Ano 2021. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo
CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leit@r a observar sua tensão neste período
de quarentena, isolamento social ou qualquer situação anterior a estes
episódios. Pois é, meus amigos, a Pulsão de Morte. Mas, por que de Morte?
Porque, ao contrário das pulsões sexuais que nos fazem construir ligações afetivas
e gerar outras vidas e das pulsões de autopreservação [como a fome, a sede, o
sexo por exemplo.] que nos fazem preservar nossa própria vida, a Pulsão de
Morte parece querer levar-nos para a destruição, para a morte, para a
perturbação, exemplo, correr desenfreadamente de moto pela estrada alcoolizado,
tirar rachas de carro embriagado, atravessar sinal fechado em sinaleiros em
alta velocidade com carros a noite embriagado, usar drogas exageradamente,
prática de sadomasoquismo no sexo que levam ao sufocamento. Em sua obra “Além
do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição
também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de
prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para
impulsos instintuais que foram reprimidos.
Segundo Gustav Fechner, nosso aparelho
psíquico é como uma máquina de descarregar tensão [A ansiedade vem justamente
quando não conseguimos descarregar a tensão acumulada]. Exemplo, um indivíduo
em busca de emprego e o tempo vai passando e o mesmo não consegue trabalhar de
forma alguma, imagina como está a tensão deste sujeito. Ou ainda um sujeito com
desejo sexual pode aliviar a tensão masturbando-se, pois encontra um substituto
temporário até que possa realizar o coito. Mas no caso do indivíduo que se
encontra na ociosidade involuntária por 4 anos como este fará para descarregar
a ansiedade? Quais objetos substitutos de emprego vai encontrar?
O
problema é que se a tensão for totalmente descarregada, a pessoa morre. Logo,
ao realizar completamente a tendência de nosso aparelho psíquico, o resultado é
a morte. Vejamos, então, a conclusão de Freud; se nosso aparelho psíquico tende
a descarregar toda a tensão que acumulamos no dia-a-dia, quando o sujeito tem
necessidade de repetir as mesmas coisas ou pensamentos, é porque ainda não
consegui descarregar. A repetição é uma forma de tentar descarregar toda a
tensão, ou seja, buscar outro desenlace. Ou ainda uma pseudo esperança.
Mais
profundamente, além de operar as ligações, as pulsões de vida seriam o próprio
princípio de investimento, o próprio movimento de investir em objetos. Já a
pulsão de morte realizaria a função desobjetalizante, atacando as relações com
o objeto [por exemplo, uma profissão, um carro, sexo, rompimento com a vida, namorar,
dinheiro e por aí vai] e com todos os substitutos deste, desfazendo as ligações
existentes e, com isso, atacando a própria atividade potencial de investir. Ela
representaria, desse modo, o princípio de desinvestimento (Green,
1966-1967/1988).
É
claro, porém, que, se é possível caracterizar a pulsão de morte e seus efeitos
como força disruptiva/ e ou perturbadora, protesto vital e abertura para a
diferença, não se pode perder de vista o solo de desestruturação sobre o qual
isso está assentado. Se Constrói o conceito de pulsão de morte como expressão
da insistência do irrepresentável e de uma força disruptiva impossível de ser
amansada ou domesticada. De modo que devemos reconhecer que se, por um lado,
Freud (1937b/1996) supôs a necessidade do amansamento das pulsões, por outro,
por diversas vezes, sublinhou a infinitude da força pulsional, apontando para a
ideia de que a simbolização não pode dissolver a repetição inerente à pulsão de
morte. Não haveria como domar a fera selvagem que a ideia de pulsão de morte
representa.
Querem
ver um exemplo de como isso é verdade? A mendicância. A melhor imagem para a
pulsão de morte é a chamada morador de rua, a região de campinas no centro da
cidade onde convivem à luz do dia mendigos e consumidores de drogas. O mendigo deixa
de pensar em trabalho, estudo, namorada, para passar o dia a mendigar sua alimentação.
O que esse cara busca? Alimentar-se. Sim, ele não quer prazer sexual, ele não
quer o prazer de trabalhar, ele não quer sair da autodestruição de si mesmo, ele
quer uma sensação maior. Ele quer uma satisfação que não o faça mais ter responsabilidade,
compromisso, ter prazer. E ele quase consegue; por uns poucos minutos a mendicância
lhe dá essa ilusão. Mas a atitude em pouco tempo passa. [...] Freud no
seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a
pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto
transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos
recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar,
quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta
em nós.
