Ano 2021. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor(a) a compreender o sentido de morte e
morrer, na percepção da Psicologia da Saúde. O objetivo da Psicologia Hospitalar
é a subjetividade. A doença é um real do corpo no qual o homem se esbarra e
quando isto acontece toda a subjetividade é perturbada. O psicólogo trabalha
com o corpo simbólico. Entre os adultos, a morte possui vários significados; um
sinal de mudanças nos papéis familiares, uma punição pelo fracasso em viver uma
boa vida, uma transição a outro estado, como a vida após a morte, uma perda de
oportunidades e relacionamentos. A percepção da morte pode ainda servir como um
elemento organizador do tempo. Para o indivíduo, poderia se dizer que existem
várias formas de morrer, várias formas de se fazer o que se pode chamar de a
passagem; a passagem para o mistério, para o desconhecido. Mas para Cristo só
existe um meio. [...] João 11:25 - 26 Disse-lhe Jesus: Eu sou a
ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; 26 - E
todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. Crês tu isto?
Todo
ser humano ao estar com doença terminal passa pelas posições de morte morrer no
leito, exceto aqueles que falecem em acidente fatal ou morte súbita. O paciente
apresenta para o psicólogo um mundo de informações, exemplo, queixa, relatos,
problemas, sintomas, emoções, atuações, defesas, sua história de vida, seus
projetos, desesperanças, dores físicas e psíquicas e outros. Não é preciso
descobrir qual a verdade de uma doença para que possamos ajudar um paciente a
enfrentá-la. Basta descobrir a verdade do paciente sobre essa doença, isso sim
é essencial. O psicólogo trabalha com o sentido das coisas, não com a verdade
das coisas. A medicina também trabalha com essa filosofia pragmática, pois são
inúmeras as doenças de que não consegue descobrir a causa, mas consegue curar.
No
Complexo de Édipo há um grande conflito no indivíduo, que simbolicamente
significa querer para si, 'de volta' aquilo que acredita lhe pertencer, e
destruir a ameaça do que [ou quem] possa lhe tomar. Tudo isto acontece
simbolicamente, fantasiosamente, mas é bom relembrar que a cabeça de um adulto é
um mundo à parte, extremamente intenso, concreto [não conhece pensamentos
abstratos] e ambíguo [é pouco a pouco, no enfrentamento de cada barreira que
lhe é imposta, que ele vai conhecendo os limites do mundo real, e entendendo
que precisa se adaptar ao mundo]. Ou seja, Cristo não entrou em disputa com
Deus reclamando por sua vida ou querendo destruí-lo na intenção de pegar de volta a sua vida, uma vez que estava
na cruz sendo crucificado. E o ser humano diante da morte, deseja pegar de
volta, aquilo que pensa lhe pertencer a vida na intenção de barganhar para
permanecer vivendo.
Cristo
se sentiu castrado, quando não obteve a resposta de Deus se poderia ser adiado
a morte e continuar a viver. Pois pergunta a Deus se é possível afastar o
cálice que representa a morte, porém se não for possível que seja feita a sua vontade.
É lógico que a vontade de Deus era que seu único filho morresse para que os
pecadores tivessem a vida eterna. [...] João 3:16 - Porque Deus amou o
mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que
nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
O
Adulto sentirá angústia igual quando não conseguir passar em um concurso
público, conseguir um emprego, tiver uma doença terminal, terminar uma relação
e outros. E o que muda? A forma como ele lidará com os efeitos da castração,
como ele vai superar esta angústia. Observamos que Cristo superou a angustia
com a ressurreição, pois tinha a convicção de que ressuscitaria ao terceiro dia.
Cristo possuía uma visão realística de si mesmo e do mundo em relação a sua
morte. [...] Mateus 27:46 - E perto da hora nona exclamou Jesus em alta
voz, dizendo: Eli, Eli, lamá sabactâni; isto é, Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste? Neste momento Jesus como ser humano busca pela figura paterna,
por se sentir desamparado, abandonado que não lhe responde coisa alguma. O
mesmo acontece com o ser humano no leito de morte, tende a buscar a figura do
divino de acordo com sua crença religiosa.
Em
geral, as pessoas medianamente saudáveis conseguem sublimar os efeitos deste
complexo; significa que conseguem superar perdas com maior resiliência; quando
não conseguem as coisas que desejam, são capazes de buscar por novos objetivos
e desejos. Mas o medo continuará ali, por mais que não pensemos nele. Apenas deslocamos
a angústia da morte ou de sermos pegos e mutilados, para outras imagens,
exemplo, sermos presos, maltratados, agredidos, processados, recebermos uma
multa ou uma expulsão de campo de futebol.
