Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo tem a intenção de pormenorizar para o leitor a representação de
relação desgastada e o bode expiatório, antigamente conhecido como a ovelha
negra. A ligação a cada hora do dia, encontros todas as noites, beijinhos para
lá, abraços para cá. Como se diz, começo de namoro é mesmo um mar de rosas. Mas,
os anos de relacionamento, a construção de uma rotina e o aumento da intimidade
de um casal podem ser fatores decisivos para que o fogo da paixão dê lugar a
uma relação desgastada.
Na
realidade a vida a dois, existe excesso de trabalho, preocupações domésticas,
educação dos filhos e pouco tempo disponível para o diálogo. E manter a saúde
do relacionamento a dois, em meio a tantos desafios, é um exercício diário de
paciência. Lidar com a rotina não é fácil. Combater os efeitos da monotonia no
relacionamento é um trabalho que exige dedicação e esforço de ambas as partes.
No
entanto, nada está perdido quando existe amor. Muitas vezes, uma relação
desgastada é fruto de mágoas passadas que não receberam a devida atenção.
Dialogue sempre! Não há mal nenhum em discutir a relação.
Explique
ao seu parceiro o que lhe incomoda, mesmo que pareça pequeno. Pequenas doses de
chateações diárias podem se tornar grandes desentendimentos no futuro. Quanto
antes falamos, melhor é para o relacionamento. Todo comportamento é aprendido,
mas é difícil mudar algo que fazemos durante muito tempo, por causa da
compulsão a repetição. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer”
(1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado
experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo
há longo tempo, trouxeram.
Por
isso, se você não gosta que a roupa seja jogada no chão, por exemplo, fale isso
o mais rápido possível. Pessoas têm defeitos e isso é um fato com que todos
devem aprender a lidar. Muitas vezes, as pessoas idealizam um modelo por meio
do mecanismo defesa idealização e querem que seu parceiro, ou até mesmo seu
relacionamento, se encaixe perfeitamente nele.
Pense
nas coisas que realmente são importantes e que fazem diferença no dia a dia.
Abra mão de discutir o que não for primordial. Lidar com o outro nem sempre é
uma tarefa fácil, principalmente quando se trata de relacionamento amoroso.
Dividir a rotina, os planos e as escolhas requerem renúncia de ambas as partes.
Quando
não há equilíbrio os envolvidos podem acabar infelizes. Não é raro ver casais
que, mesmo estando insatisfeitos, acabam empurrando com a barriga e deixando
tudo como está. Há diversos motivos para isso costume, medo de mudança, apatia,
medo de ficar só, interesse financeiro, preocupação com os filhos e outros. O
diálogo praticamente deixa de existir, vocês já não conseguem ter uma conversa
comum e descontraída e procuram falar somente o necessário.
Os
indivíduos permanecem em relacionamentos pelo bem de seus parceiros, mesmo que
se sintam desprezados por eles. A ideia de que o término vai causar enorme
angústia no parceiro é um forte motivador para que algumas pessoas escolham não
romper o compromisso, devido ao medo e insegurança de defrontar-se com as
perdas. Muitos não querem admitir que existem problemas que não podem ser
solucionados ou indivíduos que preferem ignorar que o parceiro é a real fonte
de infelicidade. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar”
(1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição,
fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós.
Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a
resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse
passado recalcado desperta em nós.
A
maioria dos relacionamentos tende a entrar em desgaste pelo fato de os amantes
não darem conta das peculiaridades do convívio intenso intimidade, perda da
liberdade, compartilhamento de emoções e dificuldades, anseios e objetivos
distintos, entre outros fatores. Diminuir a parceira, reprimir ou mesmo ridicularizá-la
diante de outras pessoas é um sinal claro de conflitos na relação. Evite expor
sua parceira ou contrariá-la em público, reserve um momento a sós para isso ou
ao contrário.
Trate
seu parceiro como você gostaria de ser tratado, ou melhor dizendo, exerça a
empatia que significa, colocar-se no lugar do Outro, sabendo que não é o Outro.
