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Etarismo, Não Tenho Mais Idade Para Isso

 Ano 2023. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208

O presente artigo convoca o leit@r a observar o ageismo é a discriminação contra indivíduos ou grupos etários com base em estereótipos associados à idade. O etarismo é um tipo de preconceito e pode assumir muitas formas, desde atitudes individuais até políticas e práticas institucionais que perpetuam a discriminação etária. A idade cronológica serve de indicador para um conjunto de mudanças físicas e comportamentais esperadas em nosso ciclo de vida, porém, ela não consegue abranger toda a complexidade que o conceito envolve.

A idade pode ainda ser analisada sob as perspectivas biológica, social e psicológica, mas a mais interessante delas, ao meu ver, é a concepção de idade subjetiva, tratada pela psicologia, ou identidade etária, em uma abordagem sociológica bastante parecida. A idade subjetiva nos ajuda a compreender as incongruências entre a imagem que temos de nós e a que os outros têm.

Ela faz com que o indivíduo tenha a impressão de vivenciar uma idade diferente de sua idade cronológica real. Acredita-se que a idade subjetiva seja um indicador mais complexo do que a simples opinião sobre sentir-se velho ou jovem, pois ela parece ter, de fato, consequências sobre o processo de envelhecimento.

O etarismo, preconceito que se baseia na idade para supor o grau de capacidade do indivíduo, é um dos responsáveis pela alta taxa de depressão na faixa da população de 60 anos ou mais, além de suportar preconceitos acerca da população madura. A partir de determinada idade, em especial se vier acompanhada da aposentadoria, o sentimento de inutilidade pode surgir, normalmente pela diminuição das atividades sociais e profissionais dos 60+.

Por exemplo, quando uma pessoa idosa está na fila do caixa de eletrônico é comum que os demais prefiram uma fila mais longa, a esperar que ele utilize o equipamento, partindo da suposição que a pessoa madura terá dificuldades em lidar com o sistema. O mesmo ocorre quando, no trabalho, os gestores preferem atribuir atividades emergenciais para colaboradores mais novos porque, teoricamente, terão mais facilidade em desempenhar a função. A geração Z também tem preferência por profissionais da saúde como psicólogos que demonstram a mesma idade cronológica do cliente. Projetando por meio do mecanismo de projeção, sobre os psicólogos mais velhos o preconceito contra a velhice, por não saberem lidar com o medo da finitude.

Ainda no âmbito profissional, a taxa de contratação de idosos é extremamente baixa e quando esse trabalhador perde o emprego, ou precisa se afastar, automaticamente acaba encontrando barreiras a mais para retornar ao mercado de trabalho, quando o consegue. Porém na maioria das vezes não logra recolocação no mercado de trabalho, consolidando a exclusão.

Mesmo que tenha as competências requeridas para cumprir com as atividades de um cargo, encontra maior resistência para ser selecionado pelo recrutador simplesmente por pertencer a uma faixa etária mais madura.

Outra ação característica do etarismo muito comum é desconfiar da versão da pessoa idosa referente a fatos, seja em um testemunho, uma história, ou até mesmo durante um relato médico. O idoso chega até pensar de modo disfuncional criando a crença, eu não tenho mais idade para isso. Não usar mais minissaia; cabelo longo, nem pensar; fazer tatuagens e namorar caras mais novos, não obrigado, já foi a época. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162).

Porque, à medida que vão envelhecendo e atingindo certos marcos de idade [como, por exemplo, 40 ou 60 anos], tantas mulheres como tantos homens passam a impor certas regras a si mesmas sobre o modo de comportar-se, de se vestir e às vezes até de pensar.

É delicada, a questão do etarismo tem a ver com autoestima e autoconhecimento, sim, mas também sofre influência de fatores socioculturais. É complicado envelhecer em um país que cultua a juventude eterna, o novo, o que acabou de lançar, seja, smartphone, vestuários de modas, relógios, automóveis e o que você pensar enquanto lê o artigo.