A
base desta angústia começou lá atrás, com o medo de ser castrado. A imagem da
castração é tão forte, que é incomum que um adulto se lembre dela e irá ter
'fantasias' com vários outros tipos de imagem. Um cão mordendo sua mão ou tigre
que irá morder a sua cabeça e braço no sonho, por exemplo. Ou seja, o medo de
ser mordido pelo tigre na cabeça e ser morto. Morre no sonho, mas acorda vivo.
No inconsciente não existe a morte de si mesmo. A análise simbólica, prática
corrente da psicanálise, auxilia na identificação do eco de fundo do complexo
de castração, e assim, trazendo a luz sobre a angústia inicial da pessoa,
baseada na culpa, fazê-la superar o medo que deu origem ao complexo, que se tornou
irreal, 'fantasmático', diriam alguns. [...] Mateus 26:38 Então lhes
disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai
comigo. Neste ponto Jesus como ser humano encontra-se angustiado, está
carregado das emoções de medo, tristeza e raiva originada quando um sujeito
está diante de uma situação a qual é percebida como ameaça imaginária ou real
que pode levar à morte física ou não.
Historicamente,
o ser humano sublima o complexo com resiliência e superação. A culpa do
complexo de Édipo, e depois o medo de ser punido sendo castrado, é superada
pela sublimação, enfrentando o medo, e para isto é necessário introjetar uma
visão mais realista de si mesmo e do mundo. Aceitar o que se perdeu e o que não
se pode ter, dá início ao processo de deslocamento da energia que antes era
focada na angústia da perda.
Do
ponto de vista psicológico é possível negar a própria morte e acreditar na
imortalidade, mas isso é temporário, segundo Kubler-Ross (1981/2008). Pois
somente os cristãos acreditam na imortalidade. No inconsciente, o indivíduo não
aceita sua própria finitude, o que o faz pensar que viverá para todo o sempre.
Desse modo, compreende-se que a questão da morte e do morrer pode ser pensada
no sentido de encerramento, finitude e término, não apenas no aspecto
biológico, mas também no psicológico e social, estando presente em qualquer
etapa do desenvolvimento humano.
Partindo
desse pressuposto, pensa-se que, para os profissionais da psicologia, esse é um
tema recorrente tanto na clínica quanto nas instituições. Isto ocorre pois se
vive cotidianamente situações que, além de envolver a morte concreta, requerem
a sensibilidade de lidar com situações tão sofridas quanto ela, como as mortes
simbólicas, as separações, as perdas, as mudanças de fase da vida, que demandam
um processo de elaboração sobre a própria existência. Outro aspecto levantado
neste artigo refere-se as influências socioculturais, onde a morte é vista como
assunto proibido e que impede a compreensão e o pensamento dessa realidade
irrefutável.
Do
ponto de vista externo, considera-se que o contexto social atravessa os
sujeitos e subjetivam seus aspectos psicológicos favorecendo esses
comportamentos. Entretanto, a forma de reagir frente a morte é muito pessoal,
profundamente íntima, relacionada a todos os processos de separação já
vivenciados pelo indivíduo.
Depreendo
o conceito de morte, o qual morrer é o cessar irreversível. Da função de todos
órgãos, tecidos e células. Do fluxo de todos os fluídos do corpo incluindo o
sangue e o ar. Do funcionamento do
coração e do pulmão. E também do funcionamento espontâneo do coração e do
pulmão. Já o morrer é o cessar também irreversível. Do funcionamento de todo o
cérebro, incluindo o tronco cerebral. E do funcionamento completo do neocórtex.
E da capacidade corporal de ser consciente. O morrer envolve a subjetividade e
a morte o organismo vivo.
O
medo da morte parece atingir seu auge na vida adulta de meia-idade, após o que
diminui sensivelmente. Normalmente, adultos mais velhos falam mais sobre a
morte, mas a temem menos. Já adultos altamente religiosos costumam temer menos
a morte, ao passo que os que apresentam escores elevados de neurose sentem mais
medo dela. Muitos adultos preparam-se para a morte de forma prática,
subscrevendo seguros de vida ou fazendo seu testamento. A reminiscência pode
também funcionar como uma preparação. Há ainda alguns sinais de mudanças
profundas na personalidade, imediatamente antes da morte, o que inclui maior
dependência e docilidade, menos emoções e desejo de afirmação. [...] Esse
medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como
desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida,
lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162).
