespero e resultante do
trauma fundante. O trauma está diretamente ligado ao estado de impotência e de
desamparo do sujeito. Assim, pode-se afirmar que o sujeito exposto a um excesso
de excitação vivencia uma situação de desamparo. [...] O homem é projeto. A necessidade de viver é uma necessidade
de preencher esse vazio, de projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não
somos, é o anseio de continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz
de projetar-se. Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia
contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas
características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a
radical temeridade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a
angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e
sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir
(MORENTE, 1980, p.316)
Neste
caso desamparo é a condição geral no funcionamento psíquico de qualquer pessoa
e, dessa maneira, refere-se ao sentimento de ausência de ajuda [de Deus, do
homem, de parentes, de amigos], como possibilidade efetiva da vida psíquica [sentir
que não tem com quem contar]. O que Freud demonstrou é que essa condição de
desamparo pode se concretizar em uma situação traumática, que é,
essencialmente, uma vivência de desamparo do eu frente a uma acumulação de
excitação, seja de origem externa como interna, com a qual não é capaz de lidar. [...] “A angústia é,
dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode
reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a
que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana.
A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando
se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em
sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
O
perigo do mundo externo passa a ter mais importância e o valor do objeto [ a
falta de dinheiro, de emprego, de sexo, de moradia, de segurança nas ruas]
aumenta em vista da impossibilidade do infante em satisfazer suas próprias
necessidades. Valendo-se da situação de perigo que a esse pequeno ser é estabelecido
desde muito cedo, é estabelecida a necessidade de cuidado que seguirá a esta
criança o resto de sua vida. [...] O ser humano é esse nada, livre para ser alguma coisa.
“Suspendendo-se dentro do nada o ser aí sempre está além do ente em sua
totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se o ser-aí,
nas raízes de sua essência, não exercesse o ato de transcender, e isto
expressamos agora dizendo: se o ser-aí não estivesse suspenso previamente
dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto,
também não consigo mesmo. Sem a originária revelação do nada não há ser-si-mesmo, nem
liberdade. (HEIDEGGER, 1996, p. 41).
A
estratégia da vida pós-moderna é evitar
que a identidade se fixe, a incerteza passa a ser permanente e irredutível. A
segurança também se desintegrou ou está consideravelmente enfraquecida. O
desamparo designa um estado ou situação do lactante que, dependendo
inteiramente de Outro [instituições, empresas, mercado de trabalho, emprego,
dinheiro, parentes, amigos, arquétipo Deus] para a satisfação de suas
necessidades, se revela impotente para realizar a ação específica adequada para
pôr fim à tensão interna originada pela falta de alguma necessidade não
suprida, exemplo, emprego, sexo, lazer, conforto e o que você conseguir imaginar
agora.
Então
o indivíduo volta a compulsão repetição de eventualidades geradoras de desprazer
apenas pôr causa do dinheiro se sujeitando ao mínimo através do masoquismo para
sair desesperadamente da condição de desprazer imediato gerado pelo desamparo.
A
pessoa sem dinheiro se apercebe na mendicância tendo que pedir para ter as
necessidades realizadas. O indivíduo ao passar por vários processos
seletivos com feedback negativo, se apercebe sendo desamparado pelas
instituições as quais participou de processos.
Alguns
candidatos reproduzem pensamento, sentimentos e comportamentos
inconscientemente na alienação de que o desfecho alguma vez será diferente e
não percebem que estão alienados a síndrome da falsa esperança em conseguir o
emprego naquela organização a qual já o rejeitou e permanecem na insistência.
Ainda não se deu conta, acordou, teve insight de que as instituições não o
querem, mas sim o abandonara. Então é hora de acordar e refletir sobre o
desamparo e o abandono.
O
abandono é uma das queixas de pacientes procurarem por psicoterapia. Em boa
parte dos casos, essa procura por ajuda deve-se à auto fobia, isto é, um medo
absurdo que a pessoa tem de que será deixada. Por conta da dependência emocional
que uma pessoa nutre em outra, cria-se um vínculo quase que vital ao dependente.
Mesmo que não veja, isso é bastante prejudicial a si mesmo. A fobia é
frequentemente encontrada em indivíduos que apresentam transtorno de personalidade.
Em suas mentes, seu mundo entrará em colapso porque a qualquer momento seus
entes queridos o abandonarão.
Existe
uma tensão que o acompanha diariamente e afeta a sua saúde mental, emocional e
física. Já as mudanças [demissão, trocar de instituições financeiras, divórcio,
moradias, país], também independente da sua forma, contribui para que esse medo
aconteça. Seja emocional física, desemprego, catástrofe natural, terremotos, financeira
ou até de endereço, um indivíduo sente que algo o deixou e também isso inclui a
morte de um dos pais, onde a pessoa culpa inconscientemente o falecido pelo
evento.
Agora
a ansiedade, embora esse tópico seja mais complexo, podemos reduzir o medo de
ser abandonado a um quadro de ansiedade. Independente da sua forma, essa
aparece como a causa e também consequência do problema. Tensão. Existe um apelo
o que vai vir a seguir e sozinho isso inclui o medo de ficar. E a raiva, onde cria-se
uma relação de amor e ódio pela outra pessoa. Embora uma pessoa a ame, mas a deixou
em dado momento da vida. Há uma culpa mínima também odiá-la passa por causa do
medo de ser nisso, embora a necessidade de ter alguém perto prevalece sobre
isso.
Alguns
sujeitos tem o quadro emocional pouco desenvolvido, ou seja, muitos adultos se
apavoram com a possibilidade de serem demitidos pelas empresas, quando o
mercado de trabalho está instável ocorrendo várias demissões. O emprego e o
dinheiro completam um circulo vicioso da compulsão a repetição ao qual o
indivíduo não percebe. Embora o emprego o complete, o dinheiro também faz
parte. Ou seja, quando perder o emprego, se vão também o conforto emocional e a
ajuda financeira também se vão.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
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FREUD,
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"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
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S. (1927). O futuro de uma ilusão. In: _____. Obras completas. v. 21. Rio de
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S.(1929). O mal-estar na civilização. In: Edição standard brasileira das
obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago,
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HEIDEGGER,
M. Que é Metafísica? Os pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1996
MORENTE,
MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo:
Mestre Jou, 1980.
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