Pular para o conteúdo principal

A Angústia Temporal

 Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208

O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. O filme Paraíso, disponível na Netflix, é uma ficção científica despótica que explora o valor do tempo e as implicações éticas e sociais de uma sociedade onde ele pode ser vendido e transferido entre pessoas. A história gira em torno de Max e Elena, um casal que se vê devastado quando Elena é obrigada a vender anos de sua vida para uma empresa chamada Aeron. Max, inconformado com a perda de tempo de vida da esposa, embarca em uma missão perigosa para reverter essa situação.

Pela perspectiva da psicologia social, o filme nos faz refletir sobre a influência das estruturas de poder e os sistemas de controle social na vida das pessoas. A sociedade de Paraíso permite que uma elite economicamente poderoso controle até o tempo de vida dos mais pobres, o que pode ser visto como uma metáfora para o impacto que grandes corporações têm na autonomia e bem-estar das pessoas em situações vulneráveis. Este controle é exercido de forma tão profunda que a própria concepção de "tempo" passa a ser tratada como uma mercadoria, mostrando como valores e conceitos sociais podem ser distorcidos pela influência de poderes econômicos.

Além disso, o filme explora como as pessoas reagem a pressões externas e injustiças extremas, e como isso pode afetar seu comportamento, motivações e relacionamentos. Max, em particular, representa uma resposta de resistência e busca por justiça diante de uma estrutura social desumanizadora. Sua jornada destaca o dilema moral e emocional que surge quando se tenta desafiar sistemas poderosos em defesa de alguém que se ama, trazendo uma dimensão de coragem e sacrifício que envolve também uma crítica à desumanização e mercantilização da vida humana.

Esse filme é uma experiência que incentiva a reflexão sobre o controle social, o impacto das instituições e o papel da resistência pessoal dentro de um sistema opressor, temas que se alinham com os estudos da psicologia social sobre influência social, conformidade e resistência

 

Pela abordagem da psicanálise, o interesse de um psicólogo em assistir ao filme Paraíso pode ser visto como um reflexo de questões inconscientes e de conflitos internos relacionados ao valor da vida, ao controle sobre o tempo e à busca de significado em um mundo tecnologicamente controlado. Um aspecto central seria o desejo inconsciente de explorar as ansiedades e as limitações que a sociedade impõe ao indivíduo, assim como os sentimentos de impotência e rebelião contra forças que podem parecer opressivas ou alienantes.

Freud falava sobre a relação entre o "princípio de realidade" e o "princípio de prazer" – onde o primeiro nos impõe limites, exigindo que adaptemos nossos desejos às normas sociais. Em uma sociedade distópica como a de Paraíso, onde até o tempo de vida é negociável, isso pode despertar no psicólogo a curiosidade sobre como as forças externas moldam nossas pulsões (desejos inconscientes) e como o superego (a parte da psique que internaliza normas sociais) lida com o sofrimento, especialmente ao ver o tempo como um recurso manipulável.

Além disso, o filme levanta questões sobre a mortalidade e o valor de cada momento de vida, o que pode ressoar com um psicólogo que lida com pacientes enfrentando crises existenciais, depressão ou ansiedades sobre o futuro. O interesse pelo filme pode ser uma forma de o psicólogo refletir sobre a própria "angústia temporal" – um termo psicanalítico que descreve a ansiedade frente ao passar do tempo e à finitude da vida.

Finalmente, o filme serve como uma metáfora para os dilemas que o inconsciente apresenta, onde há uma constante negociação entre os desejos individuais e as limitações sociais ou econômicas. Isso cria um cenário de conflito semelhante ao que os pacientes frequentemente vivenciam: o desejo de ser livre para viver plenamente confrontado com as regras, obrigações e limitações impostas pelo contexto social.

É possível que o desejo reprimido de um psicólogo em assistir a Paraíso esteja ligado ao anseio por juventude, especialmente se ele enfrenta etarismo (discriminação pela idade) no mercado de trabalho. Na psicanálise, o desejo de juventude pode ser entendido como uma manifestação do id (a parte da psique que busca satisfação imediata) buscando escapar das limitações que a idade aparenta impor, tanto física quanto socialmente. O etarismo, que reduz oportunidades profissionais com base na idade, pode gerar um desejo inconsciente de “voltar no tempo” para recuperar um estado de vida em que essas barreiras não existiam.