O
luto antecipado pode ajudar ou não as pessoas a lidar com o luto real. Assim,
alguns compreendem que a religião auxilia como uma forma de enfrentamento e
conforto. Entendo que o Cristianismo ajuda bastante, pois traz uma forma de
conforto. Quanto as outras religiões, cada uma na sua forma dá o seu
significado para a morte, exemplo, o espiritismo trata a morte como
reencarnação. Nem todas vão dar a mesma resposta, o porquê da morte, porque
acontece, e o que tem depois, mas de certa forma, ela consola cada membro de
sua religião. Todo ser humano ao estar diante de um ente enfermo que
pode morrer, estará na condição de luto antecipado, onde gera ansiedade,
tristeza, raiva, diante das incertezas de vida. Isto é algo que acontece a
todos e não há possibilidade de escapar. [...] Mateus 26:38 Então lhes
disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai aqui, e velai
comigo. Observamos que Jesus experiencia antes o luto antecipado, o estágio
depressivo, mas encontra na oração meios para lidar com a depressão antecipada
que causa o luto real e solicita a presença dos amigos discípulos para orarem
junto com ele. Isto é uma forma que ele encontra para se ter certeza que tem
amigos, pessoas ao seu lado que estão amparando-o naquele momento de dor e
sofrimento. Ele não está sozinho em meio ao sofrimento, tem amigos ao seu lado.
Será que teremos amigos verdadeiros diante de nosso leito de morte?
Sob
essa ótica, as pessoas reconhecem que a religião se apresenta como um recurso
utilizável frente ao contato com a morte das outras pessoas. Um encontro
pessoal com a realidade por essa via. Primeiro entendo que o sujeito sente a
dor de perder aquela pessoa, seja por causas naturais ou acidentais, sempre dói
(...) ter uma religião, ajuda muito, ter fé em alguma coisa, rezar, orar, (...)
cada um tem sua maneira de tentar acreditar que aquela pessoa está bem e junto
de Deus.
A
religião traz um valor terapêutico com a possibilidade de lidar com as
dificuldades que as perdas suscitam, considerando a imortalidade e trazendo
nova possibilidade de vida. Um estudo pioneiro realizado por Torres (1986)
destacou que a preocupação com o desconhecido e a vida após a morte diminui nos
sujeitos intrinsicamente religiosos. À medida que aumenta sua crença na
ortodoxia religiosa, uma perspectiva de futuro que ultrapassa a vida dos
fenômenos terrestres, vai se constituindo e trazendo a esperança de um
reencontro.
Por
tanto o morrer é diferente da morte, mais objetiva. Morrer é subjetivo. As
pessoas podem morrer todos os dias em vários momentos, em várias coisas (...) é
uma sensação de não ver mais graça na vida, parece que nada faz sentido, mas
continua vivendo. Penso que isso é uma morte simbólica em vida. Finais de
relacionamento, perder uma amizade presencial ou virtual, perda de emprego, de
uma residência, de uma empresa, são exemplos disso. Passamos por diversos lutos
simbólicos. Ao perdermos objetos com as respectivas representações de amor,
pensamos estar perdendo o amor junto com o objeto, seja, humano ou inanimado.
Jesus
Cristo morreu a morte objetiva, porém não morre subjetivamente, pois a partir
da ressurreição a vida tem nova forma para aqueles que aceitaram no, como seu
Senhor e salvador. Cristo em momento algum cogitou a perda do amor, pois seu
gesto expressa o amor incondicional. Cristo Jesus superou os obstáculos ao
crescimento da ansiedade como: Perda de amor. A rejeição ou o fracasso em
reconquistar o amor, por exemplo, ou a desaprovação de alguém que lhe importa. Ele
se sentiu desamparado por Deus na Cruz, pois era a única forma para que se
cumprisse a missão de morrer pelos pecadores, mas em momento algum se sentiu
rejeitado por Deus. Tinha absoluta certeza que Deus o amava e tinha uma auto
estima e auto conceito de si mesmo bom.
Perda
de identidade. É o caso, por exemplo, daquilo que Freud chama de medo de
castração, da perda de prestígio, de ser ridicularizado em público. Constatamos
no evangelho de Mateus que Cristo foi ridicularizado na crucificação e não se
importou com isso, muito menos com a perda de prestígio perante os romanos. A perda
de autoestima. Por exemplo a desaprovação do Superego por atos ou trações que
resultam em culpa ou ódio em relação a si mesmo. Ou seja, não se sentiu culpado e nem
censurado pelo seu Superego moral ao dar a vida pelos pecadores.
