Setembro/2020.Escrito por Ayrton Junior - Psicólogo CRP 06/147208
O presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre a desigualdade e a exclusão de profissionais diante do mercado de trabalho na sociedade. A desigualdade social é considerada um fenômeno social, assim como a violência, o preconceito, as relações comunitárias. Fenômenos sociais são quaisquer fenômenos que ocorram em nossa sociedade e são analisados a partir da existência coletiva. São objeto de estudo da Psicologia Social, que examina sua dimensão objetiva (BOCK, 2008).
Por tanto desigualdade social é um conceito que afeta principalmente os países não desenvolvidos e subdesenvolvidos, onde não há um equilíbrio no padrão de vida dos seus habitantes, seja no âmbito econômico, escolar, profissional, de gênero, entre outros. O conceito de exclusão é bastante habitual no âmbito das ciências sociais ou da política para fazer menção à situação social desfavorável de uma pessoa ou de um grupo de indivíduos [desempregados, população LGBTQ, pessoas com entrada na meia-idade até a velhice e outros].
Neste sentido, espera-se que um sistema económico ou um modelo de país favoreça a integração social e o bem-estar geral; aqueles que não gozam de oportunidades de desenvolvimento ou que não conseguem satisfazer as suas necessidades básicas são considerados excluídos. Uma pessoa pode ser pobre por múltiplos motivos [desemprego, remuneração deficiente, famílias muito numerosas, problemas de saúde]; essa pobreza faz com que não possa comprar alimentos, ter uma casa digna, aceder a medicamentos, ter uma educação acadêmica e etc. Por conseguinte, a pobreza leva o sujeito a ficar fora do sistema, excluído, e faz com que vivencie a angustia da desigualdade ou exclusão despercebidamente. [...] “A angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
A humilhação social trata-se de um fenômeno político e psicológico (GONÇALVES FILHO, 1998). O sujeito humilhado é impedido na sua humanidade, que ele reconhece em si mesmo, no seu corpo, gestos, imaginação, voz e no seu mundo, seja de trabalho ou no bairro em que vive de sair da desigualdade. Afinal, há uma enorme vontade de ser feliz e de recomeçar mesmo quando as esperanças pareçam ter acabado diante do desemprego ou qualquer outra eventualidade. Esse mesmo profissional é perde o direito a sua voz na sociedade, na família.
E ainda há alguns membros de familiares que se comportam de modo a causar humilhação no desempregado aplicando inconscientemente dentro do próprio lar a desigualdade aproveitando-se da vulnerabilidade para ofende-lo e até sub julga-lo com um poder tirânico do Superego, exemplo, caso o desempregado esteja morando de favor na casa de algum ente querido o Superego tirânico expulsa o ego desempregado da residência por não compreender a demora do indivíduo reinserir-se no mercado devido à fatores que lhe escapam ao controle por se encontrar na condição de vulnerabilidade.
A classe média, por sua vez, ao se acomodar com o conforto do consumo, substitui as preocupações cidadãs e omite-se das discussões políticas, mas vive ameaçada pela possibilidade de empobrecimento e de escassez de ter objetos. Com a psicanálise, entendemos que simplesmente a inclusão de sujeitos despreparados nos setores produtivos não garante a erradicação da pobreza. Esta, enquanto efeito de civilização, requer de todos e, em particular, dos pobres o desejo de sair dela. [...] Freud, em O mal-estar na civilização (1930/1976), afirma que a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos isolados, famílias, nações, povos e raça numa unidade – a humanidade. A pulsão de morte, a agressividade e a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra um se opõem a esse programa da civilização.
Uns tem muito e outros têm pouco, o que se aplica tanto ao dinheiro quanto às oportunidades de trabalho, de educação, de moradia, de compra]. Evidentemente, isso afeta nossos estilos de vida assim como a qualidade de vida que levamos. Entretanto os efeitos da desigualdade não param por aí, existem também efeitos psicológicos. Os ricos que possuem quase tudo, e uma classe média com pouco capital, se a compararmos aos ricos, e os pobres que não têm nada. [...] O homem é projeto. A necessidade de viver é uma necessidade de preencher esse vazio, de projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não somos, é o anseio de continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz de projetar-se. Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a radical temeridade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir (MORENTE, 1980, p.316)
De modo conjunto, a economia e a classe social de pertencimento vão produzir os efeitos psicológicos que relato a seguir. Desigualdades cotidianas, ou seja, a classe social à qual pertencemos [rica, média ou pobre] influencia a forma como percebemos a realidade, como nos sentimos e como nos comportamos. As pessoas de classe baixa vão perceber que os eventos que acontecem ao seu redor dependem de forças externas que escapam de seu controle, alguns atribuem significado a religião, exemplo o cristão está em transgressão, Deus está no controle de tudo e o diabo como impedimento ou falta de experiência em determinada ocupação, não ter oportunidade de realizar uma especialização devido a privação de recursos financeiros.