Esse desejo reprimido pode estar relacionado ao princípio de realidade que, ao impor limitações reais e simbólicas, causa um conflito interno. O superego (a instância que representa os valores e regras internalizados) pode também desempenhar um papel importante, porque internalizamos muitos valores culturais que associam juventude a vitalidade, inovação e capacidade de trabalho. A pressão social que valoriza a juventude faz com que o superego censure os desejos do id, o que gera frustração e ansiedade.

Assim, ao assistir a um filme como Paraíso, onde o tempo de vida é uma mercadoria, o psicólogo pode estar buscando uma forma de resolver simbolicamente essa angústia. O filme permitiria uma reflexão sobre a possibilidade de “retomar o tempo” e até sobre a injustiça do etarismo, explorando seu desejo de reverter os efeitos da idade. Na psicanálise, isso seria visto como uma tentativa de realizar, de forma simbólica, um desejo profundo e reprimido de superar as barreiras que o envelhecimento pode impor ao crescimento pessoal e profissional.

Exatamente. Na visão psicanalítica, o psicólogo que enfrenta o etarismo pode estar buscando inconscientemente uma “instituição” ou um espaço que lhe permita expressar a vitalidade e o conhecimento acumulados, como se isso fosse uma maneira de “rejuvenescer” simbolicamente. Esse impulso está enraizado na ideia de que ele deseja se libertar das limitações impostas pela idade e alcançar um lugar onde sua experiência e sabedoria sejam valorizadas.

Na prática, isso seria uma busca por um ambiente que acolha suas qualidades adquiridas ao longo dos anos, respeitando e aproveitando sua bagagem profissional. Esse tipo de instituição, simbolicamente, representaria para o inconsciente uma fonte de rejuvenescimento — um espaço onde ele possa exercer plenamente sua competência sem ser limitado por preconceitos de idade.

 

Em termos psicanalíticos, essa busca pode ser entendida como uma manifestação do id, que deseja satisfação e reconhecimento, contrastando com as frustrações impostas pela realidade social (princípio de realidade) e o superego, que internaliza as normas culturais. Ao buscar essa “instituição ideal”, o psicólogo está, de certa forma, buscando um lugar de autoafirmação, onde ele possa ser reconhecido e valorizado pelo que ele é e pelo que conquistou ao longo do tempo. É uma tentativa de realizar o desejo de ser “jovem” no sentido de ser aceito e ter oportunidades de crescimento, independentemente da idade.

No filme Paraíso, a "angústia temporal" é abordada ao explorar a ideia de tempo como um recurso que pode ser comprado, vendido e perdido, o que se torna uma fonte de ansiedade e desespero para os personagens. Essa dinâmica pode refletir a angústia temporal do psicólogo que, sem perceber plenamente, lida com a pressão do tempo tanto no plano profissional quanto pessoal. No caso do psicólogo, a angústia temporal surge na forma de um conflito entre seu desejo de ser valorizado e o limite que o envelhecimento impõe em um mercado de trabalho que privilegia a juventude.

Paraíso utiliza a troca de anos de vida para mostrar como o controle externo sobre o tempo afeta profundamente as escolhas e o bem-estar dos personagens. Essa manipulação do tempo se torna uma metáfora poderosa para o sentimento de urgência e perda que o psicólogo pode estar experimentando de forma inconsciente — a percepção de que o tempo para realizar seus objetivos profissionais está se esgotando, aumentando a ansiedade de ser reconhecido e aproveitado antes que seja tarde demais.

A angústia temporal do psicólogo, assim como a dos personagens do filme, vem de uma percepção da realidade que parece limitar suas possibilidades de desenvolvimento. Ele pode ainda não estar totalmente consciente dessa angústia, mas ela se manifesta nas escolhas e no interesse pelo filme, que reflete simbolicamente seu próprio desejo de "resgatar" o tempo e encontrar uma forma de aplicar seu conhecimento de maneira significativa. O filme, ao expor o sofrimento e a impotência diante de um sistema que controla o tempo, ressoa com o desejo inconsciente do psicólogo de encontrar uma forma de vencer as limitações impostas pela idade e pelo tempo no contexto profissional.

