Janeiro/2020. Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
A
intenção deste artigo é, chamar a atenção do leitor(a) para olhar o fenômeno
síndrome de Deus na sociedade de modo descortinado as vezes, mas também não
desvelado aos olhos da sociedade. Você conhece alguém que se acha sempre certo
e gosta de apresentar-se como perfeito diante dos Outros? Que faz questão de
que todos façam tudo do seu jeito e não suporta quando alguém discorda dele e
decide fazer algo diferente? A impressão que dá é que tudo gira em torno dessa
pessoa, que ela se enxerga como o centro de todas as coisas, aquela em função
de quem tudo mais acontece? Pois esse indivíduo sofre daquilo ao qual chamo de
Síndrome de Deus ou deseja inconscientemente ser Coautor de Deus.
O
filme Grey’s Anatomy no Netflix trata-se de médicos cirurgiões que em dado
momento se posicionam como Deus e o paciente acaba que inconscientemente
percebendo o médico como Deus, pois depositam a sua fé e esperança neles devido
a grandiosidade de suas enfermidades ao receberem a sentença de morte no leito
ou doença terminal. Esta série retrata nitidamente a síndrome de Deus e outras
questões, mas vou apenas discursar sobre a síndrome de Deus por mim observada
enquanto tele expectador do filme.
Noto
que grande parte dos médicos sofre da chamada Síndrome de Deus. Acreditam-se
ser superiores, dotados de superpoderes, da capacidade singular de curar e
salvar vidas. Têm a presunção de litigar pela vida ou pela morte. Esta
experiência vivida no mundo da medicina levou-me a conclusão de que, mais uma
vez, temos sérios problemas em nosso sistema educacional, pois o ambiente
contribui para tal ato em detrimento das tecnologias robóticas e técnicas aplicadas
no ambiente hospitalar. E a vida e a morte de um ser humano encontra-se nas
mãos destes cirurgiões naquele exato momento. Este ambiente hospitalar é o
berço onde todos estes paradigmas nascem e são nutridos.
O
Complexo ou Síndrome do Messias trata-se de um estado psicológico onde o
indivíduo acredita que é ou será uma figura de extrema importância para o meio
que vive ou mesmo para o mundo. Alguém com complexo de Deus também pode ser
propenso a se irritar quando as coisas não vão sua maneira. Pode ser pobre em
comunicação interpessoal e pode não ser receptivo a críticas. Ele ou ela pode
também tentar exercer uma grande influência em vários assuntos e admira-se por ter
poder, autoridade e controle. Muitas pessoas apresentam algumas dessas
características em determinadas situações, mesmo que não tenham este problema.
O
complexo de Deus é mais comum em algumas profissões. Indivíduos em certas
profissões são muitas vezes acusados de ter complexos de Deus. Entre os mais
comuns são os médicos, cirurgiões, políticos, gestores, pastores, psicólogos
cristãos, psicanalistas cristãos, padres, membros de igrejas e o que vier em
seu pensamento enquanto lê este artigo. [...] I Coríntios 12:29-31 -
Porventura são todos apóstolos? são todos profetas? são todos doutores? são
todos operadores de milagres? 30 - Têm todos o dom de curar? falam todas
diversas línguas? interpretam todos? 31 - Portanto, procurai com zelo os
melhores dons; e eu vos mostrarei um caminho mais excelente.
Muitas
dessas profissões exigem uma grande quantidade de conhecimento ou habilidade e
envolve ter influência ou autoridade sobre outras pessoas. Apesar das maneiras
que as pessoas que tem complexo de Deus se comportam, muitos psicanalistas
acreditam que eles realmente têm uma autoestima muito frágil e delicada,
desenhando sua autoestima a partir da aprovação e atenção dos outros. Esta
sensibilidade pode ser o que os leva a comportar-se insensivelmente, pois
quando se sentem ameaçados ou marginalizados, podem atacar. Também pode ser
difícil para as pessoas reconhecerem que tem complexos de Deus, e eles podem
interpretar sugestões de mudanças de comportamento como críticas severas.
