Setembro/2020.Escrito por Ayrton Junior - Psicólogo CRP 06/147208
O presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre a intolerância a incerteza na vida. Exemplo, um profissional se encontra na ociosidade involuntária já um tempo e devido a isto mora com um filho que quando morava com a mãe, a mesma teve uma atitude de humilhar o filho, deslocando sua raiva através do mecanismo de deslocamento, expulsando o filho para fora de sua casa. Este filho terá problemas com figura de autoridade e no futuro irá reproduzir a atitude da mãe que o expulsou.
Tenderá a expulsar para fora de sua casa ou de sua vida figuras de autoridade todas as vezes que se sentir pressionado ou em desprazer com o pai, o supervisor, a esposa e outros que se encontrarem em situações que lhe esteja causando insatisfação, exemplo, o pai que está desempregado, a mulher que não consegue trabalho e outros. O mecanismo de projeção usado pelo ser humano em diversas situações em que não consegue lidar com a humilhação, acaba projetando no Outro o sentimento de raiva por ter sido em algum momento de sua trajetória de vida, humilhado por outro, e acaba por reproduzir inconsciente o mesmo comportamento de humilhação. Estamos diante da compulsão a repetição da humilhação. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
Diante desta ilustração podemos começar a entender a incerteza que está presente na vida daquele que será expulso e não o agente que expulsa em si, pois este tem a convicção que uma hora ou outra expulsará o sujeito de sua vida. O amanhã é um mistério, porém constantemente estamos nos perguntando para onde a vida nos levará. Frente a esta pergunta surge, em nossa mente, por mais otimista, por mais que tenhamos fé, a curiosidade e a vontade de conhecer o que está por vir [o futuro que é o amanhã]. Queremos ter o controle de tudo, isto nos causa um grande temor, o que será o amanhã? Como lidar com a incerteza que chega a nossa consciência todos os dias?
Principalmente o que nos aflige é saber como suprir a necessidade de nos sentirmos seguros e certos de que nossas escolhas nos levaram aos resultados esperados. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
A angústia pode aparecer em qualquer momento de nossas vidas até mesmo no mais calmos, pois aí é que mergulhamos em novos projetos, sonhos que nos levam a fazer escolhas que geralmente vem acompanhadas de ansiedade, angustia, incerteza e cada uma delas tem seu preço e seu prêmio, neste momento precisamos aprender a olhar para o prêmio, pois o preço que vamos pagar independentemente da escolha que fizermos. [...] “A angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
Se perceber que está constantemente com essa sensação analise o que está pensando, vivendo no momento, e procure enfrentar a situação sem fugir ou reprimir. Perceba se está sendo pressionado pelo ambiente familiar ou profissional, se é devido ao desemprego se guarda traumas, complexos, sentimento de inferioridade, baixa autoestima, enfim procure se perceber e se respeitar mais. Enquanto humanos sabemos que o futuro existe, embora não saibamos o que vai acontecer especificamente. E esta incerteza pode levar a níveis de ansiedade extremos. Habitualmente, as pessoas preferem a certeza à incerteza. Onde diferimos é no grau com que a incerteza nos perturba, podendo colocar-nos num continuum de preocupação. Questione-se a si mesmo acerca das vantagens em aceitar a possibilidade da incerteza. [...] Freud, em O mal-estar na civilização (1930/1976), afirma que a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos isolados, famílias, nações, povos e raça numa unidade – a humanidade. A pulsão de morte, a agressividade e a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra um se opõem a esse programa da civilização.
Será que isto o ajudaria a estar menos ansioso, menos preocupado e a mais disponível para usufruir do momento presente? Como, o desemprego, ser ou não expulso do local que está residindo e etc. Há desvantagens em aceitar a incerteza? Isso faz de si irresponsável ou coloca-o em perigo? Ou serão estas avaliações exageradas e irracionais? Será que a incerteza pode ter vantagens?! Note que a incerteza lhe traz novidades, boas surpresas, desafios novos e estimulantes. O que quero dizer é que o que deu certo, uma vez nós tendemos a reproduzir ou narrar como o que nós sempre queríamos.