Mobilidades urbanas precária, residir em bairros afastados das organizações que provocam estressores até a chegada do local de trabalho ou até o fato de encontrar-se afastado pela distância possibilita a oportunidade para que outro trabalhador seja contratado o que sinaliza a desigualdade. Estas pessoas costumam ter mais empatia e compaixão, têm comportamentos altruístas ou, em outras palavras, realizam mais ações positivas para com os outros sem ganhar nada em troca. Elas atuam inconscientemente no recordar, repetir e elaborar os mesmos comportamentos, ou seja, atuam na compulsão a repetição do altruísmo, tudo isso em comparação com a classe alta. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
A diferença entre a quantidade de dinheiro que os mais ricos e os mais pobres possuem vai determinar a desigualdade econômica de uma sociedade. Se em uma sociedade os ricos tiverem cinquenta vezes mais dinheiro que os pobres e em outra eles tiverem cinco mil vezes mais, a primeira sociedade terá menos desigualdade econômica que a segunda.
Assim, as pessoas de sociedades mais desiguais costumam ser mais desconfiadas, competir mais pelos recursos econômicos e estar a favor de que existam desigualdades econômicas. Por tanto a desigualdade existe e sempre existirá, para que uma minoria lidere sobre uma maioria tornando-a alienada. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Todos nós crescemos em uma determinada classe social, e a maioria sempre vai viver em uma classe social muito similar à qual cresceu. Alguns quando surge uma oportunidade conseguem sair da sua classe social e avançar para a classe social abastada, mas são poucos os que conseguem. Outros até conseguiram galgar um curso acadêmico, porém ainda permanecem na classe social de origem por ausência de oportunidades. Por essa razão, desenvolvemos uma forma de pensar, sentir e agir muito similar às pessoas que por sua vez, nos rodeiam, e isso determina como nos relacionamos com outras pessoas.
As pessoas de classe social baixa costumam viver em ambientes nos quais existe incerteza, nos quais sua vulnerabilidade é alta e as ameaças são importantes e muita frequentes. Isso as leva a perceber que as suas ações e as que não tem oportunidades não dependem delas, mas sim de elementos externos que não podem controlar. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Conjuntamente, são mais sensíveis ao contexto. Contudo as pessoas de classe alta têm mais recursos econômicos e sua hierarquia social é viver com alta segurança, mais liberdade de escolha e que se caracterizam pela estabilidade. Por isso, estas pessoas aprendem a perceber que é, diferente das outras pessoas e que elas têm a capacidade de influenciar o contexto da classe baixa, e tornam-se mais sensíveis às opiniões de outras pessoas.
Parece que o desempregado vivencia sem perceber ou ter desnudado diante de seus olhos o fenômeno da desigualdade pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, pois seu ambiente é cercado de incertezas e conta com estímulos externos geradores de desprazer que fogem ao seu controle e até ao seu conhecimento por estar destituído de diversas informações naquele exato momento, o que pode causar a perda momentânea/ e ou temporária de competir com o outro, pois se sente humilhado. Repenso que somente com a vontade de recomeçar e avaliar-se a si mesmo, compreendendo o fenômeno real a desigualdade pode-se sair da condição alienada da humilhação para melhorar a condição de vida.
Referência Bibliográfica
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008
CHAUÍ, MARILENA. HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
FREUD, S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD, S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914). "Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD, S.Mal-estar na civilização. (1930[1929]) In: ______. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976.v.XXI, p. 75 -174.
GONÇALVES FILHO, J. M. Humilhação Social – um problema político em
Psicologia. Revista Psicologia USP. São Paulo, vol 9, n. 2, 1998.
MORENTE, MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
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