Ano 2021. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo
CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leit@r a perceber como está enxergando um
determinado problema e se há necessidade de reorganizar o estado psicológico.
Então, uma contrariedade pode estar disfarçada inteligentemente como
oportunidade de aprender uma lição da vida importante, como diferenciar a
preocupação produtiva da improdutiva. Mesmo diante de situações difíceis de
conciliar é importante promover uma análise e buscar adaptar-se com a melhor
solução possível no momento, que a maioria das vezes não é a esperada e nem a
que o indivíduo deseja. Muitas vezes quando a pessoa se enxerga diante de uma
situação que foge de controle, que a pega de surpresa ou parece difícil de
solucionar, urge a preocupação, e o sujeito acaba paralisado e incapaz de agir,
pensar, refletir e até compreender.
As
complicações cotidianas causam uma dimensão muito maior do que realmente
possuem, sinalizando uma magnificação da situação e podem acarretar angustia, ansiedade
e outros desconfortos na vida pessoal e profissional. Dentre os valores
compartilhados historicamente pela sociedade existem duas tendências que podem
impactar a percepção dos fatos perante a preocupação. A primeira delas é o
ponto de vista apocalíptico [religioso], ou seja, que cria um desejo de que a
vida e o mundo cessem, em especial diante de uma dificuldade considerada insuportável.
Ou seja, um indivíduo foi lançado dentro de uma família disfuncional ao perder
o emprego, pois não podia pagar o aluguel, então esse sujeito pode ter o desejo
inconsciente de morte, ao desejar a morte da situação específica e não a morte
do organismo corpo físico.
A
segunda é a sensação descrita por Freud em seu livro "O Mal-Estar da
Civilização", quando, de acordo com os valores judaico cristãos da culpa,
desenvolvemos uma sensação de mal-estar ao sentir qualquer tipo de prazer ou
desprazer. Essa culpa [inconsciente] resultaria então em um castigo divino, que
pode muito bem surgir em forma de um problemão difícil de resolução. Exemplo, estar inserido em família
disfuncional por não ter recursos financeiros, desemprego na meia-idade que
gera a perda de residência e autonomia financeira, estar na condição de
dependência financeira de parentes e ainda ser religioso ao pensar que está
sendo castigado pelo passado ou por estar em transgressão diante de Deus e por
aí vai. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34),
Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências
que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo
tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram
reprimidos.
A
culpa inconsciente está quase sempre relacionada a eventos ou situações contra
as quais existe algum tabu ou que são considerados insuportáveis. Às vezes, tem
a ver com ações que foram realizadas, porém outras vezes está simplesmente
relacionado a pensamentos ou desejos que são conscientemente rejeitados por
terceiros ou pelo próprio sujeito [exemplo, não quer atuar em função inferior;
procura por todos os meios exercer a profissão em uma organização, mas é
reprovado constantemente nos processos seletivos ou ainda um pensar
inconsciente que precisa ser punido, por causa do passado devido ao divórcio
por não ter acompanhado o desenvolvimento do filho que trouxe aborrecimentos no
futuro de drogas, violência doméstica e outros].
Um
mesmo evento pode ser percebido de formas diversas por diferentes pessoas. Essa
maneira específica de perceber e interpretar a realidade está ligada às
crenças, que são desenvolvidas e reforçadas ao longo de toda a vida, esse
conjunto de crenças reproduzidas, que influencia os pensamentos a todo momento,
nem sempre é racional e, muitas vezes, pode prejudicar ao enfrentarmos
situações adversas. A forma como o indivíduo faz a leitura mental e interpreta
uma contingência é o que o afeta, e não a circunstância em si, e deste modo, um
evento específico pode despertar pensamentos de algo malsucedido se o indivíduo
acreditar que o prejuízo vai acontecer, ou que ele não será capaz de lidar ou
resolver o inconveniente em questão.
O
indicio de que alguém está exagerando ou maximizando em sua percepção perante uma
contrariedade pode variar muito de indivíduo para indivíduo e mesmo de acordo
com o tipo de desafio em questão. Como o ser humano é um ser da linguagem, ele faz
diferentes espécies de relato, avaliando o passado e o futuro e como essas
avaliações são muito subjetivas elas podem motivar interpretações um pouco distorcidas
da realidade, e depende das experiências e da maneira como a pessoa interage com
determinado fato ou objeto.
