Ano 2022. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leit@r a compreender que a religiosidade e a
espiritualidade são consideradas como fatores contribuintes na melhora da
qualidade de das pessoas, tendo em vista que auxiliam na construção de sentido
ou propósito para as ações que realizam para o futuro que buscam concretizar. Noto
que o indivíduo quer comprar um produto entra no site do mercado livre. Quer
comer entra no Ifood, quer sexo entra no Tinder. Como se satisfaz o sentido
para a vida? Será que a espiritualidade ajuda na saúde mental da pessoa? Qual o
conceito de espiritualidade para os indivíduos. Bem de ante mão o primeiro
pensamento é sobre religião. Mas e o indivíduo que não tem crença religiosa,
será dotado de espiritualidade ou não. Será que só quem tem direito a
espiritualidade é aquele que segue uma crença religiosa ou não.
Antigamente,
a TV era o remédio para o tédio. Sem nada para fazer? Ligar a TV e ver o que
estava passando no momento era o estímulo que faltava para quebrar aquela
calmaria chata. Ou será que não? Hoje em dia, a TV já não é mais suficiente. Você já deve ter observado [ou vivido] o
seguinte comportamento, além da TV ligada, o celular está na mão para comentar
o programa, responder o WhatsApp ou rolar o Instagram. Estímulo e mais estímulo
e movimento. Um pavor imenso do tédio. Pode até parecer inofensivo, mas o
imperativo de fazer, fazer e fazer sem nunca parar pode levar a um adoecimento
emocional e físico.
A
necessidade de se dar sentido às coisas, a necessidade de se encontrar um ou
vários sentidos à vida, o encher de sentido o que nos rodeia, acaba por ser
algo necessário e essencial em determinados momentos, em maior ou menor grau,
mas necessário! Segundo Nietzsche: “Aquele que tem uma razão para viver pode
suportar quase tudo”. Sem esse sentido, o dia-a-dia pode-se tornar mais longo e
pesado... abrindo a possibilidade de surgir o “vazio existencial”, que pode
surgir perante determinadas situações, como, ausência de emprego, estar na
condição de aposentadoria, impossibilitado de locomover-se fisicamente e o que
você pensar enquanto lê o artigo e algumas delas de intenso stress, na vida de
uma pessoa, nomeadamente lutos e perdas vividas ao longo da vida.
Quando
uma situação inesperada surge, nos primeiros momentos é um choque e é
necessário tempo para se dar sentido a essa nova situação. Essa sensação de
vazio e consequente perda de vontade, pode permitir o desenvolvimento de uma
depressão, estresse, crise de ansiedade ou algumas outras perturbações
psicológicas, caso se fique agarrado à situação [de perda por exemplo] e esse
vazio for perdurando no tempo.
Quando
uma pessoa se vai envolvendo nesse seu vazio existencial, muitas vezes descrito
como uma espiral, pode levar cada vez mais a um desajuste emocional e uma
grande dificuldade da pessoa se auto regular. A falta de sentido na vida pode
fazer com que a própria existência perca o seu significado, e a pessoa vai-se
sentindo vazia, abandonada, desvalorizada e insignificante. [...] Em sua
obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a
repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade
alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo
para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Pode-se
ir tentando fugir desse vazio e dessa dor e se pré-dispor a ocupar o tempo com
atividades e com pessoas, procurar escapes [muitas vezes adições], mas essa
fuga não vai mudar esse vazio, ele vai continuar lá. No entanto, o vazio
existencial pode ser preenchido, pode ser compreendido, pode ser apaziguado e
acolhido, pode ser cuidado e abraçado, pode-se ir enchendo esse vazio com
calor, ternura e afeto, e dando sentindo às experiências vividas e à vida. A
coragem de se ir ao encontro desse vazio, compreendê-lo, dar-lhe um sentido,
irá permitir a pessoa conhecer as suas próprias necessidades para o poder
preencher com o que lhe mais falta.
A
Psicologia utiliza o método científico de compreensão dos fenômenos. Neste
sentido, trata-se de uma racionalidade distinta da religiosa. Ambos os
conhecimentos coexistem e podem dialogar entre si. Porém, o psicoterapeuta não
questionará o entendimento que o sujeito faz de suas questões com base na
religião. O processo psicoterapêutico busca compreender de que modo esse
entendimento impacta nas questões psicológicas e vice-versa. A fé ajuda os
indivíduos a atravessarem os momentos difíceis da vida, sendo a doença e a
morte os maiores dentre eles. Entretanto pode acontecer do paciente recusar
atendimento psicológico alegando que a fé lhe é o bastante. A psicologia da
saúde estimula o paciente a falar sobre a religiosidade e sobre qualquer
assunto pertinente ao paciente e não só sobre doenças. A religiosidade impulsiona as pessoas em
direção a uma verdade maior transcendente Deus, enquanto que o psicólogo
favorece o encontro do indivíduo com a verdade particular e individual, ou
seja, seus desejos diante da experiência de adoecimento, dos conflitos
familiares, do desemprego e por aí vai.