Sentir-se só, mesmo estando com seu companheiro, que em sua presença demonstra
claro desinteresse em manter você por perto ou participando de outras
conversar, é sinal de que o relacionamento não vai bem.
Entrar
em um relacionamento costuma ser mais difícil do que sair. Por princípio temos
apegos, relacionamentos com a família do cônjuge, bens materiais, mudança de
rotina. Tudo é motivo para irritação, grosseria e falta de paciência. Se vocês
andam esgotados da presença um do outro, seu relacionamento está com os dias
contados.
Não
haver trocas através da comunicação nem o desejo de esclarecer conflitos, é o
maior sinal de que o relacionamento não vai bem ou ainda um dos dois tem o
anseio por terminar, mas não tem coragem o suficiente para dizer ao parceiro. A
comunicação é com certeza a maior aliada de um relacionamento feliz. Faça
perguntas e evite afirmações não embasadas.
Existe
uma tendência a protelar decisões, empurrar com a barriga situações
desgastantes, ignorar o que incomoda. Porém, por inúmeros motivos, os
relacionamentos passam por períodos de desgaste. Uma das maiores dificuldades
está na questão do diálogo. A escassez de conversa e a falta de paciência em
ouvir o outro influenciam negativamente o relacionamento, seja entre pais e
filho, esposa e marido, irmãos e irmãs, entre amigos.
Um
dos vilões mais difíceis de combater em um relacionamento, no entanto, é a
monotonia da rotina que se instala com o passar do tempo. A convivência no dia
a dia cria uma espécie de costume com a presença do outro. Nessas situações, o
desejo e a sedução são deixados de lado. Paradoxalmente, o amor precisa da
aproximação, do aconchego e da intimidade, mas o desejo necessita da distância
e de um pouco de incerteza, ingredientes importantes para despertar a vontade
de matar a saudade.
O
desemprego é um aspecto importante capaz de dar início ao desgaste numa relação
familiar, pois a ausência do papel moeda para suprir as necessidades básicas
dos indivíduos encaminham para discussões acaloradas entre os membros. O
desempregado é capaz de ser visto como a ovelha negra da família, onde tudo que
acontece de mal com os membros a culpa recai sobre a ovelha negra desempregada.
Os
membros da família que não estão dispostos a alterarem seus comportamentos,
eliminando os hábitos nocivos para que o convívio seja harmonioso formam
coalisão, isto é, acordos momentâneos inconscientes entre eles, na
intencionalidade de responsabilizar um único membro elegido como fracassado por
estar na posição de desempregado por inúmeras razões desconhecidas aos membros
com atitudes infantis, como bode expiatório. [...]Mecanismo defeso regressão é
um retorno a um nível de desenvolvimento anterior ou a um modo de expressão
mais simples ou mais infantil. É um modo de aliviar a ansiedade escapando do
pensamento realístico para comportamentos que, em anos anteriores, reduziram a
ansiedade.
A
teoria do bode expiatório é um termo da psicologia social que se relaciona com
o preconceito. Segundo esta teoria, as pessoas podem ter preconceito contra um
grupo, ou uma pessoa da família a fim de desabafar e deslocar a sua raiva, por
meio do mecanismo de defesa deslocamento.
Em
essência, elas usam o grupo/ e ou pessoa que não gosta como alvo para toda a
sua raiva como um respiradouro. Ou em outro termo, a violência verbal/ e ou
psicológica na família é o complexo do bode expiatório.
Nas
relações humanas, certos indivíduos têm reforçado de forma neurótica o
sentimento de culpa e com isso a necessidade de apontar o dedo para o bode
expiatório, porque é mais fácil culpar terceiros, por não entender ou não saber
lidar com suas frustrações e decepções, responsabilizando os outros no ponto de
vista moral e psicológico.