As pessoas se tornam descartáveis como um objeto, um aparelho de tecnologia. Em muitos setores profissionais, alguém de 50 anos é tido como velho para o mercado de trabalho. As experiências acumuladas são pouco valorizadas. Isso, especialmente para as mulheres, é muito impositivo. É como se não pudéssemos envelhecer. É o reflexo de uma sociedade que preza muito mais pela estética do que pela história.

O ageísmo [ou etarismo] foi um termo criado em 1969 pelo gerontologista norte-americano Robert Butler. O nome surgiu para designar estereótipos, geralmente negativos, e discriminação contra pessoas baseados na idade delas. Este é um fato interessante, pois, caso nossa vida tenha um curso natural, todos iremos envelhecer.

Ao aceitarmos a realidade, podemos escolher como administrar as dificuldades e usufruir dos ganhos. De modo geral, as pessoas tendem a destacar mais as perdas do que os ganhos. Esse modo de experimentar os fenômenos da vida acaba trazendo limitações, muitas vezes autoimpostas.

As pessoas não acreditam que podem ter desejos e necessidades diferentes dos padrões sociais estabelecidos. Podemos combater o ageísmo, mas não temos como fazê-lo desaparecer. Muito provavelmente continuarão existindo os estereótipos, preconceitos e discriminação em relação às pessoas por conta da idade que têm. Continuarão existindo também os próprios preconceitos com relação à idade e o desejo de parecer jovem para ter aprovação social.

O ser humano é um ser social, gostamos de ser admirados e bem-vistos aos olhos dos outros. O etarismo e outros termos que surgiram recentemente apontam para uma realidade que estava subnotificada ou escondida. Mas há muito, a gente indicava que os estereótipos em torno do envelhecimento falam de uma velhice que é desconhecida e de como essa visão está impregnada em todas as áreas do conhecimento e do senso comum.

Basta vermos os dados de violência, a realidade dos mais velhos, a falta de acesso aos recursos públicos, as políticas públicas despreparadas para o acolhimento de idosos, que percebemos que o preconceito está mais impregnado do que a gente poderia imaginar.

A pandemia escancarou esse preconceito e os velhos foram culpabilizados. Ouvimos que o isolamento ocorreu para não contaminar os idosos e que eles poderiam morrer para a sociedade continuar ativa.

Isso é o mesmo que dizer que os nossos idosos são inúteis, que não vale a pena investir neles, que estão atrapalhando o caminhar produtivo da sociedade. Mas isso contraria os nossos estudos. Em uma família de baixa renda, é importante ter um avô ou avó que fique com os netos, cozinhe, lave e passe a roupa.

Embora seja preocupante essa participação nessa faixa etária da vida, o que vemos é que ela permite que a família trabalhe e estude, que as crianças façam uma atividade a mais, isentando o Estado desses suportes tão necessários que deveriam estar mais organizados, e infelizmente não estão. A fragilidade física é tida como um defeito, um traço que os velhos possuem. Eles são vistos como um estorvo porque são mais frágeis e correm mais riscos.

Nós estamos falando que os indivíduos frágeis e aqueles que possuem alguns problemas físicos não têm lugar na nossa cultura. Isso é muito sério porque desdobrando esse preconceito, chegaremos em outros, como o afastamento das pessoas que adoecem e das que possuem dependências, sem pensar o contrário. Olhar para as necessidades dos mais velhos é ampliar os horizontes de um bem estar que reverte para o coletivo. Tanto que a gente fala que uma cidade amigável para os idosos se torna favorável para todos que moram nela.

Não dá nem para dizer que a longo prazo eu vou me beneficiar, pois, na realidade, tem que entender que eu me beneficiaria com isso agora. Quando a pessoa atinge a tal da idade cronológica definitiva, digo definitiva no sentido das definições que existem, passa a fazer parte de um bloco homogêneo. Isso não é verdade porque temos realidades de velhices socioeconômicas muito diferentes.