A
dificuldade de alguns para aceitar a associação entre fé e psicologia vem dos
exageros, tanto de um lado como do outro. Existem aqueles que julgam a
psicologia desnecessária por crerem na possibilidade de serem curados sem
auxilio de um tratamento psicológico, atendimento psicológico, orientação
psicológica e outros serviços de psicologia. Em contrapartida, muitos cristãos
agem por meio do mecanismo defesa negação, negando, como se a única
possibilidade de recuperação da saúde se encontrasse no cristianismo ou os
psicólogos apenas na psicologia. As duas posições são desmentidas pela ciência
e tão pouco possuem fundamento Bíblico. [...] Negação Provavelmente é o
mecanismo de defesa mais simples e direto, pois alguém simplesmente recusa a
aceitar a existência de uma situação penosa demais para ser tolerada. Ex: Um
gerente é rebaixado de cargo e se vê obrigado a prestar os mesmos serviços que
exercia outrora.
Atualmente,
temas ligados à espiritualidade e à religiosidade tem se tornado cada vez mais
presentes no cotidiano de nossa sociedade e, como afirmam Cambuy, Amatuzzi e
Antunes (2006, p. 79), tem incidido com muita frequência na clínica
psicológica. Paralelo a isso, vimos também da parte dos profissionais da
psicologia um distanciamento ou evitação de se abordar este tema, malgrado,
para atender a estas demandas é necessário que o psicólogo compreenda esta
manifestação humana que, embora tenha um significado muito próximo ao conceito
de espiritualidade, difere deste em alguns aspectos.
Para
entender bem o termo espiritualidade, é necessário distingui-lo de religião. O
conceito de religião refere-se ao aspecto institucional e doutrinário de
determinada forma de vivência religiosa. Define-se por determinadas crenças e
ritos referidos ao transcendente e entendidos como meios que oferecem salvação.
Portanto, a espiritualidade e a religiosidade caracterizam-se pela dimensão
essencialmente experiencial, enquanto que a religião está calcada no aspecto
institucional e doutrinário. O presente artigo estará focado na
espiritualidade/religiosidade em sua relação com a saúde mental e não no
fenômeno da religião.
Acredito
que a saúde mental é um estágio em que o sujeito se encontra em equilíbrio,
dentro de fatores, como, fator comportamental, fator cognitivo, fator afetivo,
fator familiar, fator biológico, espiritual também. (...) A espiritualidade
está a favor da mudança e promove mudança. A espiritualidade manifesta-se como
religiosa, quando essa transcendência repercute de tal forma na transformação
da vida da pessoa que o experimentado não se explica apenas por forças contidas
na interioridade da pessoa, mas é sentido como a presença de um absoluto,
identificado como Deus. Essa forma de espiritualidade foi também chamada de
mística (Vasconcelos, 2006).
A
influência da religiosidade sobre a saúde mental é um fenômeno resultante de vários
fatores como: estilo de vida, suporte social, um sistema de crenças, práticas
religiosas, formas de expressar estresse, direção e orientação espiritual
(Moreira-Almeida, Lotufo Neto, & Koenig, 2006).
Stroppa
e Moreira-Almeida (2008) demonstram que muitos estudos apontam, em seus
resultados, que maiores níveis de envolvimento religioso estão associados
positivamente a indicadores de bem-estar psicológico, como satisfação com a
vida, afeto positivo e moral elevado, felicidade, melhor saúde física e mental.
Sabemos
que alguns conflitos espirituais podem estar associados a problemas de saúde
mental. Em sua essência, eles tornam as coisas piores para as pessoas. Então,
mais uma vez é importante para os profissionais de saúde mental saber como
ajudar as pessoas quando elas estão passando por períodos de conflito. Como acolher
as pessoas quando são chacoalhadas em sua essência. O terapeuta não pode ser
preconceituoso. Pode ter as crenças, os valores e os parâmetros que ele segue
na vida dele, mas não pode impor isso em ninguém, a nenhuma pessoa, porém
compreender que o indivíduo em conflito está inconscientemente na compulsão a
repetição. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar”
(1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição,
fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós.
Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a
resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse
passado recalcado desperta em nós.
Fatores
que evidenciam a importância de se integrar a espiritualidade ao cuidado de saúde
mental estão, a religião que é um fato cultural e as pessoas desejam um cuidado
espiritual; e por isso a espiritualidade é um recurso para muitas pessoas. A espiritualidade
está ligada a resultados positivos de saúde e, por fim, espiritualidade pode
ser uma fonte de problemas as vezes, como, extremismo; preconceito; hipocrisia;
culpa incapacitante; passividade e negação. As lutas emocionais causadas pelos
problemas citados, se manifestam em três dimensões. Primeiramente, a pessoa
luta com algo divino, coloca Deus, por exemplo, no âmago da sua inquietação.
Depois, as lutas espirituais dizem respeito aos relacionamentos interpessoais
e, por último, as lutas acontecem de forma pessoal e intrapisíquica, ou seja, a
pessoa luta com ela mesma. Estas inquietações demonstram que a espiritualidade,
portanto, não pode ser separada do tratamento. Uma vez em que as crenças da
pessoa fazem parte do contexto emocional ao qual se encontra.