Nesse
sentido, filhos culpam os pais pelas brigas na família, professores culpam os
alunos pelas notas baixas, maridos culpam as mulheres pela falta de afeto no
casamento, médicos culpam os pacientes pelas suas doenças, torcedores culpam os
técnicos pelas derrotas do seu time, os cristãos culpam os demônios pelas
doenças e desemprego e por aí vai.
Cria-se
um círculo vicioso, que transforma a tudo e a todos em culpados, inclusive
imaginários, sem compreender a origem do sentimento de culpa. Portanto, o bode
expiatório é a transferência do sentimento de culpa, que se constitui em um ato
irracional e ilusório sem a constatação real dos sentimentos e dos fatos,
alimentando a ansiedade e a angústia em relação a si mesmo, que são
transferidas de maneira inconsciente ou consciente para outras pessoas.
Em
outras palavras, o bode expiatório desempenha o papel daquela pessoa sobre quem
se faz recair a culpa dos outros ou a quem se imputam todos os reveses e
desgraças na narrativa que a família constrói para se exonerar, tornando o
reservatório de todos os sentimentos, atitudes e comportamentos negativos que
não deseja reconhecer como seus. O bode expiatório se torna uma ferramenta para
explicar o fracasso familiar ou más ações, preservando uma imagem positiva
familiar com intenção de deslocar a raiva. [...] Deslocamento, este
mecanismo está relacionado à sublimação e consiste em desviar o impulso de sua
expressão direta. Nesse caso, o impulso não muda de forma, mas é deslocado de
seu alvo original para outro. Exemplo, ao ser despedido de uma empresa, um funcionário
leal sente raiva e hostilidade pela forma como foi tratado, mas usualmente tem
dificuldade de expressar seus sentimentos de forma direta.
Essa
pessoa, considerada a ovelha negra, permite que a família pense que é uma
unidade mais saudável e funcional do que realmente é. Se não fosse por aquele
indivíduo, a família seria perfeita e feliz, no caso pode ser a figura paterna
desempregada, pessoas portadoras de necessidades especiais, indivíduos com
algum tipo de orientação sexual, sujeito dependente de substancias psicoativas.
O
bode expiatório em famílias tóxicas também explica que esta pessoa atua como
uma espécie de válvula de escape para dar lugar às tensões que se acumulam na
família, para que não se desintegre causando grandes conflitos entre todos os
seus membros ao comportamento violento.
Nas
famílias, não é incomum que uma criança seja o bode expiatório. Alguns pais e /
ou mães usam seus filhos como bodes expiatórios para dar vazão a suas
frustrações e culpá-los por seus erros. Há filhos adultos que as vezes se
posicionam como líder na família tendo que prover as figuras parentais por
períodos longos no desemprego, e tendem a se portar como agressores e
inconscientemente elegem qualquer uma das figuras parentais como bode
expiatório por não suportar a carga de responsabilidade.
O
membro escolhido se tornará o inimigo número um de toda a família. Ele será a
pessoa que todos apontam como gerador de conflitos familiares, mesmo que esteja
a milhares de quilômetros de distância ou mesmo que praticamente não tenha mais
nenhuma relação com o sistema familiar.
Às
vezes, o membro da família mais fraco ou mais sensível é escolhido. É
improvável que essa pessoa responda a tentativas de culpar e humilhação, mas
estará disposta a carregar o fardo inconsciente que colocaram sobre seus
ombros. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e
será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma
situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162).
Frequentemente,
mesmo esse padrão de abuso é justificado como necessário para fortalecer aquela
pessoa. Porém, o mais comum é escolher o membro mais forte ou mais rebelde que
busca conquistar seu espaço, digo, aquele que confronta as ideias e não aceita
a submissão sem questionar os outros, pois geralmente é o que mais gera
problemas e costuma ir contra a dinâmica familiar abusiva estabelecida.
Pode
ser o membro mais inteligente da família ou o mais independente que, de uma
forma ou de outra, ameace a autoridade do líder que pode ser pai, mãe, filho.
Em geral, também são pessoas com um senso de justiça exagerado ou distorcido do
que o dos demais membros da família.
Referência
Bibliográfica
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
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