Corroborando
com essa ideia, Kovacs (1992) mostra que as várias fases do desenvolvimento são
também experiências de morte em vida. São perdas por separações, mudanças de
casa, de emprego, mudanças de país, da infância para adolescência, da vida
adulta para velhice e várias outras mortes simbólicas. Essas situações suscitam
sentimentos equivalentes aos despertados pela morte biológica. Vê-se que a
dificuldade de lidar com as perdas simbólicas também é evidente, no entanto,
depende da capacidade psíquica de representação de cada sujeito. Além disso, mostra-se
latente a questão narcísica, pois o término pressupõe a perda da condição de
ser amado.
Isso
significa que, segundo Campos (2013), uma perda atual é sempre ligada a um
conjunto de fantasias inconscientes que ativam impulsos e defesas,
desestabilizando o funcionamento dinâmico da estrutura da personalidade. Do
ponto de vista psicanalítico, a história de simbolizações de cada sujeito é que
irá ressignificar os eventos traumáticos da vida e esse novo sentido poderá
trazer um conjunto de fantasias e afetos inconscientes. Isso expressa o porquê
de algumas perdas serem tão disruptivas em relação a outras. Ou seja, alguns indivíduos
concebem o morrer como parte dos processos mórbidos e autodestrutivos que
vivenciam durante a vida, nem sempre de modo consciente. Com isso, o rompimento
de vínculos incita processos de mudança que necessitam de recursos psíquicos
singulares. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920,
p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado
experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo
há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram
reprimidos.
Como
condição premente para que o trabalho do psicólogo aconteça no sentido de
auxiliar ao outro, ressalto importância de o profissional cuidar de si e de
desenvolver recursos internos como a condição de ouvir, sentir, pensar, e
elaborar seus próprios lutos. Cristo elaborou o próprio luto enquanto estava na
Cruz sendo crucificado. Cristo passou pelas 05 posições do morrer e fez uma
pergunta a Deus. Pai porque me desamparaste? Angustia de Castração. Isto
demonstra que ele se sentiu desamparado, abandonado naquele momento, como ser
humano. Mas, como filho de Deus, ele tinha consciência que era necessário que
Deus o desamparasse naquele momento para que se cumprisse a sua missão de morte
e ressureição ao terceiro dia.
Todo
ser humano é desamparado em algum momento de sua vida, exemplo, uma filha chama
a mãe para ajuda-la nos afazeres domésticos, e se essa mãe não a desamparar
neste momento, está filha corre o risco de ficar dependente desta mãe e todas
as vezes que precisar fazer uma atividade pedirá socorro a mãe. Então o
desamparo aprendido é importante em algum período da vida para que a pessoa possa
executar a tarefa que lhe foi incumbida.
Neste
artigo não é questionado se os sujeitos se submetem a psicoterapia pessoal,
todavia, o psicólogo precisa estar bem resolvido (...) avaliar a própria
estrutura psicológica para aceitar ou não, acompanhar situações sobre morte. E
a repensar sobre a sua morte. É lógico que pessoas que se encontram em
psicoterapia perante um luto reagem de modo mais saudável em relação aquele que
por razões diversas não está.
O
psicólogo hospitalar faz uso de diagnósticos na instituição hospital. Diagnóstico
reacional; situacional, transferencial, mas vou me ater apenas no diagnóstico
reacional, para que o artigo não fique muito extenso. Podemos compreender o
diagnóstico reacional, o modo como a pessoa está reagindo a doença terminal e
as suas reações estarão permeando todos os estágios ou posições. O paciente fora
de possibilidade terapêutica de cura da doença passa por um processo de
finitude chamado “processo de morte e morrer”, que foi descrito por Elizabeth
Kübler-Ross em cinco estágios, a saber: 1) negação e isolamento; 2) raiva; 3)
barganha; 4) depressão e 5) aceitação. Esses estágios podem se alternar,
misturar ou serem vividos ao mesmo tempo, sendo que a esperança acompanha todas
as fases.