É
também muito comum se nomearem salvadores ou que tem dom de cura, pois sentem
que são indivíduos enviados ou escolhidos por uma força maior ou por Deus para
uma ou mais missões aqui na sociedade. Existem diversos filmes sobre personagens
que salvam o mundo, exemplo Salvation, Extinção, Apocalipse, A onda, Impacto
profundo e outros atuando na síndrome de Deus. E pelo fato de que no geral suas
missões carregam uma forte característica religiosa ou não, é muito comum que
estas pessoas encontrem conforto nas ideias, reforço nas atitudes e até apoio
ou seguidores nos meios que vivem mais intensamente uma religião, seja ela qual
for. Embora ressalto logo de início que este complexo não está relacionado ou mesmo
é causado pela religiosidade ou por uma religião.
Há
uma grande diferença entre pessoas que são religiosas [possuem suas crenças,
conduzem suas vidas estruturando seus valores e buscando ou encontrando
respostas e acalento na fé] das pessoas que pertencem a este complexo por se
encaixarem numa análise onde o que chama a atenção são os atos e pensamentos
extremos. A intensidade ou a ideia de exagero está presente nos movimentos
destas pessoas, que algumas vezes relatam não somente sentir ou saber que são
especiais e escolhidas, mas que ouvem vozes ou veem imagens que as orientam a
respeito de suas vidas e suas missões.
Os
sintomas de quem possui este complexo, muitas vezes, estão relacionados ou
presentes nos diagnósticos psiquiátricos numa linha paranoica ou mesmo
esquizofrênica. Contudo, creio que vale considerarmos que apesar desta síndrome
possuir atenção psiquiátrica por causa de seus sintomas extremos, podemos
analisar a questão e considerar um novo ângulo, aliviando o foco no conceito de
doença ou síndrome e abrir espaço para refletir sobre este complexo em nosso
dia a dia, observando quem somos ou com quem convivemos. Penso que se pensarmos
um pouco, podemos perceber que é muito provável que este tal complexo do
Messias faça parte de nossas vidas e de nossos pensamentos, mesmo que não nos
encaixemos numa ordem psiquiátrica.
Não
precisamos ir longe ou analisar cenas muito estereotipadas, basta prestarmos
atenção ao nosso meio de convivência, grupos de amigos, parentes, família, no
trabalho, redes sociais. Quem não conhece, ao menos, uma pessoa que se julgue
com uma capacidade além de enxergar os problemas atuais e passados, por vezes
até do futuro, e que se sente na obrigação de expor sua visão salvadora para o
mundo? Mas atenção, o diagnóstico de síndrome ou complexo do messias só pode ou
deve ser afirmado por um profissional (psicólogo ou psiquiatra), capazes de
fato de poder identificar corretamente o diagnóstico e diferenciar de outros
conflitos emocionais.
Não
tente identificar ou diagnosticar por conta própria, não se prenda a essa
ideia, deixe isso com o profissional, afinal um diagnóstico depende de muitos
fatores. Então não ache que todos aqueles que possuem uma forte opinião ou que
gostam de aparecer, de expor seus conhecimentos, exibir suas verdades ou que
sejam convincentes possuem a tal síndrome. Essas pessoas por vezes possuem
muitos conhecimentos, inclusive por meio de estudos e até condições sociais
elevadas, mas não necessariamente isso é uma regra, pois temos que considerar
que conhecimentos gerais são adquiridos com a vivência. Mas o que chama a
atenção é que estes indivíduos sempre pregam suas verdades visionárias
embasadas no seu próprio EU, mesmo que citem teorias ou pesquisas.
Trata-se
portanto de uma neurose messiânica muito presente em nossas vidas podendo
ganhar as mais diferentes formas e contextos [religiosa, filosófica, política,
pedagógica e outras], possuindo sempre em comum uma ideia de soberania e de uma
missão obrigatória em alertar e levar adiante o que julga ou acredita ser o
melhor, o mais correto para o mundo. Enquanto essas ideias se restringem a
rodas de amigos, reuniões familiares ou profissionais talvez não seja muito
mais que uma cena curiosa, podendo ser reflexiva, engraçada ou até mesmo chata.
Porém, quando tomam um rumo maior que pode oferecer impacto social, religioso,
político e cultural devemos ter atenção e até cuidado.