Para
encontrar a melhor solução possível, é importante refletir sobre todos os
aspectos objetivos da dificuldade, como por exemplo, 1. O que de fato ocorreu,
2. Quem está envolvido, 3. O que depende de mim para a resolução do revés e 4.
O que é papel do outro nesse contexto. Algumas pessoas tendem a exagerar mais
do que outras as eventuais ameaças e perigos, principalmente quando estão em
situações novas e que julgam que não teriam capacidade de solucioná-las. [...]
Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado
como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida,
lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Algumas
vezes, não é a circunstância em si que promove o sofrimento, mas a forma
distorcida de percebê-la, que pode trazer muito desconforto e limitações. A
intolerância à incerteza/ e ou às emoções envolvidas também são considerados
elementos importantes que podem atuar como sinalizadores. Maximizar as
dificuldades também fomenta pensamentos de ruminação mais pautados nas ameaças
imaginárias e com menos embasamento nos riscos factuais, sinalizando
preocupações improdutivas. E neste caso a situação pode evoluir para quadros
avançados de tensão, estresse, transtornos de ansiedade e até mesmo transtornos
de humor depressivo. [...] “A angústia é, dentre todos os sentimentos e
modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de
sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na
monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem
elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas
mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais
profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
A
psicologia também adverte que a maneira de perceber o mundo, exagerando a
gravidade das adversidades, acaba impactando em capacidades fundamentais para a
resolução de embaraços, como a criatividade, o otimismo e a iniciativa. O
comportamento somente é considerado fora da norma se não for funcional ao
contexto em que está inserido. Ter-se, um olhar sobre o obstáculo depois que
ele passou, pode ser um termômetro importante sobre o sofrimento causado e
também um novo marco para olhar os contratempos futuros. É importante também questionar
as evidências se de fato a objeção não poderá ser resolvido de alguma forma.
Geralmente,
as pessoas se preocupam com coisas que não necessariamente tem algum poder de
mudança ou influência. Exemplo, o momento de saída da situação de ociosidade
involuntária, influenciar membros na família disfuncional a adotar atitudes
funcionais e outros. E, na verdade, quando não se tem a possibilidade de uma
ação concreta sobre um incômodo, a preocupação exagerada pode ser muito
improdutiva. Também é importante refletir quais seriam as possíveis ações a
serem tomadas e quais os recursos a pessoa teria para resolver o sufoco.
Uma
questão importante que a pessoa pode se fazer ao enfrentar um impedimento é, 1.
Quais dos meus pensamentos me ajudam e quais me atrapalham na resolução desse infortúnio?
2. Se a pessoa tende a exagerar os obstáculos, será possível encontrar uma
lista grande de pensamentos que costumam não a ajudar. Diante disto o sujeito está vivenciando a
compulsão a repetição da preocupação improdutiva. [...] Freud no seu
texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
São
preocupações produtivas aquelas que contribuem para a resolução de adversidades
e conduz a uma ação concreta, específica, plausível que se pode realizar no
momento ou com razoável chance de acontecer. Já as improdutivas são
preocupações que geram os pensamentos [e se], com alguma possibilidade que pode
acontecer ou pode ser pouco possível de ocorrer, porém extremamente improvável e
não se tem o controle da situação para resolver. Exemplo, até quando ficará na
condição de desempregado; até quando ficará na família disfuncional; até quando
vai o isolamento social; até quando ficará nesta relação abusiva e outros. Ou
ainda pensar, e se não conseguir um emprego, mesmo realizando todos os esforços
na procura; e se não sair do evento conflitante. São preocupações que não se
têm controle e na maioria das vezes são inúteis e geram ansiedade.
