Novembro/2019.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente texto convoca o leitor(a) a reflexionar sobre as ações consciente e
inconsciente ao se encontrar decepcionado consigo mesmo. Assim, quando isso
ocorre, somos visitados por emoções que nos remetem a uma frustração inicial e
que podem levar, mais tarde, a uma intensa sensação de indignação, raiva por
perceber que alguém de nossa confiança, consciente ou inconscientemente, deixou
de atender as nossas expectativas pessoais. Esse desencantamento que
experimentamos, em alguns casos, pode se tornar devastador a ponto de ficarmos
temporariamente confusos, por perceber que aquilo que tínhamos como certo em
termos de cumplicidade e consideração, na verdade, sequer existe sob o ponto de
vista do outro.
Nesse
momento, é como se ocorresse um tipo de conflito com a realidade advindo do
princípio do prazer e dessa forma tais acontecimentos abalam, de maneira
profunda, as crenças de respeito e de confiança que, na maioria das vezes,
imaginávamos poder receber em troca de nossa afeição, mas que agora,
forçosamente somos obrigados a rever, alterando de maneira pontual, os
conceitos de amizade, integridade e bem querer. Certos indivíduos podem, em alguns
casos, agir de maneira intencional para nos frustrar. É fato, entretanto, em
uma parcela expressiva dos casos aqueles que nos decepcionam não têm uma noção
lá muito clara a respeito dos contornos que essa desilusão pode desempenhar em
nosso mundo interno, assim como o desdobramento emocional que é derivado dessa
quebra de expectativa.
A
decepção pode envolver até as pequenas mentiras que, às vezes, contamos aos
demais, como uma valorização excessiva de nossa personalidade. Entretanto, há
também as mentiras que dizemos a nós mesmos, o chamado autoengano e que,
contrariamente ao que imaginaríamos, exerce igualmente uma importante função na
manutenção da nossa imagem social. Assim sendo, mais frequente do que
perceberíamos, estamos montando pequenas estórias, necessárias, porém, nem
sempre verdadeiras, para assegurar nossa aceitação grupal. Assim sendo, quando
uma pessoa não se adéqua aos modelos já criados em nossa mente e, assim, nos
frustra ou nos decepciona, e nossa mente é obrigada, rapidamente, a ter que
realizar um tipo de atualização ou de ajuste forçado. Ou seja, nesse momento
conseguimos ter a súbita percepção da dissonância causada entre o que
imaginávamos ocorrer [no que tange aos comportamentos] versus o que estamos
percebendo de diferente na conduta alheia para conosco.
E
o pior é que esse processo aciona, inconscientemente, alguns dos mecanismos de
defesa do ego mais primitivos de rejeição pessoal, causando nos uma grande
desorientação psicológica, pois esses sinais, ao serem disparados, trafegam
pelas mesmas vias neurais da dor física, provocando-nos também um efetivo
desconforto biológico no organismo. Vamos rememorar que, a rigor, a quebra
dessas expectativas que vivenciamos, na verdade, faz parte de um processo que
tem início e fim única e exclusivamente em nosso próprio cérebro e, portanto,
cada ato ou acontecimento externo apenas mostra que nossas construções
imaginárias, no fundo, são falhas e, portanto, em última instância, são de
nossa única e inteira responsabilidade [e não dos demais].
Às
vezes, as mudanças causadas pelas decepções podem ser irreversíveis, pode não
ser negativo, embora dependerá sempre da direção em que a transformação será
produzida dentro de nossa consciência. Acrescento que se as mudanças provocadas
pelas decepções são negativas, elas podem ser fatais para o nosso próprio ser,
e isso não é algo bom. Decepções que nos fazem perder a esperança e a fé
religiosa. As decepções podem nos fazer perder toda a esperança por uma vida
melhor, um futuro mais brilhante ou um presente prazeroso e alegre. E isso nos
afetará de tal forma que vamos perder a perspectiva, entrando na compulsão a
repetição da síndrome da falsa esperança. [...] Freud no seu texto
“Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
O desapontamento, na grande maioria das
vezes é um impulso para a ação, fornece-nos motivação para crescer e ir ao
encontro dos nossos objetivos. A decepção pode considerar-se sempre que
identificamos, um erro entre aquilo que desejamos alcançar ou que acontecesse e
aquilo que realmente alcançámos ou que aconteceu. Sempre que identificamos esta
discrepância, na grande maioria das vezes podemos ficar decepcionados, com os outros
ou conosco mesmo. A decepção é uma forma de frustração, e aprender a lidar com
a frustração é uma habilidade necessária para conseguirmos lidar com as nossas
emoções de forma funcional. Aceitar a realidade, é uma das possibilidades para
lidar com a decepção dos outros, é perceber e tomar consciência que somos todos
humanos, e os seres humanos são, por definição, seres imperfeitos.
Todos
nós, cada um de nós, sempre decepciona alguém, em algum momento ou outro.