O
primeiro estágio, denominado negação e isolamento, relaciona-se à incapacidade
do ser humano de aceitar o fim da própria existência. Kübler-Ross (2005), ao
longo de suas pesquisas, percebeu que ao receber o diagnóstico de uma doença
irreversível, a reação dos pacientes em geral é: “não, eu não, não pode ser
verdade”. Para a autora, a negação é uma defesa temporária que age como uma
defesa após notícias inesperadas, que permite ao paciente se recuperar com o
tempo. Por isso, nessa fase, é comum o paciente buscar outros diagnósticos, na
esperança de que a primeira conclusão seja um erro (Kübler-Ross, 2002). Então,
o cuidado nesse momento é fazer com que essa negação não se transforme numa
negação do tratamento, pois até o paciente morrer estará vivo, e é essa vida
que deve ser trabalhada diante da doença e da morte. Nesse estágio o
acolhimento da angústia e o suporte emocional são importantes para a
continuidade do tratamento (Bifulco, 2006).
Kübler-Ross
(2002) afirma ser comum que a negação “passe”, na medida em que o paciente
percebe que precisa lutar pela vida, dando lugar à aceitação parcial. São
raríssimos os casos em que os pacientes negam a doença até o último momento,
entretanto isso pode acontecer. Em outros casos pode acontecer do paciente
conseguir falar sobre sua situação e de repente esquivar-se do assunto, ficando
claro que essa negação pode ir e vir. Em geral, no próximo momento o paciente
se desliga da negação e se apropria mais do isolamento. [...] Lucas
22:42 - Dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se faça
a minha vontade, mas a tua. Nota-se que Cristo não tinha o desejo de morrer, ou
seja, tentou negar a própria morte como ser humano, mas imediatamente disse a
Deus para não realizar o seu desejo de não morrer, e sim que lhe desse o
enfrentamento para morrer.
A
raiva é o segundo estágio, no qual o paciente não concorda que esteja passando
por essa situação e se pergunta “por que eu?”. Quando a negação não consegue
mais ser mantida aparece a raiva. Em geral, a raiva é das pessoas que estão à
sua volta: dos médicos por não diagnosticarem a tempo da cura, dos familiares,
das pessoas que estão sadias, surgindo a revolta e o ressentimento de não ter
vivido sua vida de outra forma, dos assuntos inacabados e dos dizeres não
falados (Kübler-Ross, 2002). O cuidado nessa fase é entender que a raiva não é
pessoal e sim uma raiva da situação que não pode ser mudada. É importante não
destituir o paciente de sua voz ativa, ou seja, é fundamental fazer com que ele
se sinta responsável pelo seu corpo e pelas decisões (Bifulco, 2006). [...]
Mateus 26:40 - E, voltando para os seus discípulos, achou-os adormecidos; e
disse a Pedro: Então nem uma hora pudeste velar comigo? Cristo, expressa raiva
assertiva perante seu discípulo Pedro o qual confiou uma tarefa, pois não
concorda que está passando por um luto antecipado, onde solicita auxilio, mas
percebe-se frustrado, decepcionado com as ações dele. A raiva de Jesus não foi
através do mecanismo de defesa deslocamento, deslocada para Pedro, mas sim para
sua ação porque sabia que não podia mudar a situação a qual se colocou para
morrer. Cristo era responsável pelo seu corpo, e por sua escolha de morrer para
que os pecadores tenham vida eterna.
Sobre
tais decisões, Castro (2001) salienta que: Respeitar a autonomia do paciente,
portanto, é reconhecer que suas decisões são unicamente suas, mesmo que não de
acordo com aquelas tidas como adequadas em uma determinada situação.
Reconhecer, ainda, que o direito e a capacidade do paciente de decidir por si
mesmo está de acordo com seus valores, crenças e principalmente plano de vida.
Kübler-Ross
(2002) aponta que o paciente, durante o estágio da raiva, se ocupa de
sentimentos de raiva, revolta, inveja e ressentimento: “pois é, por que não
poderia ter sido ele?” (p. 55). O paciente diante de tal indignação sente raiva
de tudo e de todos, descarregando essa raiva nas pessoas próximas, fazendo com
que algumas se afastem, sejam elas familiares ou equipe de assistência. Diante
de tanta raiva o sentimento retorna para o paciente, alimentando seu comportamento
hostil. Por isso, é importante que, tanto a equipe, quanto os familiares,
tenham paciência com a raiva do enfermo; ao ouvi-lo é possível contribuir para
melhorar a aceitação do processo de morte, pois o fato de colocar para fora a
raiva sem recebê-la de volta, é de grande ajuda. É necessário compreender e não
julgar.