Sempre quis ser psicólogo, por isso fiz psicologia e deu certo para mim trabalhar com psicologia. O que não deu muito certo, podemos as vezes culpar a alguém ou as circunstâncias, e talvez pensar que não era muito o que queríamos ou não era para se de fato. E, é claro, como somos nós que contamos, é fácil omitir certas coisas. No que tange ao futuro, como podemos contar sobre o que ainda não aconteceu? Pode referir-se a uma situação em que não se pode prever exatamente o resultado de uma ação ou o efeito de uma condição. A incerteza é equiparada a uma dúvida da qual predomina o limite da confiança ou estado da crença na verdade de determinado conhecimento. E é possível suspender as ações até encontrar um panorama claro. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
O normal nestes casos é a suspensão da decisão que se pensava implantar diante de um estado normal de situação para evitar qualquer equívoco ou erro que nos poderia complicar no futuro. Já a insegurança que uma pessoa sente diante de um acontecimento, por outro lado, costuma ser chamada de incerteza depois que um indivíduo a experimenta após determinado acontecimento. Exemplo, depois da violenta avalanche ocorrida existe uma grande incerteza sobre o paradeiro dos membros da família. Em ambos os casos mencionados, a incerteza goza de uma conotação negativa e consiste basicamente em um importante grau de desconhecimento ou, melhor dizendo, na falta de informação, pois de fato existem discordâncias sobre o que se sabe ou o que pode ser conhecido, ou seja, desvelado.
E a intolerância à incerteza se refere a crenças negativas sobre a incerteza e suas possíveis implicações. Pessoas com altos níveis de intolerância acreditam que essa intolerância as impede de viver confortavelmente e ter uma vida plena. Além disso, acreditam que não saber sobre o futuro é perturbador e estressante, que acontecimentos inesperados são negativos e por isso situações assim devem ser evitadas e acreditam também que para funcionar de forma adequada é preciso ter certeza de tudo ou ter diante de si descortinado o futuro para que possam sentir-se seguras.
Se há algo verdadeiro na vida é o fato de que não temos certeza de nada ou de muito para quebrar o paradoxo como diria Descartes. Mesmo assim, na sociedade pouco, ocidental, a ideia de que é possível manter tudo sob controle é constantemente promovida e precisamos encontrar soluções pontuais e rápidas para tudo. Uma característica que é decisiva para a adaptação e que não costumamos praticar é a tolerância à incerteza. A tolerância à é precisamente essa capacidade de lidar com a falta de incerteza, certezas e soluções imediatas. [...] O homem é projeto. A necessidade de viver é uma necessidade de preencher esse vazio, de projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não somos, é o anseio de continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz de projetar-se. Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a radical temeridade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir (MORENTE, 1980, p.316)
Embora sempre tentemos resolver tudo e encontrar uma resposta, a verdade é que isso é impossível. Às vezes, as respostas e soluções vêm apenas com o tempo. A intolerância à incerteza é frequentemente o resultado de uma simplificação da realidade. As hipóteses sobre o que acontece são muito reduzidas. Ou é um ou é o outro. A pessoa tem dificuldades para fazer suposições e extrair novas hipóteses, ou simplesmente aceitar que não é possível entender, pelo menos nesse momento.
A tolerância à incerteza se manifesta como a capacidade de aceitar a falta de uma e as pessoas que possuem essa qualidade não ficam angustiadas, ansiosas quando a resposta não aparece instantaneamente. Elas simplesmente contam, concentrando-se em aceitar e seguem em frente com os elementos que entendem e atentos aos novos fatos que surgem para ajudá-los a elucidar o que realmente está acontecendo. A busca de certezas, em algumas situações, pode expor-nos ao sofrimento e a dor. Muito mais do que as incertezas.
Referência Bibliográfica
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao estudo de Psicologia. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2008
CHAUÍ, MARILENA. HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
FREUD, S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD, S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914). "Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD, S.Mal-estar na civilização. (1930[1929]) In: ______. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976.v.XXI, p. 75 -174.
GONÇALVES FILHO, J. M. Humilhação Social – um problema político em
Psicologia. Revista Psicologia USP. São Paulo, vol 9, n. 2, 1998.
MORENTE, MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo: Mestre Jou, 1980.
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