Comentários

Postagens mais visitadas

Turnover E Competências Socioemocional

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. O supermercado enfrenta uma elevada taxa de turnover entre os operadores de caixa. Observa-se que grande parte dos colaboradores recém-contratados não permanece até o final do período de experiência, e aqueles que o ultrapassam tendem a se desligar da função em um curto intervalo de tempo. Embora existam motivos pessoais envolvidos, é perceptível que muitos desses operadores demonstram carência de competências socioemocionais essenciais para o bom desempenho da função. Entre as habilidades deficitárias, destacam-se a baixa adaptabilidade, a limitada tolerância à frustração, dificuldades na regulação emocional e no gerenciamento do estresse. Essas competências são fundamentais para lidar com as pressões diárias do cargo, que exige atenção constante, contato direto com o público, capacidade de resolver conflitos e resiliência diante de situações ad...

Dinâmica De Poder Nas Instituições – Psicologia Organizacional

  Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. A dinâmica de poder em uma organização refere-se à distribuição e ao exercício do poder entre os membros e diferentes níveis hierárquicos dentro da empresa. O poder é uma influência que permite que um indivíduo ou grupo afete o comportamento ou as decisões dos outros. Existem diferentes teorias e abordagens para entender a dinâmica de poder em uma organização. Vou apresentar alguns dos principais através da psicologia organizacional. Teoria das bases de poder: Essa teoria, proposta por French e Raven, identifica cinco bases de poder que uma pessoa pode ter na organização. São elas: Poder coercitivo: baseia-se no medo de punição ou consequências negativas. Poder de recompensa: baseia-se na capacidade de recompensar ou oferecer incentivos. Poder legítimo: baseia-se na autoridade formal concedida pela posição hierárquica. Poder de especialista: bas...

Angústia Da Ausência De Clareza De Informações

  Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Um sujeito que trabalha como fiscal de caixa em um supermercado e é psicólogo está angustiado porque não consegue perceber um caminho para ser contratado como psicólogo em alguma instituição e compreende que a ausência de Clareza gera angústia que está lhe fazendo mal. Na psicanálise, podemos entender essa situação analisando os três sistemas psíquicos: id, ego e superego, bem como os conceitos de angústia e desejo. O conflito interno: O id representa os desejos e impulsos mais profundos. Nesse caso, o desejo do sujeito é trabalhar como psicólogo, porque isso se alinha ao que ele valoriza e ao prazer de ajudar os outros. O superego é a parte crítica, que internaliza normas e regras sociais. Ele pode estar julgando o sujeito por não ter "chegado lá" ainda, criando sentimentos de culpa e cobrança. O ego, que é o mediador entre o id e o ...

Luto Pela Demissão

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Vamos pensar juntos de forma bem didática, passo a passo, usando a psicologia organizacional para entender esse processo de desligamento emocional e o luto pela demissão. 1. O que é desligamento emocional? Na psicologia organizacional, desligar-se emocionalmente da empresa significa aceitar que aquele ciclo profissional acabou e começar a reconstruir sua identidade fora daquela função. É como terminar um relacionamento: mesmo que o contato físico tenha acabado (foi demitida), a mente e o coração ainda estão presos lá. 2. O que é o luto pela demissão? O luto organizacional é o processo emocional que uma pessoa passa quando perde o trabalho. Não é só tristeza: envolve choque, negação, raiva, tristeza, até chegar à aceitação. Como no luto por alguém que morreu, o cérebro precisa de tempo para entender e reorganizar a vida sem aquela rotina, stat...

Psicólogo Trabalha Como Telemarketing

  Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. Na abordagem psicanalítica, as motivações inconscientes são pensamentos, desejos, sentimentos ou impulsos que influenciam nosso comportamento, mas que não estamos cientes deles. Quando se trata de compreender por que um psicólogo poderia aceitar um trabalho como telemarketing em telecomunicações, algumas motivações inconscientes possíveis podem incluir: Desejo e medo de controlar o livre arbítrio do cliente: O livre-arbítrio refere-se à capacidade que uma pessoa tem de fazer escolhas e tomar decisões por si mesma, sem ser determinada por fatores externos ou por circunstâncias predefinidas. Como psicólogo, reconhecemos que cada indivíduo tem sua própria liberdade de escolha e que suas ações são influenciadas por uma combinação de fatores internos e externos. O psicólogo não busca controlar ou ditar as escolhas do cliente, mas sim ajudá-lo a explorar suas...