Reconhecer este fato da experiência humana pode ajudar-nos a lidar com a dor da
desilusão, quando se trata de aprofundar a nossa capacidade de amar e conectarmo-nos
com a imperfeição dos outros ou com nossas imperfeições. Coloque-se num estado
mental mais claro sempre que você experimentar a decepção. Num estado de
abatimento você é puxado para baixo, para um estado inferior, onde os seus
pensamentos são predominantemente enraizados no medo, angustia, tristeza, dor
ou até mesmo apatia.
E,
usualmente todo este processo ocorre de forma inconsciente. Pode haver momentos
em que o sentimento de decepção é tão avassalador que parece o fim do mundo. A
tristeza instala-se, com isso você se lança para o seu passado, relembrando-se
de mais acontecimentos de tristeza que comprovam a sua decepção. O ciclo de
negatividade cresce de forma automática, dado que a tristeza alimenta a
tristeza, ou seja, a compulsão a repetição das ações devido a decepção.
Os
seus níveis de energia libidinal diminuem podendo levar à resignação e à
letargia. Ficar preso num tal estado que o impede de pensar logicamente e com
clareza, é desvantajoso. Ao lidar com a decepção, o seu primeiro foco deve ser
tentar trazer a sua consciência para um nível mais neutro ou positivo, tentando
colocar-se num estado de maior capacidade para reagir à sua situação. Religue-se
aos seus valores, desejos, interesses e não aos resultados: Quando você está
desapontado, a sua fonte de decepção pode estar enraizada no seu apego
excessivo a um determinado resultado.
Quando
um resultado não se manifesta do jeito que você imaginou, você fica
decepcionado. Esta é uma resposta perfeitamente natural. No entanto, entenda
que as suas expectativas no resultado, ou objetivos, são um reflexo ou projeção
externa de um desejo subjacente que você tem. As expectativas podem ou não ser
projeções precisas, porque são interpretações meramente subjetivas do que você
pensa que é necessário para viver de acordo com o seu desejo subjacente.
É
importante trabalhar a sua capacidade de adaptação às circunstâncias da vida e
à mudança, desenvolvendo a sua flexibilidade de pensamento. Muitas pessoas
permanecem num estado desapontado, porque ficam enraizadas nas suas
expectativas acerca de como a realidade deve ser. Se você está decepcionado com
alguma coisa, muito provavelmente pode estar a alimentar certas percepções
sobre como as coisas deveriam ser. Estas percepções não são a realidade, elas
são invenções criadas por si na sua consciência, não propriamente falsas, mas
elaboradas nas suas crenças e formas ideológicas de olhar o mundo.
Nem
verdadeiras, nem falsas. Entretanto se estão contribuindo para a sua decepção,
merecem ser revistas, merecem um outro olhar. Muitas pessoas decepcionam-se com
algumas situações ou resultados, porque veem isso como uma derrota ou um
fracasso comparativamente ao que querem atingir. Sentem-se como se tivessem
dado um passo para trás relativamente às suas expetativas. você pode precisar
de aumentar os seus recursos ou mudar a sua abordagem para alcançar os
resultados desejados. A sua decepção tem realmente como finalidade ajudá-lo a
mover-se em direção aos seus objetivos, e não o conduzir para longe como se
pensava inicialmente. Mantenha-se focado nos seus desejos e nos seus sonhos de
vida. Não olhe os resultados como fracassos usando a decepção como uma
paralisia da ação. Com os seus desejos em mente, continue em frente.
O risco da decepção está embutido em
quase todas nossas atividades, desde as mais corriqueiras e simples como não
encontrar o tênis que gostamos na loja do shopping, como as mais abrangentes
como descobrir que aquela pessoa com quem nos relacionamos não apresentou as
características que julgamos ter identificado. Toda decepção oferece a
oportunidade de reavaliação. Será que devemos insistir no mesmo ou recomeçar
algo novo? Mudamos os objetivos ou aprimoramos os mesmos? Acredito que todas
estas opções são válidas.
Acaso
desistir e considerar que nada vale a pena seria produtivo. Nem sempre é
confortador ouvir que a dor pode nos fazer crescer, contudo pode ajudar a olhar
um pouco mais para longe, talvez num futuro, nem tão distante, onde a decepção
não seja mais tão significativa. A decepção pode ser vista como uma informação.
Porventura
seja a informação de que as pessoas passem impressões erradas, ou que tiramos
conclusões erradas sobre as pessoas. Decerto nos informe que as coisas mudam e
nem sempre contamos com estas mudanças. Nos decepcionamos com pessoas, com
situações e com objetos. Imagino que a decepção com pessoas seja mais dolorida.
De toda forma mesmo quando nos decepcionamos com objetos pode haver uma pessoa envolvida,
pois alguém o produziu ou foi responsável por alguma parte do processo.
Conceituo
importante avaliarmos nossas decepções, pois pode ser possível que só tenha
ocorrido por nós mesmos, por termos nos enganado acreditando mais no que
gostaríamos que fosse verdade, do que a realidade estava se apresentando. Pode
ser que tenhamos colocado expectativas irreais sobre temas aos quais,
observando bem, podemos ver que não seria possível. Neste interim um psicólogo
pode ajudar quando as decepções promovem desconforto ou descontentamento.
