Julho/2020.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre algumas características dos complexos. Os complexos
se formam a partir de um aglomerado de ideias e imagens que possuem um núcleo
afetivo que os une. Esses aglomerados vão se organizando desde a infância
através de conflitos emocionais recorrentes e gerados na relação do indivíduo
com o meio interno e externo. Os complexos são como personalidades autônomas
que podem direcionar nossas atitudes, muitas vezes, sem um processo de tomada
de consciência. É como se, em determinados momentos, o Ego fosse tomado pela
força de um determinado complexo e não tem energia suficiente para sair da
situação.
Disso advém, não raras vezes, o esquecimento, os
lapsos de memória e as atitudes estranhas à personalidade do indivíduo. É como
se a pessoa estivesse em poder de um demônio, uma força muito superior à sua
vontade. Isso gera um sentimento de impotência. Mesmo que a pessoa se observe
enquanto está se tornando a vítima relutante de uma compulsão a repetição interior
para dizer ou fazer alguma coisa que ela sabe que seria preferível deixar, por
dizer ou fazer, o roteiro desenrola-se como previsto, e as palavras são ditas, e
os atos são realizados. Uma força intrapsíquica foi chamada à ação por uma
situação constelante. [...] O mal de tudo isso é que buscam as agitações da vida como se a posse
das coisas que buscam devesse torná-los verdadeiramente felizes. O problema é
que não os tornam, nunca estão satisfeitos com nada. A grande consequência
disso é que abandonam seu projeto essencial. As preocupações da vida
constantemente os distraem e o perturbam. “O ser-humano, em sua vida cotidiana,
seria promiscuamente público e reduziria sua vida a vida com os outros e para
os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria o tornar-se si
mesmo” (CHAUÍ, 1996 p.8).
Os arquitetos dessas constelações [são determinados
complexos que possuem energia específica própria]. Constelar, neste contexto,
quer dizer um momento em que determinado complexo está carregado
psicologicamente e a consciência já se encontra em estado perturbado. Este
momento é marcado pela tomada do complexo. O Ego, nesta situação, pouco pode
fazer contra o complexo. Neste sentido, é como se o Ego fosse subjugado pelo complexo.
Todavia, o complexo não se apresenta de todo como algo ruim. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud
afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não
incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo,
trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Se pensarmos que são esses conflitos com as
realidades que promovem o desenvolvimento da personalidade, teremos que o complexo
auxilia o enfrentamento e o fortalecimento do Ego através desses entrechoques.
Em ambos os casos, o complexo aparece apenas como algo a ser olhado e analisado
pelo Ego consciente. Esse olhar, no sentido aqui empregado, se refere ao
processo de assimilação da energia do complexo pelo Ego. Dessa forma, a partir
da resolução de um conflito [complexo] o Ego toma para si a energia dispendida
na resolução desse conflito e se desenvolve. Isso ocorre, pois, ao tocarmos um complexo,
o que normalmente ocorre é que o indivíduo perca sua estruturação consciente e
adentre a campos conflituosos. Podemos dizer que o indivíduo, nestes casos,
perde o controle sobre si e torna-se possuído pelo complexo. [...] “A angústia é, dentre todos os
sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao
encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela
imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o
homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar
pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais
profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
O que vemos é uma explosão emocional. É como se o
indivíduo vivenciasse o momento em que se instalou o conflito em sua Psique,
exemplo, desemprego, crise conjugal, crise econômica e outros objetos
significativos para o indivíduo. Podemos usar como exemplo um indivíduo que
tenha alguma relação de conflito com facas. Ao se falar sobre facas com esse
indivíduo ocorrem reações psicossomáticas nas quais o Ego consciente não
consegue manter o controle. Ou ao discursar sobre demônio com esse sujeito
ocorre reações na qual o Ego consciente não consegue manter o controle. Ou
ainda o sujeito ao estar na condição de ociosidade involuntária [desemprego],
ocorre reações de hostilidade na qual o ego consciente não consegue manter o
controlo sobre a raiva. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse
em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir
enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não
pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a
recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado
desperta em nós.
Neste caso, o simples entendimento de seu conflito
não diminuiria o conflito em si. Deveria haver, juntamente com esse conhecimento
intelectual, um reviver emocional do fato. Essa atitude frente ao conflito
promoveria a resolução do conflito e a energia até então contida no complexo se
tornaria, então, parte do Ego fazendo com que esse indivíduo tenha nova postura
com relação aos objetos que são ou que lembrem a faca, o demônio ou o
desemprego.
Temos que ter claro que o Ego deve ser capaz de
minimizar as alterações de complexo a fim de que o indivíduo tenha capacidade
de adaptar-se e sobreviver em sociedade. É a falta deste controle, em menor ou
maior grau que dará início a um processo patológico. No primeiro caso, temos
que um determinado complexo muitas vezes não se manifesta, mas apenas
disfarçadas fazendo com que o observador tenha extrema atenção aos fatos
pormenores e simbólicos a fim de que compreenda seu significado. Podemos
identificar um exemplo disso nas pessoas que dizem não precisar de cuidado, mas
que os outros estão sempre cuidando delas. Na verdade, esta pessoa está tomando
atitudes que manipulam a realidade, negando a realidade através de algo como um
complexo de poder, que pode não ser reconhecido conscientemente. [...] O ser humano é esse nada, livre para
ser alguma coisa. “Suspendendo-se dentro do nada o ser aí sempre está além do
ente em sua totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se
o ser-aí, nas raízes de sua essência, não exercesse o ato de transcender, e
isto expressamos agora dizendo: se o ser-aí não estivesse suspenso previamente
dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto,
também não consigo mesmo. Sem a originária revelação do nada não há ser-si-mesmo, nem
liberdade. (HEIDEGGER, 1996, p. 41).