Ser
sempre preocupado, não necessariamente indica que o indivíduo é pessimista
sobre a vida, mas que de certo modo se habituou em ser assim. Estar preocupado lhe
permite uma falsa sensação/ e ou falsa esperança de estar no controle das
situações [desemprego, ser agente de transformação numa relação abusiva, ser
mediador em conflitos familiares], e a pessoa estará ciente do imbróglio, entretanto
não significa que está no controle. Aceite o caos e não se esquive das
circunstâncias. Não adianta entrar em modo culpa [consciente ou inconsciente] por
estar com impecílios, isso não resolve.
Às
vezes o que acontece, é que o indivíduo pensa que está sozinho na situação e as
vezes está mesmo sozinho e até pensa que ninguém mais passa por isso. Tenha
certeza que muitas pessoas passam pelo mesmo, e muitos buscam ajuda,
compartilham depoimentos e talvez acabe tendo uma luz escutando histórias
semelhantes. Na verdade, o sujeito pode
se preocupar sim. Porém de maneira eficaz produtiva. Escolha o modo preocupação
produtiva. Temos as preocupações improdutivas, que causam um estado de
ansiedade e sobre coisas que não dependem apenas da pessoa.
Ou
ainda, o sujeito entra em [adivinhações de futuro] ou [e se] e [será]. O
sujeito enxerga e imagina coisas de forma maior [magnificação] do que realmente
são, e em contexto negativo. Esse tipo de preocupação não é funcional, pois o coloca
em suposições da vida. Existem, por outro lado, as preocupações produtivas e
que são funcionais. Aquelas que por mais difícil que tudo pareça, algo poderá
ser feito. Vamos refletir um pouco.
A
primeira coisa a fazer é identificar qual é a sua maior preocupação, qual o
contexto mais profundo existente nela, e que desperta seus medos, aponte algo
que possa ser feito a respeito. Defina qual a probabilidade da sua preocupação
acontecer, quais hipóteses e saídas podem encontrar para a situação. O que de
pior pode acontecer? – seria algo superável? Verifique se tem muitos
pensamentos limitantes que lhe impedem de encontrar a solução, e se são
exagerados ou muito negativos. Exemplo, se algum amigo estivesse passando pela
mesma situação e lhe pedisse orientação com um conselho, o que você
recomendaria? O importante é sempre ter este diálogo interno, se possível
escrever, definir novas metas, colocar a vicissitude ou a preocupação em
discussão.
É
preciso mudar o padrão na forma de pensar, realizar debates internos. Muitas
vezes as soluções são bem claras, mas a pessoa não consegue perceber, pois fica
no modo ansioso. Vamos entender a preocupação produtiva, ou seja, ela permite
que a pessoa busque uma solução, exercendo algum tipo de controle sobre a
situação. Entenda uma coisa, não podemos ter o controle de tudo e nos
preocuparmos sobre algo que não temos controle só aumenta a ansiedade, tristeza
e frustração, além disso, é uma energia mental inútil.
É
viável adotar uma postura mais adaptativa frente ao aperto, checar se este é
passível de resolução, coletar informações relevantes, comparar prós e contras
dos diferentes tipos de solução, reformulação de crenças, bem como o
aprendizado de novas habilidades de enfrentamento. Contudo para se conseguir
conciliar uma mudança de olhar ou de perspectiva, quando uma pessoa acredita
estar sem saída, depois de realizar inúmeras tentativas de reinserção no
mercado de trabalho, ou depois de várias intervenções na família disfuncional
para promover alteração de atitudes disfuncionais, ou ainda que o seu futuro
parece sem esperança ou fadado de desastres, ela precisa treinar a
flexibilidade cognitiva, considerando a possiblidade de outros cenários.
De
acordo com o psicólogo, a ideia não é desenvolver uma percepção otimista, mas
uma avaliação justa e realista e orientar que as pessoas exercitem a sua inventividade
para construir respostas alternativas ao seu modo de pensar ou mesmo para lidar
com os percalços considerando múltiplas formas de interpretar uma mesma
situação ou preocupação produtiva e improdutiva. O indivíduo pode aprender a apoiar
a si mesmo avaliando a forma de pensar, sentir e comportar-se, entre outras que
podem ser aprendidas na psicoterapia.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ,
MARILENA. HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova
Cultural, 1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
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