Julho/2020.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leitor(a) a olhar para o fenômeno angustia
gerada no indivíduo enquanto permanece na condição de ociosidade involuntária
chamada de desemprego forçado e a sua responsabilidade. Contudo, alguns homens
fogem da angustia [desemprego, divórcio, crise conjugal, no trabalho
organizacional, de ter que educar os filhos, do casamento e outros] procuram
preencher seu vazio de modo impessoal, vivem uma vida inautêntica. Buscam
preencher seu vazio na banalidade da vida cotidiana com prostituição, álcool,
drogas, ou seja, uma vida repleta de libertinagem e até mesmo com o ato suicida.
A
impessoalidade torna a vida mais segura e monótona. Fazer o que os outros fazem
torna a vida mais fácil. Nos dias atuais muitos preenchem seu vazio em
divertimentos e no consumo. Os indivíduos buscam ainda cargos, poder, dinheiro,
sexo para fugir da angústia e da responsabilidade por sua vida. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud
afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não
incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo,
trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
O
sujeito desempregado se apercebe faltante de liberdade financeira, hoje muito
usada pelo marketing digital na internet e somente se enxergará com autonomia
financeira mediante a conquista de um emprego. Até o momento em que não for
preenchido o vazio do emprego, o mesmo estará na angustia do desemprego e como
lidar com esta angustia e assumir a responsabilidade dela em sua vida por ter
sido originada pela crise econômica?
Certamente
indivíduos não pedem para ficarem desempregados de modo involuntário, embora
haja aqueles que pedem de maneira voluntária, pois um sujeito desempregado
deixa de contribuir de forma efetiva para o crescimento do país, pois gastará
todos os seus recursos financeiros e ainda também seus recursos internos que o
conduzirá a um estado emocional, propiciando-o
a contrair doenças psicossomáticas devido aos caos gerado na sua vida pela falta, ausência de
emprego e de outros objetos representativos significantes que deixa de adquirir
por não estar empregado.
Qual
a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa? Ex.: no caso o
desemprego. O primeiro passo deve ser dado justamente em relação a
assumirmos que aquilo que se queixa, e só mudará a partir da sua própria
mudança e que os efeitos dessa mudança proporcionarão a mudança da sociedade. As
desculpas tendem a desaparecer e a pessoa começa a ser responsável. E daqui
advém o sentimento de controlo sobre a sua própria vida.
Observamos
que Freud, desde os primórdios de sua obra, implicava o sujeito em sua posição
subjetiva como responsável até mesmo por sua neurose, exemplo, por seu
desemprego, por sua crise de identidade e existencial e etc. Podemos depreender
daí que o sujeito é responsável desde o início pela sua condição, pelo tipo de
assujeitamento ao qual está engajado [desemprego, divórcio, crise conjugal].
Freud, em “A Questão da Análise Leiga”, em 1926, retoma literalmente o tema da
responsabilidade do sujeito. O autor irá dizer que o paciente que sofre e
queixa-se de seus males a ele, no entanto, não quer ser curado. Conforme o
autor: “O paciente deseja ser curado [E.: sair do desemprego], entretanto ele
também deseja não ser curado [não sair do desemprego].”
A
questão da divisão do sujeito o coloca em outro regime de responsabilidade que não
é o social. Neste aspecto, podemos ver a resistência do ego no ganho primário e
o ganho secundário da doença, o gozo do sintoma, como responsabilidade do
sujeito. Freud chama a atenção para os motivos da resistência de ganho
secundário, onde descreve a existência de uma profunda necessidade de punição,
que classifica como masoquista. [...] O mal de tudo isso é que buscam as agitações da vida como se
a posse das coisas que buscam devesse torná-los verdadeiramente felizes. O
problema é que não os tornam, nunca estão satisfeitos com nada. A grande
consequência disso é que abandonam seu projeto essencial. As preocupações da
vida constantemente os distraem e o perturbam. “O ser-humano, em sua vida
cotidiana, seria promiscuamente público e reduziria sua vida a vida com os
outros e para os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria
o tornar-se si mesmo” (CHAUÍ, 1996 p.8).