Quando inquirida, esta pessoa provavelmente irá
negar sua manipulação alegando, não raras vezes, que faz tudo pelos demais. De
acordo com a teoria, deve-se buscar sempre a posição oposta quando a atitude
consciente se mostrar unilateral e inflexível. Neste ponto, busca-se as reais
intenções do indivíduo e, consequentemente, o complexo que está mais atuante na
vida desse indivíduo. Ocorre que uma postura extremada que pode muitas vezes
ser apenas uma forma de o Ego não entrar em contato com o complexo, negando-o através
do medo a fim de afirmar e reafirmar uma postura consciente que está prestes a
ser abalada pelo complexo emergente. Aqui enquadram-se todos os distúrbios de
comportamento, seja verbal, motor, auditivo, bloqueios na memória, etc. [...] Esse medo marcará nossa memória, de
forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto uma situação
de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud,
2006, p.162)
Podemos visualizar estes acontecimentos quando
alguém esquece ou troca o nome das pessoas. Nesta situação, podemos supor, que
o esquecimento está relacionado de certa forma com algum complexo. Todas estas
manifestações são referências de que um complexo está ativado ou, no mínimo,
está rondando a consciência de forma conflitiva. O estímulo que provoca o
complexo pode ser insignificante ou grande, de longa ou breve duração, mas os
seus efeitos sobre a psique podem continuar por extensos períodos de tempo e
chegar à consciência em ondas de emoção, ansiedade e angustia.
Em resumo podemos dizer que o complexo indica um
aglomerado de ideias, sensações, emoções, imagens, experiência em torno de um
ou mais arquétipos, cujo núcleo [de origem arquetípica] é portador de forte
conteúdo emocional. Constituem unidades vivas e gozam de grande autonomia.
Quando não se estabelece uma boa comunicação entre a consciência, o ego e os
conteúdos do complexo, estes causam por vias inconscientes, perturbações
psíquicas e sintomas físicos, que podem levar a pessoa a um estado de possessão
[surtos, demoníaca].
Apesar disso, não pode ser considerado por si só
como patológico, embora indica que existe algo conflitivo, aponta para o conteúdo
que foram reprimidos ou desconhecidos e que não foram assimilados pela
consciência. O complexo interfere na vida consciente, leva-nos a cometer lapsos
e gafes, perturba a memória, envolve-nos em situações contraditórias, arquiteta
sonhos e sintomas neuróticos. [...] O homem é projeto. A necessidade de viver é uma necessidade de
preencher esse vazio, de projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não
somos, é o anseio de continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz
de projetar-se. Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia
contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas
características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a
radical temeridade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a
angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e
sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir
(MORENTE, 1980, p.316)
Os complexos são formados a partir dos arquétipos,
presentes no inconsciente coletivo. O arquétipo, na verdade, é o centro de todo
complexo e funciona como uma espécie de imã que atrai as experiências
significativas de nossas vidas. Dessas experiências que carregam em si mesmas
grandes significados, surgem os complexos. Um grande exemplo de desenvolvimento
de um complexo é o complexo Divino, que se desenvolve a partir do arquétipo de
Deus em conjunto com as experiências religiosas e espirituais da vida de uma
pessoa. Lembrando que, o arquétipo pode ser aquilo que consideramos como
modelo, forma de vida, uma celebridade a ser seguida. [...] Em O Futuro de uma Ilusão, por
exemplo, Freud (1927/1976) trabalha a concepção do desamparo em relação à
perspectiva da falta de garantias do ser humano e da criação de deuses para
compensá-la, refletindo sobre a origem e a função da religião e da cultura: “o
desamparo do homem permanece e, junto com ele, seu anseio pelo pai e pelos
deuses”, dos quais se espera a missão de “exorcizar os terrores da natureza,
reconciliar os homens com a crueldade do Destino, particularmente a que é
demonstrada na morte, e compensá-los pelos sofrimentos e privações que uma vida
civilizada em comum lhes impôs.
O arquétipo de Deus, assim como toda figura
arquetípica, existe primeiramente no inconsciente coletivo. Este Arquétipo vai
somando com outras experiências da pessoa com o mundo. A partir das experiências
espirituais, o arquétipo relacionado a Deus forma o complexo Divino. O complexo
vai se tornando cada dia mais forte, por conta dos materiais acumulados, até
que ele enfim, reúne força suficiente para chegar ao campo da consciência [parte
conhecida da mente]. O Fortalecimento do Ego no processo terapêutico é de
extrema importância para que o paciente busque e alcance o seu ponto de
equilíbrio emocional, atingindo assim um elevado nível de consciência, tornando
possível uma boa administração de nossos complexos, afinal todos nós temos
complexos e ninguém está livre disso.
Um complexo bem equilibrado é saudável. Lembrando
que todo desequilíbrio não gera apenas desconforto, desprazer, mas pode gerar
também altos níveis prejudiciais ou até mesmo levar a destruição.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
FREUD,
S. (1927). O futuro de uma ilusão. In: _____. Obras completas. v. 21. Rio de
Janeiro:
Imago, 1976
FREUD,
S.(1929). O mal-estar na civilização. In: Edição standard brasileira das
obras
psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago,
1990.
HEIDEGGER,
M. Que é Metafísica? Os pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1996
MORENTE,
MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo:
Mestre Jou, 1980.
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