Há corpos desgastados pelos trabalhos braçais que são diferentes dos corpos que puderam sempre se preservar, cuidar e fazer acompanhamentos médicos. Há as diferentes cronicidades, com alguns tipos de envelhecimento que exigem mais amparos físicos. Essa não é uma característica da maioria das pessoas que envelhecem, pelo contrário, as pessoas têm cada vez mais possibilidades de envelhecer bem.

Usando um termo forte, essas pessoas que não são subjugadas aos estereótipos negativos, podem dar muitas contribuições no âmbito familiar, de voluntariado e também profissional. O mercado de trabalho é restrito e muitas vezes os profissionais mais velhos têm de sair para dar entrada aos mais jovens e isto é um ciclo normal de rotatividade. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.

Muito bem, então vamos fazer acordos e preparar esses velhos para estes muitos anos a mais que eles terão. Porque são anos de muita possibilidade produtiva. Se não tiver preparo para esse envelhecimento ou se a pessoa não se sentir inserida e participante, esse envelhecimento longevo vai ser um peso para os sujeitos e para a sociedade. É fato que o Estado não tem cuidado de seus velhos.

O que vemos é que há sempre uma tendência a trabalhar as patologias, mas nunca os potenciais da velhice, o que acentua os preconceitos e os estereótipos em relação à velhice. As atividades, os investimentos, as propostas de criação de espaços são muito pequenas e pontuais e muitas vezes não dão conta do que os velhos querem, apesar de que existem serviços muito interessantes criativos. As pessoas precisam de ajuda para ver como vão se reinserir, o que precisam e o que custear.

Quando em acolhimento plantão psicológico podemos perguntar para elas mesmas o que querem. Conhecemos experiências isoladas. Que angustia é essa que ela está vivendo nesse momento que, inclusive, a fragiliza mais ainda. Muitas vezes as demandas não são da velhice, mas são traços de questões malcuidadas ao longo da vida e que agora elas vão investigar o que bancam e o que não bancam. Vão mexer nesses conteúdos. Só o fato de poder por em cima da mesa dá um alívio.

Eles trazem questões como o que fazer com o casamento, a baixa renda da aposentadoria, o desemprego do filho, o filho que volta para casa e a mãe que não tem a coragem de dizer não, pois agora não queria amparar netos adolescentes, por exemplo.

Chegam para reconhecer o desgaste de uma série de amparos que davam para os familiares e até profissionalmente. Sentem dificuldade de colocar em prática muitos desejos que não puderam ser realizados porque o marido não quer mais viajar, não há dinheiro, a chegada de uma doença terminal ou por falta de autonomia mesmo.

Ter um grupo, desenvolver a confiança, com exercícios de sociabilidade, de trocas, transferências, promove uma possibilidade fantástica de a pessoa se repensar. É comum que filhos, filhas e parentes mais próximos, com a autêntica intenção de proteger, tentem impedir o idoso de desempenhar algumas atividades e de ter novas experiências.

Eles são privados de exercer um trabalho, de praticar um exercício ou mesmo de ter relações afetivas, de namorar, de se casar. Se tentam fazer algo, acabam ouvindo que não podem por estarem velhos. Mas, na verdade, eles podem, sim, mesmo que dentro de alguns limites, é o que avalia o profissional da saúde.

Em função do ageísmo, idosos recebem tratamento diferencial e têm acesso desigual a oportunidades e a direitos sociais, com base no critério de idade e na falsa crença em que todos os velhos são frágeis, desamparados, lentos, dependentes e improdutivos, um peso para a sociedade, para alguns filhos e parentes. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram.

Encontramos também o preconceito etarismo inserido na religião, onde o idoso busca um local para ser acolhido ter sentimento de pertença, aplicar seu saber que foi  manuseado para o desenvolvimento da sociedade e anseia por transmiti-lo reproduzindo para os fiéis, mais novos ou da mesma faixa etária, todavia alguns indivíduos agem com discriminação, e ainda que exiba as competências requeridas para cumprir com as atividades de um cargo, encontra maior resistência para ser elegido por pertencer a uma faixa etária mais madura.