A
psicanálise disponibiliza esse olhar sem discriminação para as dores da psiquê.
Tanto o suicídio, assassinato e acidentes fatais são observados com cautela e,
em alguns casos, com possíveis caminhos para o entendimento de uma ação que
culmina no rompimento com a vida. O encontro com a satisfação plena, quer se
trate de atingir profissionalmente o topo profissional, quer encontrar um
objeto amoroso que supostamente é tudo aquilo que deseja, adquire para as
pessoas um caráter enlouquecedor [de fato, o gozo pleno existe, mas somente na
loucura e na drogadição].
A
primeira razão para isso é que encontrar a plenitude [num objeto amoroso, por
exemplo] é uma incrível ameaça de dependência, o que sobra do sujeito se
encontrar fora de si o objeto perfeito? Como sobreviveria não só a uma possível
perda, mas ao cotidiano com ele buscando garantir, a todo custo, sua
permanência junto a si? A segunda razão também assusta, encontrar o objeto
perfeito pode assombrar com a morte do desejo se já o encontramos, o que nos
fará levantar da cama, que força nos mobilizará, senão o desejo?
Por
si só, o esvaziamento do desejo já causa angustia na pessoa, porém o cenário é
pior. Sem sua energia, o sujeito não fica totalmente sem energia, mas uma nova
força assume seu lugar, a angústia da perda do objeto perfeito [por exemplo, a
carreira de psicólogo, de teólogo, de telemarketing e etc.]. Quer dizer, ao
invés do indivíduo ser estimulado pela energia erótica [no sentido
metapsicológico, não sexual] do desejo, o sujeito é pôr thânatos em sua face de
angústia. Processo dinâmico que consiste numa pressão ou força [carga
energética, fator de motricidade] que faz o organismo tender para um objetivo.
Segundo Freud, uma pulsão tem sua fonte numa excitação corporal [estado de
tensão]; o seu objetivo ou meta é suprimir o estado de tensão que reina na
fonte pulsional; é no objeto ou graças a ele que a pulsão pode atingir a sua
meta. [...] “A angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da
existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua
totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na
monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem
elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas
mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais
profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
Voltadas
inicialmente para o interior e tendendo à autodestruição, as pulsões de morte
seriam secundariamente dirigidas para o exterior, manifestando-se então sob a
forma da pulsão de agressão ou de destruição. As pulsões de morte representam a
tendência fundamental de todo ser vivo a retornar a um estado anorgânico, ou
seja, com a morte física do sujeito. Freud elaborou o conceito de pulsões de
morte ao observar os fenômenos de repetição, que o levou a ideia do caráter
regressivo da pulsão. Em tais fenômenos de repetição, o aparelho psíquico não
apenas descarregava a libido, mas a libido estava relacionada a situações
desagradáveis [exemplo, a pandemia, o desemprego, o isolamento social, divórcio,
perdas financeiras na bolsa de valores, perda de emprego e outros].
O
princípio de realidade surge como uma necessidade do psiquismo de descarregar a
tensão pulsional não de uma maneira alucinatória, mas a partir das condições
que o mundo oferece. O princípio de prazer é o campo das atividades psíquicas,
entregue as fantasias inconscientes. Já o princípio de realidade corresponde a
obtenção de satisfação no plano da realidade. Cabe ao ego mediar e garantir a
supremacia do princípio de realidade sobre o princípio de prazer. Nas palavras
de Freud: “[o ego] consegue discernir se a tentativa de obter satisfação deve
ser efetuada ou adiada, ou se a reivindicação da pulsão não deverá ser pura e
simplesmente reprimida como perigosa.
Exemplo,
um indivíduo deseja obter a habilitação para conduzir motocicleta, mas a
quarentena mantém todas as autoescolas fechadas. Desta forma a pessoa está
adiada de estar de posse de sua CNH, e comprar uma moto em uma agência, então
ela busca um substituto para seu desejo que lhe causa ansiedade. O sujeito tem
o desejo de comprar uma mobilete por um valor muito baixo, ou seja, através do
mecanismo de defesa substitutivo o indivíduo tenta substituir a moto que exige
CNH, e não pode ter este desejo realizado devido ao princípio de realidade a
quarentena que adia a abertura das autoescolas.