No
terceiro estágio, chamado de barganha, o paciente tenta adiar a morte fazendo
tratos com Deus, com a família e com os médicos, a partir de promessas em ser
uma pessoa boa se os dias de sua vida forem prolongados. Como a negação e a
raiva não deram certo o paciente acredita que com bons argumentos e mais calma
chegará a um acordo para que prolongue a chegada dos últimos momentos. É o
estágio menos conhecido e geralmente o que ocorre em um prazo curto. Nesses
casos o paciente sempre jura não pedir outro adiamento caso seu pedido seja
alcançado (Kübler-Ross, 2002). Neste verso Cristo como ser humano tenta
barganhar com Deus, com a intenção de afastar a dele a morte. [...]
Lucas 22:42 - Dizendo: Pai, se queres, passa de mim este cálice; todavia não se
faça a minha vontade, mas a tua. Cristo teve esperança que Deus lhe respondesse
que não precisaria morrer pelos pecadores ou pudesse ser adiado a sua
crucificação. No que tange a esperança todas as pessoas diante da morte guardam
alguma esperança. Essa esperança pode vir de algum modo, sob a forma de
descoberta de um medicamento, sob a forma de um milagre de Deus e outas.
Exemplo
de barganha: Deixe-me viver, até eu ver o meu filho com o curso acabado na
universidade ou casado. Se me curar eu vou a igreja. Tendo deixado de lado a
Negação e o Isolamento, percebendo que a raiva também não resolveu, a pessoa
entra no terceiro estágio; a barganha. As barganhas tendem a ser organizadas
com Deus e, normalmente, mantidas em segredo. Imagina agora quantas barganhas
fazemos diante das pessoas vivas para conseguirmos nossos interesses egoísta,
assim pleiteamos com Deus no leito de morte.
Como
dificilmente a pessoa não tem alguma coisa a oferecer a Deus, além da sua vida
no leito de morte. Este parece estar a retirá-la, quer a pessoa queira, quer
não, as barganhas assumem mais as características de súplicas. Jesus Cristo
ofereceu a sua vida a Deus que era o que ele tinha de mais valorosos naquele
momento e como homem também barganhou diante da morte, mas acabou no estágio da
aceitação ao aceitar a vontade de Deus.
A
pessoa implora que Deus aceite a sua oferta em troca da vida, como por exemplo,
promete uma vida dedicada à igreja, aos pobres, à caridade, parar de fumar, de
beber e o que você conseguir pensar agora enquanto lê o artigo. Na realidade, a
barganha é uma tentativa de adiamento. Nesta fase o paciente mantém-se sereno,
reflexivo e dócil [não se pode negociar com Deus e ao mesmo tempo hostilizar-se
as pessoas].
A
depressão é o quarto estágio, no qual o agravamento da doença se faz presente e
a mesma não pode ser negada. A negativa, raiva e barganha dão lugar à
depressão, sendo ela uma sensação de perdas iminentes, podendo ser perdas
materiais ou emocionais. Logo, o enfermo passa a uma depressão preparatória,
proveniente de uma situação real, na qual está prestes a perder tudo e todos
que ama. Nesse momento, é importante que o paciente verbalize os seus pesares e
remorsos não sendo necessárias frases otimistas ou consoladoras. O silêncio
falará mais que as palavras; portanto, é fundamental que o paciente se sinta
amparado, tendo conhecimento de que não ficará sozinho nos últimos momentos.
Somente aqueles enfermos que superam seus temores e angústias são capazes de
chegar ao estágio final, caracterizado pela aceitação (Kübler-Ross, 2002). [...]
Mateus 27:50 - E Jesus, clamando outra vez com grande voz, rendeu o espírito.
Jesus Cristo não ficou sozinho nos últimos momentos, pois ao seu lado foram
crucificados dois ladrões. E em pensamento falou com Deus sobre seus pesares e
entregou-se a morte em um ato masoquista.