Recusando a mão de obra do sujeito de modo consciente frustrando a atuação do idoso como voluntário ou impedindo até de ser contratado pela igreja para exercer algum cargo obtendo como gratificação um salário, através do mecanismo defesa recusa ao dizer ao idoso, vamos orar a Deus e depois volte a me procurar.

Neste instante o indivíduo crente transfere a responsabilidade de fazer uma escolha, para Deus e por meio do ato falho se esquece de analisar o currículo do idoso e suas competências porque não é conveniente defrontar-se com sua falta de saber. E depois em oração diz ao idoso que Deus o recusou, digo excluiu do exercício de um trabalho, para que sua consciência fique tranquila, mas na realidade quem excluiu o idoso foi o próprio sujeito cristão.

A recusa trata-se de eliminar uma representação incômoda, não a apagando [anulação] ou recusando [denegação], mas negando a própria realidade da percepção ligada a essa representação da finitude. Uma variante da intolerância, o ageísmo é intensificado pela pobreza, pela desigualdade social, pelo baixo nível educacional, pelo gênero e pela cor da pele de boa parte dos idosos.

É potencializado pela tendência de negar a velhice porque nos lembra da morte, mas sobretudo da dependência, da perda de identidade, e da invisibilidade que muitas vezes acompanham o envelhecimento. O etarismo é internalizado pelos idosos, que aceitam como naturais os tratamentos discriminatórios, desrespeitosos, paternalistas, compassivos ou falsamente positivos que recebem das leis, das instituições sociais, dos serviços públicos e privados, dos meios simbólicos e das redes sociais.

A pandemia tem suscitado questões éticas do direito à vida, da legitimidade da destinação de ajuda aos idosos, da necessidade de fazer escolhas com relação a quem deve viver e quem deve morrer, e da priorização da vida ou da economia.

O ageísmo intensifica o envolvimento emocional e a polarização de opiniões com relação dilemas éticos. Ajuda a gerar discursos de ódio e escárnio e alimenta a permanente confusão e a premeditada crise geradas por líderes políticos que desorientam a população, menosprezam a ciência e não demonstram a menor empatia ou compaixão pelo destino das pessoas, em especial os idosos. [...]Mecanismo defeso regressão é um retorno a um nível de desenvolvimento anterior ou a um modo de expressão mais simples ou mais infantil. É um modo de aliviar a ansiedade escapando do pensamento realístico para comportamentos que, em anos anteriores, reduziram a ansiedade.

A cultura do cuidado, da solidariedade intergeracional e da velhice estão em risco, é uma boa hora para debater essas questões, influenciar o discurso público e modificar as práticas sociais em relação à velhice.

O etarismo possui, portanto, impactos profundos no bem-estar e na saúde do idoso. Afinal, ao ter a sua capacidade e competência questionadas, a pessoa idosa passa a sentir ainda mais receio de realizar funções do cotidiano e tende a ratificar o preconceito, apresentando, assim, maior dificuldade de se recuperar, demonstrar sua capacidade e atuar na plenitude de suas capacidades.

O medo de falhar e ser julgado pela sua faixa etária também faz com que tais pessoas comecem a se isolar do convívio social. O que, naturalmente, diminui o contato com as mudanças e evoluções do mundo, dificulta o aprendizado e aumenta a insegurança financeira e a incidência de casos de depressão. Além dessas questões, a exclusão e descriminação desincentiva a busca por cuidados físicos e mentais, aumentando os riscos de adoecimento, vícios e morte precoce.

O etarismo, portanto, corrobora com o distanciamento entre gerações, mantendo o idoso à margem da sociedade. Conclui-se, então, que diminuir o indivíduo devido à faixa etária gera impactos no âmbito social, econômico, físico e psicológico.



Referência Bibliográfica

FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal Popular, 1968

FREUD, S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.

FREUD, S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914). "Recordar, repetir e elaborar ", v. XII

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