Setembro/2020.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre a crença do não
merecimento na sua vida. Um adulto que foi submetido involuntariamente a uma infância
com ausência de recursos onde a criança não teve as necessidades básicas
plenamente satisfeitas, exemplo, alimentação, roupas, moradia digna, educação, lazer
e etc. Pode ser também bastante prejudicial e de tanto ouvir, não pode isto; não
temos; hoje não dá; não é pra você; não é para nós [e às vezes até, quem você
pensa que é para querer isso ou aquilo, pensa que é melhor que os outros, pensa
que é rico] a criança cresce e vai internalizando cada vez mais que ela não
pode e não merece ter acesso a certas coisas, e na fase adulta irá reproduzir
inconscientemente os pensamentos internalizados na infância.
Permita-se a avaliar a si próprio. Sente
dificuldade em receber presentes? Pensa que não é digno de ter um bom trabalho?
Ou se pergunta será que não mereço ter um bom trabalho com ótimo salário? Precisa
presentear ou fazer algo de volta pelo outro para ficar em paz? Consegue
receber elogios de forma natural ou precisa minimizá-los ou retribuí-los na
mesma hora? Quando existe a possibilidade de ganhar algo de bom [ex.: um
sorteio, uma promoção no emprego, uma viagem, um ingresso para o teatro…] tem a
tendência de deixar para as outras pessoas ou você também quer ganhar e
aproveitar? Se você conquista uma situação melhor [maior salário, um curso
acadêmico, uma casa num condomínio, vida mais confortável] precisa justificar para
você mesmo ou para os outros o tanto que você trabalhou para conquistar aquilo?
[...] Esse medo
marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como
desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida,
lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Quando
adquire algum bem material [ex.: carro, casa, computador, televisão, roupas,
bicicleta] você precisa pensar e justificar para você mesmo ou para os outros
que se esforçou bastante para sentir-se bem com o que adquiriu? Agora e se algo
vier muito fácil, você aceita e usufrui tranquilamente, ou aproveita, mas com
sentimento de culpa pensando que alguma coisa está errada na sua vida para ser
merecedor deste bem. Existe ainda a crença do não merecimento ligada a questões
espiritualistas e religiosas.
O
cristão não teve o merecimento, ou seja, a fé e´insuficiente em Cristo Jesus para
se curar de tal doença ou não estar em tal posição de status, de finanças ou de
cargo por falta de ser merecedor, pois está oculto a sua transgressão. Ciclano não
tem o merecimento para sair da situação financeira difícil que vem desde a
infância. [...]
Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que
começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto
transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos
recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar,
quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta
em nós.
Se
for do merecimento de beltrano, ele irá conseguir. Reconheça-se como merecedor,
e vá em busca do que você deseja. Seja persistente até alcançar o que deseja.
Se a solução vier rápida e facilmente, aceite e aproveite. Não compre o título
que alguém tenta lhe passar de não merecedor, pois isso acaba apenas criando
passividade e culpa. Penso que todos nós, de forma consciente ou inconsciente damos
causa a nossa angustia do não merecimento ou pelo menos contribuímos para ela.
Ainda assim, todos merecem se libertar do sofrimento. [...] “A angústia é, dentre todos os
sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao
encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela
imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o
homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas
mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais
profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
A
falta de merecimento origina um desequilíbrio emocional que sentimos no nosso
dia a dia. Ficamos desconfortáveis perante as oportunidades que recebemos,
questionando as nossas competências/ e ou pontos fortes. O sentimento de
merecimento situa-se na nossa capacidade de nos sentirmos abundantes no momento
presente, representa a nossa capacidade de nos sentirmos confortáveis com a alegria
e com o prazer que estamos a sentir no momento. O nosso nível de merecimento é
uma das variáveis mais inconscientes que nós temos dentro de nós. É como se
tivéssemos um conjunto de regras internas que enquanto não são expostas de
forma consciente, continuamos a obedecer a essas regras. [...] Em sua obra “Além
do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição
também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de
prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para
impulsos instintuais que foram reprimidos.
Acreditamos inconscientemente que apenas
quando formos notáveis aos olhos do outro, fizermos algo diferente ou
atingirmos o objetivo é que vamos nos aperceber merecedores. Procurar ser
medíocre não vai ajudar em nada as pessoas, nossos colegas ou nossos filhos. Não existe nenhum galardão
em diminuir nossas competências, habilidades e atitudes apenas para que os
outros não se sintam inseguros ao nosso lado. No entanto parece que o não
merecimento age na consciência do indivíduo de modo inconsciente influenciando a
auto sabotar as próprias conquistas, as oportunidades. [...] O homem é projeto. A
necessidade de viver é uma necessidade de preencher esse vazio, de projetar-se
no futuro. É o anseio de ser o que não somos, é o anseio de continuar sendo. O
homem só pode transcender se for capaz de projetar-se. Assim, ele sempre busca
um sentido para sua vida. “A angústia contém na sua unidade emocional,
sentimental, essas duas notas ontológicas características; de um lado, a
afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a radical temeridade diante do
nada. O nada amedronta ao homem; e então a angústia de poder não ser o atenaza,
e sobre ela se levanta a preocupação, e sobre a preocupação a ação para ser,
para continuar sendo, para existir (MORENTE, 1980, p.316)
A
privação de recursos financeiros é a somatização [no bolso do sujeito] do
sentimento de não merecimento daquilo que o dinheiro pode comprar. Agora o Stress
é uma sensação permanente por não se sentir merecedor de sentir prazer, de se
sentir bem, em paz consigo mesmo.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
MORENTE,
MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo:
Mestre Jou, 1980.
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