Algumas vezes são as decepções mencionadas que oferecem informações para o
psicólogo avaliar a possibilidade de transtorno depressivo. O psicólogo pode ajudar
a entender a origem das decepções, o quanto, e se, a própria pessoa está de
alguma forma facilitando para que as decepções ocorram, talvez o psicólogo
possa ajudar a fortalecer esta pessoa a fim de lidar com as próximas decepções
e superar as já vivenciadas.
A decepção pode levar a um estado de
inconformismo tão grande que o indivíduo pode passar anos da sua vida obcecado
em encontrar razões pelas quais foi traído em seus sentimentos mais sinceros.
Quer a qualquer custo entender por que alguém em quem depositava tanta
confiança acabou agindo de maneira a destruir, a macular todo o bom sentimento
que o ofendido lhe tinha. E toda uma história de bem-querer fica comprometida,
dando lugar a um sentimento grave de injustiça. É como se algo morresse dentro
de si.
Exemplo,
um indivíduo que acredita estar absolutamente dentro das regras da instituição secular/
e ou religiosa e desempenhando bem o seu papel pode entrar num redemoinho de
desilusão ao ser preterido numa promoção ou dispensado da organização. Sem
entender os motivos, pode deixar de acreditar que o seu empenho tenha valido a
pena.
Deixar-se
levar pelas dores que acompanham esse sentimento acaba gerando mais dor. Todas
as atitudes que tomamos no calor de uma emoção contundente geralmente desemboca
em arrependimento. Quem fica mergulhado na raiva ou na mágoa está transformando
a dor em sofrimento. Quem deixa a revolta dizer que o outro merece experimentar
a mesma dor que causou, pode se deixar levar por uma atitude de vingança e não
se dá conta de que acaba se igualando ao seu agressor.
Refletindo
sobre uma autocrítica, não escolhemos ficar na posição de vítima passiva e, ao
mesmo tempo, podemos nos certificar de que não absorveremos uma culpa que não
nos cabe. Como diante de um episódio que causa decepção ficamos tomados por diversas
perguntas sem respostas e por vários sentimentos desencontrados, o melhor é não
fazermos absolutamente nada até que o primeiro impacto seja absorvido. Depois mais
calmos, podemos começar por olhar para nós mesmos, tirando o foco da pessoa que
nos decepcionou ou da situação a qual criamos ilusão.
A
decepção nada mais é que do uma expectativa frustrada de algo que não
aconteceu. Geralmente vem acompanhado de sentimentos de raiva, tristeza e
impotência. Porém, de onde surge essa expectativa? As decepções fazem parte da
vida e é preciso aprender a lidar com elas. Porém, às vezes, são tão sérias que
chegam a desequilibrar a pessoa emocionalmente. Podemos considerar que houve
uma decepção quando há uma diferença entre aquilo que esperávamos e aquilo que
realmente aconteceu, seja algo que envolve outras pessoas em um evento ou
somente nós mesmos. [...] Em sua obra “Além do Princípio
do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora
do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca,
mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que
foram reprimidos.
O
melhor é tentar fazer da decepção um fator que motive alguma ação que nos
permita crescer, avançar rumo ao nosso objetivo, questionar e encarar a realidade
como ela é. A decepção é muito similar à frustração, que também precisa ser
experimentada de forma a promover o aprendizado e o crescimento. Se você é um
adulto e tem dificuldade para lidar com a decepção, talvez você não tenha
desenvolvido a capacidade necessária para isso na infância ou na adolescência.
É aí que o psicólogo pode ajudar, te ajudando a encontrar os gatilhos que farão
você enfrentar as decepções de uma maneira muito mais fácil.
Quando
as pessoas não agem de acordo com aquilo que esperamos, sendo ingratas e
injustas e nos causando dor, devemos aceitar a realidade por mais difícil que
isso possa parecer. Afinal, estamos falando de seres humanos imperfeitos e que
causam desilusão e outros sentimentos negativos e prejudiciais. Não deixe que a
mágoa e a raiva te consumam. Procure praticar bons sentimentos, como gentileza,
gratidão, bondade e segurança.
É natural que fiquemos tristes,
frustrados, desapontados ou até irados quando somos decepcionados. Sofrer uma
decepção é uma experiência desagradável, às vezes até extremamente dolorosa,
principalmente quando nos decepcionamos com alguém próximo, com quem temos uma
relação mais estreita ou com objetivos que colocamos esperança e não aconteceu
como esperado. Contudo a decepção é um coisa ruim? Não, não é. Pelo contrário, decepcionar-se
é uma coisa boa, importante para o amadurecimento humano, já que se decepcionar
significa perder a ilusão em relação alguém ou alguma coisa, quando algo
inesperado destrói nossas expectativas.
Nós
é que insistimos em ver algo como queremos ver, criando nossa própria realidade
de forma conveniente para nós na tentativa de evitar encarar a realidade.
Referência
Bibliográfica
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
Comentários
Postar um comentário