Desta
forma presenciamos pastores atuando na síndrome de Deus, manipulando a massa
enferma nas igrejas e na mídia na tentativa de mostrar a fé na palavra a agindo
de acordo com o que diz o versículo na crença da tríade cognitiva do crer em
Cristo, mostrar que tem fé suficiente em Cristo e atuar na curar do doente, mas
quando não curam o indivíduo deixam em sua psiquê uma dor, uma angustia enorme.
[...] João 14:12 - Na verdade, na verdade vos digo que aquele que crê em
mim também fará as obras que eu faço, e as fará maiores do que estas, porque eu
vou para meu Pai.
Essas
pessoas são envolventes, imponentes, com falas e atitudes que podem nos
confundir ou mesmo nos oferecer a ideia de que nossas angustias ou conflitos do
mundo podem ganhar uma cura e no geral estará presente a ideia de que aquilo
que até então não foi feito, será realizado. Não é difícil para estes curandeiros
encontrarem seguidores ou admiradores, visto que vivemos continuamente
angustias e conflitos na vida e muitas vezes fantasiamos receber um milagre ou
uma solução mágica.
Nos
deixando assim levar por uma mensagem salvadora de cura que o outro propõe, mas
que atende nossos desejos e fantasias. As fantasias tornam-se a
realidade para aquele sujeito com complexo messiânico e a partir de então tudo
é possível, desde ideias de milagres, mudanças radicais de vida, abrir mão de
família, amigos, trabalho, dinheiro ou até mesmo acreditar ser um soldado
divino com a missão de eliminar o mal, que seria todo aquele que pensa ou age
diferente dele. Se você é daqueles que no trabalho sempre acha que poderia ter
feito um pouquinho melhor, mesmo tendo se dedicado de corpo e alma a um
projeto? Ou revê, revê e revê a tarefa realizada e continua encontrando
detalhes a serem aprimorados? Então, talvez você, como muitos outros, sofra da
síndrome da perfeição.
O
perfeccionismo é disseminado em nossa cultura. Vivemos em busca da excelência e
da perfeição. Nossa participação no mundo deveria estar ligada ao compromisso
de fazermos o melhor, respeitando nossos limites e o dos outros. O mundo não é perfeito,
as pessoas não são perfeitas e erros acontecem. O ser humano desde a
antiguidade e construção de sua espécie, tem percebido suas limitações, por não
poder alcançar o gozo pleno de seus desejos. Por consequência destes fatores,
idealiza-se um ser sobrenatural, dotado de onipotência. A criatura, espelha-se
como imagem e semelhança do criador, ao mesmo tempo que tenta transcendê-lo,
posicionando-se inconscientemente como tal. Este ser na fé judaico-cristã, que
aqui será abordado, é nomeado de Deus. [...] Freud no seu texto
“Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
A
Síndrome de Deus, trata-se da tentativa do sujeito em incorporar a
personalidade de Deus, colocando-se na busca plena do seu gozo. Na tentativa de
transcender a Deus, o homem busca a possibilidade de ser o detentor do seu
próprio desejo e completude, implantando uma nova ordem regida pelo seu princípio
de prazer, descartando o princípio de realidade. Na psicanálise, esses sujeitos
são classificados dentro de um perfil de personalidade perversa. [...]
Marcos 6:13 - E expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfermos com óleo,
e os curavam
O
homem como imagem de Deus, nos traz a idealização, do humano como aquele que domina
sobre todas as criaturas da terra. Quando este posiciona-se dessa forma,
retira-se da categorização de criatura, já que este também foi criado por Deus.