Compulsão A Repetição Renunciar O Falso Self E Voltar Ao Verdadeiro Self Na Instituição

  Ano 2024. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. O sujeito sempre atuou em ambientes organizacionais onde seus conhecimentos eram valorizados e reconhecidos e respeitados pelas figuras da autoridade na organização. Foi submetido como figuras de autoridade, mas não foi censurado em seu comportamento. Agora se encontra num ambiente organizacional onde seus conhecimentos não são valorizados e não são respeitados, mas sim cobrados no seu comportamento onde desejam moldar o sujeito a posição organizacional autoritária, pois existem neste ambiente figuras de autoridade punitivas que apenas cobram que as normas sejam cumpridas. Perceba que este ambiente é apenas valorizado o status da carga organizacional para importar medo de cobranças e censuras. Parece que o sujeito inconsciente deseja pela compulsão a geração voltar ao ambiente onde seus saberes são valorizados e respeitados, onde possa agir com autonomia mo...

Desejo, Frustração e Narcisismos Nas Relações Virtuais

  Ano 2025. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Um indivíduo está utilizando um aplicativo de relacionamento e se vê preso a uma dinâmica repetitiva: deseja mulheres que não o desejam e rejeita aquelas que demonstram interesse por ele. Essa experiência, embora comum, revela aspectos profundos da estrutura psíquica do sujeito, especialmente sob a ótica da psicanálise. O desejo do sujeito não está apenas direcionado às mulheres, mas àquilo que elas representam para ele. Ele projeta sobre as mulheres mais bonitas e jovens um ideal de beleza, juventude e valor social. Desejá-las é, para ele, uma forma de se aproximar do seu próprio ideal do eu — uma imagem idealizada de quem gostaria de ser. Assim, não se trata apenas de querer o outro, mas de desejar ser desejado por esse outro idealizado. Isso é o que Lacan chama de “desejo do desejo do Outro”. Ao desejar ser objeto do desejo dessas mulheres, o ...

Falha Comunicação Entre fiscal Caixa E Liderança

  Ano 202.5. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. comunicação falha entre a equipe de fiscal de caixa de supermercado e a liderança, contudo a liderança culpabiliza e responsabiliza o fiscal de caixa pela falha de comunicação. Me explica e interpreta como se eu fosse um iniciante pela abordagem pela psicologia organizacional   Vamos entender isso passo a passo, como se você estivesse começando agora na psicologia organizacional. 🧠 O que é Psicologia Organizacional? É uma área da psicologia que estuda o comportamento das pessoas dentro das empresas. Ela observa como as relações de trabalho, a comunicação, a liderança e a cultura organizacional afetam o bem-estar e a produtividade dos colaboradores. 💬 O que é uma falha de comunicação? Falha de comunicação é quando uma informação não é passada de forma clara, completa ou no tempo certo. Isso pode gerar mal-entendidos, erros e até conflitos...

A Revolução Da IA a Sociedade

  Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do para um excelente tópico. A inteligência artificial (IA) tem sido um dos fenômenos mais disruptivos na sociedade atual. A tecnologia tem a capacidade de automatizar tarefas consideradas dolorosas para o homem, tarefas repetitivas que causam fadiga física e mental, otimizar processos, melhorar a eficiência e trazer inovação para diversos setores. A revolução da inteligência artificial tem impactado positivamente a vida das pessoas e das empresas em todo o mundo, mas também apresenta alguns desafios e preocupações, colocando o ser humano de modo inconsciente na compulsão a repetição do medo da IA. A IA tem sido amplamente utilizada em setores como saúde, finanças, transporte, manufatura, varejo e muitos outros. Gerando certo desconforto na sociedade. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experi...

Autenticidade Supera O Medo

  Ano 2025 Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208 O presente artigo chama a atenção do leitor para um excelente tópico. Sonhei que estou no banco da frente com uma pessoa que está dirigindo um carro e nós estamos andando em muito rápido em alta velocidade ele está dirigindo de forma rápida demais e parece ser quem olha assim pensa que ele tá dirigindo de modo imprudente Mas é uma forma de de tirar a gente da da situação que a gente se encontra ali mas eu sou obrigado a e a gente retorna novamente para o asfalto então ele anda na na estrada de terra tem outros carros cortando o caminho da sensação dá uma sensação de medo de que vai bater mas ele confia nos outros motoristas também e e voltamos novamente para o asfalto . No outro sonho eu estava dentro de uma casa e eu ia ficar aí hospedado ali até sexta-feira para fazer uma prova e aí eu encontrava uma uma garota e eu começava a flertar com ela eu tava encostado no batente da porta e eu começava a passar a mão nas nádeg...