A
fé nos auxilia na vivência de uma vida mais plena, pois ela nos ensina a
acreditar nos outros e a acreditar na vida. Acreditar faz parte da estrutura
mais profunda da vida humana. A fé humana abre caminho para a fé religiosa. Daí
a necessidade de compreendermos, em primeiro lugar, a estrutura antropológica
de uma experiência de fé, isto é, quais os componentes próprios do ser humano
que estão implicados no ato de fé.
A
fé humana é definida como um ato de se acreditar em algo ou em alguém, o
primeiro ponto a ser discutido é, qual a experiência humana que possibilita o
homem crer, isto é, acreditar em alguém. Todo ser humano ao nascer necessita de
cuidados especiais para sobreviver diferentemente da maioria dos animais. O
sentimento de confiança é a base para uma experiência de fé. Quanto mais
confiança na vida, mais possibilidade de acreditar no outro, ou seja, superar o
medo, pois a confiança gera uma força em mim onde sou capaz de arriscar. Só
arrisca aquele que tem confiança na vida e acredita no outro [alguém ou Deus].
Ter fé implica risco.
O
sentimento de confiança está na base da fé. Também podemos dizer que a fé nos
abre para o outro. Dessa forma, cada ser humano vai viver tanto a fé humana
como a fé religiosa a partir de sua estrutura pessoal, a partir do conjunto das
experiências humanas que fazem parte de sua vida. Outra experiência marcante
para que a fé seja experimentada como algo fundamental é a experiência do dom
da vida. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e
será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma
situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162).
Ao
passarmos à análise da fé religiosa, se faz necessário uma distinção entre
espiritualidade, religiosidade, religião e fé religiosa. A espiritualidade
designa o mergulho que fazemos em nós mesmos. Para esse mergulho utilizamos de
técnicas de meditação e ao experimentarmos a realidade como um todo, estamos
vivendo a nossa espiritualidade. A espiritualidade é uma atividade do nosso
espírito e não necessariamente implica fé. Religiosidade implica uma abertura
ao mistério, a algo maior do que o ser humano e que para designá-lo utilizamos
várias palavras, entre elas sagrado, divino e outros. A religiosidade será a
vivência dessa ligação com algo que se mostra misterioso e grandioso.
A
principal dificuldade que muitos psicólogos enfrentam ao relacionar a religião
com a psicologia, é lidar com esse tema durante o atendimento, por não o compreenderem como uma manifestação humana,
desta forma, as queixas trazidas pela pessoa, são avaliadas segundo o crivo
teórico adotado pelo terapeuta e, muitas vezes, esta avaliação não contempla a
religiosidade, isto é, o profissional não encontra referência científica para
lidar com a questão e orienta o conteúdo trazido, por outros campos, muitas vezes
da patologia, ou por sua própria experiência em detrimento da vivência pessoal
do cliente. (Lopez 1999 apud Cambuy, Amatuzzi e Antunes 2006, p. 80).
Quando
a espiritualidade é abordada na prática clínica, o psicoterapeuta não deve
pronunciar-se a respeito alguns preceitos religiosos, como o da existência de
Deus, vida após a morte ou milagres. O profissional deve compreender de que
modo a pessoa se relaciona com sua crença e de que forma esta crença faz com
que o sujeito compreenda aquilo que lhe acontece. Nesse sentido, podemos pensar
que as crenças de uma pessoa podem ser um recurso de enfrentamento a situações
difíceis, mas podem também trazer complicações emocionais, quando geram
impasses em relação que a pessoa vive.
Aceitar
a questão da religiosidade dos clientes significa entender qual a importância
que a religião ocupa na vida do cliente, estabelecendo com ele uma relação
empática que lhe proporcionará um sentimento de ter sido acolhido independente
de sua crença. Através de uma relação de suporte, o terapeuta clarifica as
vivências do cliente, permitindo-lhe entender, modificar e compreender os
valores e sentidos que tais experiências trouxeram para sua vida, e qual a
importância que a religião ocupa em sua história pessoal.
Referência
Bibliográfica
CAMBUY,
Karine. AMATUZZI, Mauro Martins. ANTUNES, Thais de Assis. Psicologia Clínica e
Experiência Religiosa. Disponível em:
http://www.pucsp.br/rever/rv3_2006/p_cambuy.pdf.
FREUD,
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Popular, 1968
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
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FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
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Moreira-Almeida,
A., Lotufo Neto, F., & Koenig, H. G. (2006). Religiosidade e saúde mental:
uma revisão. Revista Brasileira de Psiquiatria, 28(3), 242-250. Recuperado de
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516- 4462006000300018&lng=en&nrm=iso
Stroppa,
A., & Moreira-Almeida, A. (2008). Religiosidade e saúde. In M. I. Salgado
& G. Freire (Orgs.), Saúde e espiritualidade: uma nova visão da medicina
(pp. 427-443). Belo Horizonte: Inede.
Vasconcelos,
E. M. (2006). A espiritualidade no cuidado e na educação em saúde In E. M
Vasconcelos (Org.), A espiritualidade no trabalho em Saúde (pp.13-157). São
Paulo: Hucitec.
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