Após
passar pelos estágios citados anteriormente, o paciente entra num estágio de
tranquilidade no sentido de aceitar sua doença, limitações e possibilidades,
quando existem. Kübler-Ross (2002) esclarece que a raiva e a depressão já foram
externalizadas através da transmissão de sentimentos e compreensão pelas
pessoas que o rodeiam. O enfermo deseja ficar cada vez mais só, sem as perturbações
do cotidiano; começa a perder a vontade de conversar. Nesse momento o toque e o
silêncio tornam-se a comunicação. “Para o paciente é reconfortante sentir que
não foi esquecido quando nada mais pode ser feito por ele” (Kübler- Ross, 2002,
p. 118)
Neste
quinto e último estágio, a aceitação apresenta a necessidade que o paciente tem
de se perdoar, de perdoar o outro e ser perdoado. O fim da vida então se
aproxima. Segundo Bifulco (2006), ao final desse estágio. Seu corpo já estará
mais fraco e cansado, sentirá uma necessidade maior de dormir. Não se trata de
um sono de fuga. Aqui Cristo na Cruz menciona: [...] Lucas 23: 34 - E
dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem. E, repartindo as
suas vestes, lançaram sortes. Ou seja, Jesus aceitou a sua morte e ainda
isentou os pecadores de suas culpas ao aplicar o perdão a eles. Cristo
colocou-se na posição de enfrentamento, onde mostrou ausência do medo.
Mas
uma preparação, onde as coisas do mundo não importam mais, assuntos corriqueiros,
notícia, barulho, não lhe dizem respeito, há uma introspecção para seu mundo
interior. O segurar a mão e o estar próximo dizem mais do que palavras
proferidas, o olhar se torna mais parado e distante, como se olhasse sem nada
ver. Posteriormente, fica com os olhos cerrados por um tempo mais longo, até
que não os abre mais. Aqui Jesus Cristo menciona: [...] Mateus 26:38, 41,
45 - Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até a morte; ficai
aqui, e velai comigo. 41 - Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na
verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca. 45 - Então chegou junto
dos seus discípulos, e disse-lhes: Dormi agora, e repousai; eis que é chegada a
hora, e o Filho do homem será entregue nas mãos dos pecadores. Até Cristo se
preparou para deixar o mundo, pois a partir deste momento não importava mais os
assuntos relacionados a seus milagres e todas informações já haviam sido
transmitidas aos discípulos, mas somente tinha importância a ressurreição ao
terceiro dia.
Há,
entretanto pacientes que não alcançam esse estágio, ou seja, não conseguem
finalizar o elo com a esperança e lutam até o fim contra a morte; se debatem
até não terem mais forças. É importante informar a família e aos profissionais
da equipe, para que possam acolher essas manifestações. [...] Freud no
seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a
pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto
transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos
recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar,
quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta
em nós.
A
morte integra o desenvolvimento humano no seu ciclo vital, é uma realidade e,
por mais que se tente abstraí-la e torná-la distante, ela estará presente algum
dia na vida de todos. Acompanhar a morte de outrem traz à consciência de sua
própria condição de mortalidade, gerando ansiedade e desconforto. Essa
consciência é que diferencia o ser humano dos outros animais. Negá-la é uma das
formas de não entrar em contato com as experiências dolorosas e de se sentir
único e inesquecível. [...] Negação, provavelmente é o mecanismo de
defesa mais simples e direto, pois alguém simplesmente recusa a aceitar a
existência de uma situação penosa demais para ser tolerada. Ex: Um gerente é
rebaixado de cargo e se vê obrigado a prestar os mesmos serviços que exercia
outrora.
Essa
idealização ressalta a fragilidade, a finitude e a vulnerabilidade humana.
Pensar que um dia todos irão morrer, sem saber de que ou como, gera uma
angústia existencial. Por isso é tão comum ocorrer uma postura defensiva de
afastar-se da ideia por meio do distanciamento das situações concretas de
morte. Afastar-se gera no imaginário uma forma de autoproteção como se, ao não
entrar em contrato com a morte, ela pudesse não existir.
A
morte é algo presente, pode acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar e
em qualquer tempo, diferente do imaginário coletivo que sugere um pacto de que a
morte só virá quando lhe for permitido que venha. Mas quando ela é inevitável,
iminente, as pessoas querem deixar um legado, algo que se traduza em lembrança,
registro de que elas viveram em algum tempo por aqui. Esse legado não se traduz
somente em algo grandioso e nobre. Pode ser o simples ensinamento de uma
receita culinária, um livro, um artigo na internet, um vídeo nas redes sociais,
uma empresa, algo que alguém faça em sua intenção, tornando-a viva naquele
momento de lembrança, popular e reconhecida. Jesus Cristo deixou seu legado, a
Bíblia para todo aquele que nele crê tenha vida eterna. [...] Mateus
16:25 - Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a
sua vida por amor de mim, achá-la-á.