Os humanos, se colocam como preferidos de Deus, por terem o dom da
racionalidade, que os permite transcende-lo e transgredi-lo. Pensemos na
palavra transcender não somente como a visão de Deus em relação a sua criação,
mas no sentido da sua criação para com Deus, que mediante o princípio de prazer
[id], e a recusa do princípio de realidade [superego], chega a ultrapassar a
Deus, se colocando como tal, e incorporando uma nova ordem, de acordo com a sua
postura que busca o princípio do prazer, a fim de ultrapassar o limite do gozo,
sem possibilidade de culpa ou angustia. [...] Em sua
obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a
repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade
alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo
para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Decorrente
destes fatores o sujeito constrói-se dentro de um quadro sintomático denominado
síndrome de Deus. Está caracterizada por uma alta elevação do sujeito, quanto
sua postura e poder, uma forma de complexo de superioridade, que coloca os sujeitos
num posicionamento de divindade, um ser inquestionável, incontestável, que está
acima de tudo e de todos. Somos sujeitos faltantes, e isso que instaura o
desejo, este regido pelo princípio do prazer [id], que é frustrado ao se depara
com o princípio de realidade e exigências sociais/leis [superego], o ego, o
terceiro dessas forças, estabelece a função de mediar esse conflito, entre
essas forças antagônicas, satisfazendo parcialmente o desejo, mediante as consequências
que se colocam no princípio de realidade. [...] Mateus 10:1,8 E,
CHAMANDO os seus doze discípulos, deu-lhes poder sobre os espíritos imundos,
para os expulsarem, e para curarem toda a enfermidade e todo o mal. 8 - Curai
os enfermos, limpai os leprosos, ressuscitai os mortos, expulsai os demônios;
de graça recebestes, de graça daí.
Na
perversão, o ego negocia essas exigências, deixando o espaço livre para o id, o
sujeito nessa condição torna-se o seu próprio superego, um princípio do eu, no
sentido de colocar-se como aquele que tem o falo [poder], instaurando uma nova
ordem transcendente, fazendo com que o superego social [princípio de realidade]
perca o sentido. Durante esse referencial, será reconstruído a representação de
Deus, levando em consideração uma visão cristã, e a influência que estes mantem
na sociedade até os dias atuais, mostrando de que forma o ser humano veio a
transcender a imagem de Deus, tornando-se como tal.
Os
seres humanos assim, são criaturas criadas a imagem e semelhança de Deus. Como
criaturas, logo devem-lhe fidelidade e obediência. Porém, quando esse papeis se
invertem, o homem acaba transcendendo a figura de Deus, consequentemente
exigirá ser tratado como tal, se colocando como figura a exceção das leis e
normas sociais. [...] Atos 19:11 - E Deus pelas mãos de Paulo fazia
maravilhas extraordinárias.12 - De sorte que até os lenços e aventais se
levavam do seu corpo aos enfermos, e as enfermidades fugiam deles, e os
espíritos malignos saíam. A construção da imagem de um Deus para sociedade,
baseada na mitologia judaico-cristã, presente à milhões de anos, não somente
antecede a representação de uma cultura ou religião própria de um país ou
região, porém, uma necessidade idealizada pelo ser humano, tendo em vista suas
limitações diante do improvável, ou seja, de suas realizações frente os desejos
impossíveis, coexistindo a esta frustração, as leis, que o colocam num lugar de
sofrimento, só restando a este humano, recorrer a Deus, pois só ele pode todas
as coisas e está acima das leis.
Não
está numa dimensão do existir humano, mas sim, divino. Deus não tem a
finalidade de tomar partidos em religiões humanas, isso não compõem o seu ser, os
religiosos é que se apropriam deste, como um objeto fortalecedor de sua fé, a
fim de mantê-los motivados, esperançosos, e minimamente bem, diante de um mundo
difícil de viver.
Esta
síndrome configura-se como uma desordem da personalidade, sendo caracterizada
por sentimentos de grandeza e superioridade, fazendo com haja uma distorção da
realidade, decorrente de como se posiciona o ego para com as exigências do id [princípio
do prazer] e superego [exigências sociais]. Chamo a atenção que todo esse
processo de construção da imagem de Deus no sujeito, ocorre de maneira
inconsciente, onde daí vemos fortemente, a corrente psicanalista, que
claramente vai nomear os sujeitos com esse perfil de perversos, no sentido de
uma expressão sintomática de colocar-se no mundo. O sujeito colocando-se como
um Deus incorporando a nova ordem [leis próprias], não significa que irá apresentar,
todavia comportamentos delinquentes, afinal existe o juízo crítico, do que pode
ser valido ou invalido para este, o que se torna invalido não necessariamente
precisa ser transgredido, más perde o seu sentido.
Verificando
está síndrome, logo verifica-se que está associada a um investimento de amor
próprio, ou seja, homens amantes de si mesmo. Os sujeitos com esse perfil,
podem apresentar um complexo de superioridade, decorrente da personificação do
Deus encarnado, porém escondem intensos complexos de inferioridade.
Referência
Bibliográfica
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
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