Para
o autor, isso seria o pior inimigo do trabalho terapêutico: O sujeito obtém
satisfação no sofrimento que está vinculado à neurose [ex.: desemprego], e por
essa razão aferra-se à condição de estar doente [desempregado]. Enxergamos, no entanto, que no momento atual a
responsabilidade do sujeito vem sendo medicalizada e juridicalizada. A
sociedade contemporânea destituiu do sujeito sua potência, atribuindo seu
destino faustoso ou nefasto a fatores que independem de sua ação. Assim, vemos
uma cultura de seres impotentes, alienados, cuja angústia é o mal do momento.
Portanto, é de suma importância estarmos cônscios do nosso papel enquanto
analistas, fazendo prevalecer uma ética que devolve ao sujeito o que lhe é de
direito e dever, sair do estado de alienação. [...]
Com referência a isso, Freud faz uma
observação: “Eles se queixam da doença, mas a exploram com todas as suas
forças; e se alguém tenta afastá-la deles, defendem-na como a proverbial leoa
com seus filhotes.” (FREUD, A Questão da Análise Leiga, p.252)
A
auto responsabilidade é uma habilidade extremamente importante. E pode ser
aprendida. Se você é uma pessoa observadora, já deve ter percebido a tendência
que a maioria das pessoas possuem de transferir a culpa, é lógico que não
podemos deixar de observar eventos de catástrofes naturais, crises econômicas e
outros. Essa é uma ação tão comum em nossa sociedade, que a maioria de nós faz
isso sem perceber. A verdade é que é muito difícil sejam esses acontecimentos
positivos ou negativos assumir a responsabilidade por tudo aquilo que acontece conosco,
sejam esses acontecimentos positivos ou negativos.
O
que é auto responsabilidade, é a capacidade de atribuir unicamente para si a
responsabilidade sobre aquilo que acontece em sua vida, seja positivo ou
negativo, também é possível notar que nem tudo somos responsáveis, ex.: como
ser responsável por uma catástrofe natural, um terremoto, então é necessário
avaliar a responsabilidade diante de certos acontecimentos.
Essa
é uma habilidade que pode ser desenvolvida, mas que exige treino e dedicação.
Estamos muito acostumados a transferir a culpa, em especial quando falhamos de
alguma maneira. A verdade é que essa é uma posição cômoda, fácil de ser
mantida. Como tudo que é confortável, no entanto, essa não é uma postura
construtiva. Ao transferir a culpa, você sempre estará abrindo mão de algo a
mais, de controle.
Quando
você pratica a auto responsabilidade, traz para si o controle sobre os eventos
da sua vida. Afinal, se você é o responsável por determinadas situações, você
pode mudar os resultados que está conseguindo através das suas ações. Se a
responsabilidade é sua, o controle é seu. O primeiro passo para desenvolver a
auto responsabilidade é perceber que, embora você não possa controlar as outras
pessoas e nem o seu ambiente, e ações. [...] O ser humano é esse nada, livre para ser alguma coisa.
“Suspendendo-se dentro do nada o ser aí sempre está além do ente em sua
totalidade. Este estar além do ente designamos a transcendência. Se o ser-aí,
nas raízes de sua essência, não exercesse o ato de transcender, e isto
expressamos agora dizendo: se o ser-aí não estivesse suspenso previamente
dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o ente e, portanto,
também não consigo mesmo. Sem a originária revelação do nada não há ser-si-mesmo, nem
liberdade. (HEIDEGGER, 1996, p. 41).
Talvez
não consiga efetivamente controlar sentimentos e emoções negativos, como raiva,
angustia, frustração e desânimo. Contudo pode controlar como reagir perante a
qualquer situação que se apresentar diante de você, exemplo, o desemprego que
gera angustia em todos os desempregados. Entender essa possibilidade de
controle, vai abrir os seus olhos para uma nova perspectiva. Agindo de maneira
assertiva, positiva e responsável, você poderá ir muito mais longe. Nada em nossas
personalidades e comportamentos está escrito como imutável. Entenda que é
possível mudar de um jeito ou de outro. Habilidades, comportamentos e hábitos
podem ser mudados e aprendidos. Basta ter dedicação e encontrar os recursos e
métodos corretos para fazê-lo.