Nos
momentos finais de um indivíduo, além da necessidade de deixar um legado,
aparecem as necessidades de resolver questões mal elaboradas ao longo da vida;
discutir sobre os papéis sociais e como sua família irá assumir
responsabilidades na sua ausência. A necessidade de reconciliação com os
outros, consigo mesmo e com um ser supremo é algo também muito presente nas
pessoas que estão em processo de morrer. É como se a finalização da vida
exigisse um término de contrato com ela e com os outros.
A
necessidade de despedir-se, de ter a presença de pessoas com quem se
estabeleceu vínculos afetivos e satisfação nesse relacionamento é quase um
pedido de licença para sair do mundo e da vida da família, dos amigos. Buscar
nos gestos dos familiares a mensagem de que ela poderá partir e que os que
ficam poderão se reestruturar sem sua presença. Cristo se reúne com os
discípulos na Santa Ceia, na intenção de anunciar a sua morte, ou seja,
despedir-se dos discípulos com quem estabeleceu vínculo afetivo anunciando que
a saída do mundo está próxima. [...] Lucas 22:15 - E disse-lhes: Desejei
muito comer convosco está páscoa, antes que padeça;
Para
o paciente que está diante de uma doença incurável, às vezes é preciso parar de
lutar. Diante do inevitável, o mais corajoso é aceitar. Com a iminência da
morte, o melhor a decidir é como viver bem até o fim. Muitos pacientes
acreditam que o psicólogo está com eles para convencê-los a aceitar a morte,
porém esse profissional está pronto para ouvi-lo e atender a demanda da vida;
não está preparado para tratar vida como morte, nem as pessoas como coisas
(Brum,2008). Embora Cristo não tivesse nenhuma doença incurável, notamos que
não lutou para permanecer vivo, mas simplesmente aceitou a sua morte. Cristo
não dispôs de um profissional da psicologia naquele momento para ouvi-lo e
atender a demande de vida. Pois Jesus sabia que tinha vivido bem a vida de
acordo com os preceitos de seu pai Deus.
É
fundamental lembrar que o paciente está fora de possibilidade de cura, mas o
cuidado e atenção, além da autonomia devem ser considerados enquanto o mesmo
estiver vivo. A autonomia nas decisões do paciente repercute diretamente no seu
estado físico e emocional, pois lhe dá a oportunidade de exercer a posição de
dono de sua própria vida.
O
principal papel do psicólogo, nesse momento da vida de pacientes fora de
possibilidades terapêuticas de cura de uma determinada doença é o apoio,
acolhimento e compreensão. Como afirma Maciel (2006) “se o paciente não pode
ser curado, podemos auxiliá-lo a ter uma vida com boa qualidade, aliviando seu
sofrimento, integrando-o novamente na comunidade e na família” (p. 384). O
psicólogo intervém para melhorar a comunicação, para que o paciente e a família
resolvam os seus conflitos e a partir daí sintam-se mais confortados, além de
contribuir para a elaboração acerca das questões relacionadas ao luto.
O
trabalho do psicólogo é imprescindível, pois ao mesmo tempo em que busca
aliviar o sofrimento emocional de todos os envolvidos no processo, trabalha com
o paciente em prol de qualidade de vida e melhor aceitação da morte. Para
tanto, há a necessidade dos futuros e atuais profissionais estudarem, com
profundidade o assunto, de sucessivas aproximações com os processos de vida e
morte pessoais, assim como as ansiedades despertadas frente à finitude. Desta
forma, ajudar nossos semelhantes a se familiarizarem com tais conceitos e
vivências se tornará consistente e significativo.
Referência
Bibliográfica
BÍBLIA,
N. T. Mateus, Lucas, João. In BÍBLIA. Português. Bíblia Evangélica: Antigo e
Novo Testamentos. Tradução Versão de João Ferreira de Almeida Corrigida 1948
(JFAC). São Paulo.
BRUM, E.
(2008). A enfermaria entre a vida e a morte. Revista Época – Saúde e bem estar.
Recuperado em 16 de setembro de 2010, de http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,
RT10399- 15257-10399-3934,00.html.
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
KUBLER-ROSS,
E. (2002). Sobre a morte e o morrer: o que os doentes terminais têm para
ensinar a médicos, enfermeiras, religiosos e aos seus próprios parentes. São
Paulo: Martins Fontes.
MACIEL;
M. G. S. (2006). Modelo de intervenção em cuidados paliativos: a experiência do
HSPE-SP. In: C. A. M. Pimenta; D. D.
SIMONETTI,
ALFREDO. Manual de psicologia hospitalar – o mapa da doença. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2004. 201p.
Comentários
Postar um comentário