Juntamente
com a noção de culpa, aparece a noção de que não se pode errar. No entanto,
sabemos que a aprendizagem, a evolução, vem do erro e da lição que aprendemos
com este erro. A culpa impede uma interpretação construtiva do erro,
impossibilitando o desenvolvimento. A culpa é o sentimento de não ser digno, de
ser mal e traz remorso e censura. É um movimento de raiva deslocado contra si próprio,
que muitas vezes só diminui com a punição.
Por
vezes, a punição nunca é suficiente para reduzir a sensação de culpa e o
indivíduo vive num ciclo constante de depreciação própria. Responsabilidade é
força, é liberdade para modificar o que não está bem, com o foco no futuro. É
assumir e aprender com as consequências dos nossos erros e olhar para eles como
oportunidades de aprendizagem. É uma postura adulta e saudável perante a vida. [...] Freud no seu texto
“Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
É
na fase de adulto que se encontram as maiores exigências da vida. Ser adulto
implica construir um caminho no sentido da realização profissional, afetiva e
familiar. Na área profissional podem surgir algumas questões relacionadas com a
satisfação no trabalho, a pressão que se sente para se ser mais competente, a
competitividade, o salário, ou a gestão das relações com colegas e chefes. Na
área familiar existem medos, as preocupações de se querer constituir família,
as relações amorosas, o ser-se pai/mãe, gerir o tempo entre trabalho e família.
E também na área pessoal surgem dúvidas, do que é que realmente gosto? O que é
que me satisfaz? Como é que me sinto? [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e
será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma
situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
E
equilibrar todas estas áreas não é uma tarefa fácil. Por um lado, pensar em nós
próprios, ao mesmo tempo que se tem que dar respostas aos outros. Por outro
lado, a necessidade do tempo e do espaço que precisamos para nos sentirmos
livres e livrarmo-nos desse peso, ao mesmo tempo o querer criar raízes e
construir algo que naturalmente, implica responsabilidade. Ter consciência das
necessidades básicas, de se alimentar, do lazer, do que sinto, das emoções e
sentimentos em mim, da minha necessidade e do outro, de estar em contato com o
outro, ter consciência que uma atitude minha é uma parte desse todo, e altera o
todo.
Outro
exemplo, uma atitude agressiva com o outro, pode implicar em uma noite mal
dormida e uma briga, um dia sem se alimentar bem, pode simplesmente reprimir
toda a raiva do momento, isso resulta em um sofrimento, que na maioria das
vezes só se tem consciência de estar sofrendo. Não ocorre mudança sem que
passamos por um momento de consciência, e o objetivo de toda psicologia é
primeiramente esse, tornarmos consciente, daquilo, que somos, do que nos faz
ser assim como somos, consciente de onde estou [ex.: na condição de desemprego],
o porquê de estar sentido [ex.: angustia] o que estou sentindo nesse momento
[ex.: angustia, alegria, tristeza, raiva]. E na média em que vivo, tomo
consciência da minha vida, e sou responsável pela vida que tenho.
Não
basta apenas ter consciência, é preciso junto a isso, se responsabilizar pela
vida que leva, e por todos a nossa volta, sim somos responsáveis por todos. Sou
responsável pela vida medíocre que levo, pelo fim do casamento, pelo
desemprego, pela minha solidão, pela minha dor, pela minha agressividade, pela
minha depressão e outros que você conseguir listar agora, enquanto lê o artigo.
[...] O homem é
projeto. A necessidade de viver é uma necessidade de preencher esse vazio, de
projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não somos, é o anseio de
continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz de projetar-se.
Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia contém na sua
unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas características;
de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a radical temeridade
diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a angústia de poder não ser
o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e sobre a preocupação a ação
para ser, para continuar sendo, para existir (MORENTE, 1980, p.316)
É
angustiante ser responsável por permanecer no desemprego, isso implica em uma
escolha que fiz, em uma escolha que não fiz, é tentador dizer que a culpa não
foi minha, foi o outro [governo, o
empregador] que fez isso comigo, foi o
destino, era para ser assim, essa é a vontade de Deus para mim, sou assim porque nunca tive um pai ou mãe, um dia isso vai mudar, embora não saiba
quando, não tenho tempo, essas frases repletas de desculpas são sempre fugas,
para o passado, o futuro ou racionalizar, e deixar de assumir a
responsabilidade, pois é somente aceitando essa condição é que será possível a
mudança. [...] “A
angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele
que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os
pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida
cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si
mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o
autoconhecimento em sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
Por
tanto consciência sem responsabilidade, é um jogo intelectual de palavras, ou
seja, não existe responsabilidade sem estar consciente. Da mais simples a mais
complexa vivência do ser, estas palavras vão estar em ato, e sempre acompanhou
a humanidade, todos já vivenciamos situações em que foi concretizado, e nem
sempre temos consciência disso, nem sempre aceitamos a nossa responsabilidade,
nem sempre queremos mudar, pois não é fácil ser o responsável pelo que sinto
[raiva, angustia, hostilidade, tristeza, depressão, melancolia], principalmente
quando o que sinto ou faço me causa sofrimento.
Responsabilidade
é ação, é movimento, quando digo que sou, estupido e ignorante, estou tendo
consciência dos meus atos e atitudes, mas não aceito, sou uma doença, fujo da
responsabilidade, do engajamento e da mudança. Se formos capazes de assumir a
responsabilidade por nossas escolhas, as boas e as más, podemos transformar
qualquer circunstância negativa, mas para isso precisamos nos abrir. Muitas
vezes nos encontramos na compulsão a repetição de más situações e nos
questionamos sobre o para que, o porquê desta situação estar acontecendo
conosco e nos vitimizamos.
Esquecemos
ou nem sabemos que é preciso nos conscientizar de nossa negatividade e deixar
de acreditar que o outro é o responsável pelo nosso sofrimento [medo, angustia,
tristeza, magoa, raiva]. Depois precisamos buscar a compreensão do motivo pelo
qual nos colocamos nesta condição, exemplo, no desemprego, no relacionamento
abusivo, no uso das drogas e etc. Precisamos aprender algo, precisamos buscar
respostas diferentes, a as vezes nos auto sabotamos. Perceba a intencionalidade
de suas atitudes. [...] Voltando a Freud, vemos que já em 1917, no texto “Luto e
Melancolia”, ainda apoiado na primeira tópica, o autor faz uma alusão sobre o
que poderíamos chamar de uma responsabilização do sujeito que ocorreria na
melancolia: “Quando, em sua exacerbada autocrítica, ele se descreve como
mesquinho, egoísta, desonesto, carente de independência, alguém cujo único
objetivo tem sido ocultar as fraquezas de sua própria natureza, pode ser, até
onde sabemos, que tenha chegado bem perto de se compreender a si mesmo; ficamos
imaginando, tão somente, por que um homem precisa adoecer para ter acesso a uma
verdade dessa espécie.” (FREUD, Luto e Melancolia, p. 278-279)
Observe
a extensão do dano que sua atitude causa. Ela atinge só a você ou traz
consequências para mais alguém? Era para ofender alguém e sobrou para você?
Conseguiu perceber algo? Não se culpe, assuma a responsabilidade pela situação [desemprego,
relacionamento abusivo, discussões familiares, drogadição, prostituição,
conflito organizacional] e interrompa esse jogo, use toda a sua positividade e
força de vontade e assume a responsabilidade do controlo da angustia na sua
vida.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
FREUD, S
(1894). _________. (1917). Luto e Melancolia, ESB, v. XIV. Rio de Janeiro:
Imago.
HEIDEGGER,
M. Que é metafísica? Os pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1996
MORENTE,
MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edições. São Paulo:
Mestre Jou, 1980.
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