Então
para ter seu desejo realizado ele usa um substituto que é a mobilete que não
exige CNH e pode ser obtida por um valor baixo no mercado, tudo isto para
aliviar a tensão, o desprazer, o adiamento que está sendo imposto pela
quarentena. Desta forma a pulsão de vida continua a agir na pessoa que
encontrou outro objeto para satisfazer a necessidade. [...] Formação
Substitutiva, A representação do desejo inaceitável é recalcado no
inconsciente. Fica então uma falta que o ego vai tentar preencher de forma
sutil e compensatória. Tentará obter uma satisfação que substitua aquela que
foi recalcada e que obtenha o mesmo efeito de prazer e satisfação que aquela
traria, mas sem que essa associação apareça claramente à consciência. Bergeret
(2006) dá como exemplo o transe mítico, que pode constituir somente um
substituto do orgasmo sexual: aparentemente não há nada de sexual, na
realidade, porém, o laço com o êxtase amoroso e físico se acha conservado, o
afeto permanece idêntico. A formação substitutiva vem então constituir um dos
modos de retorno do recalcado. A formação substitutiva pode da-se no sentido
inverso. O sujeito pode tentar mascarar por meio de uma pseudo-sexualidade
substitutiva de superfície, suas carências objetais e sexuais, ao mesmo tempo
que tenta se assegurar contra a carência de suas realidades narcísicas. O
sujeito opera no registro das defesas do Si-mesmo.
Pulsão
de Morte, uma força que eliminaria toda tensão no indivíduo levando-o ao estado
inorgânico. Esta força estaria em luta com as forças que procuram manter a
vida: Eros. Trata-se de uma dualidade, Eros complicaria as coisas buscando unir
as partículas vivas em unidades cada vez maiores, já a Pulsão de Morte, ou Thânatos,
procuraria desfazer as ligações. As pulsões trabalhariam sempre em oposição
umas às outras e essas forças destrutivas seriam desviadas para fora pela
Pulsão de Vida na forma de agressão, ajudando o organismo a manter-se
protegido.
Thânatos
não será entendido como destruição se olhá-lo nos olhos e vermos seu verdadeiro
poder de criação. O devir é ao mesmo tempo uma destruição e uma criação. Com
medo do Id, o psicanalista passa a vê-lo como um olhar moralista, desta forma é
inevitável não o descrever como um assassino agressivo que deve ser repudiado
ou temido. Assim, seguimos temendo o que há de mais essencial em nós. Quanto
mais nos esforçamos moralmente por esconder estes impulsos, mais eles nos
aparecem assustadores.
Contudo,
Freud com a sua prática clínica, logo percebeu um equívoco. No atendimento de
seus pacientes, era patente um movimento psicológico irracional da parte deles como
comportamentos, emoções e pensamentos que iam, consciente ou inconscientemente,
contra o indivíduo. Esses movimentos lhes traziam desprazer e sofrimento, lhes
faziam repetir os mesmos erros, padrões de comportamento ou pensamento num
ciclo mórbido de contornos aparentemente masoquistas.
Escolhas
amorosas semelhantes que levam sempre ao mesmo desastre no relacionamento;
brigas com o namorado ou cônjuge que parecem boicotar a relação ou um momento
de alegria; fracassos profissionais praticamente premeditados; boicotes ao
sucesso privado ou público; ações praticamente deliberadas rumo à bancarrota
financeira; buscas por empregos inferiores que exigem ou não experiência com
salário mínimo, insistência nas redes sociais para prospectar clientes mesmo já
tendo feito as estratégias, enfim, um sujeito atentando contra si mesmo, que
sentido teria isso?
A
pulsão de morte no sujeito será a responsável pela elevação da tensão ou
excitação libidinal que será escoada pela pulsão de vida que levará o
indivíduo, impulsionado pelo princípio do prazer, a procurar objetos [emprego,
casar, namorar, comprar um carro ou imóvel, alimentos, roupas, proteger-se para
não contrair o Covid-19, meios para encarar o isolamento social dentro da
residência] que venham minimizar os impactos da angústia. Caso o sujeito não
encontre objetos para investir a pulsão de vida, o mesmo será movido pela
pulsão de morte. Ou seja, para o sujeito continuar a investir energia pelo
princípio do prazer, será necessário atuar através do mecanismo de defesa
substitutivo, a procurar substituir os objetos que foram perdidos ou não podem
ser obtidos.
Sendo
assim a pulsão de vida seria representada pelas ligações amorosas que
estabelecemos com o mundo, com as outras pessoas e com nós mesmos, enquanto a
pulsão de morte seria manifestada pela agressividade que poderá estar voltada
para si mesmo e para o outro. Portanto sentimos amor e ódio, desejo pela vida,
pela saúde, pelo movimento em busca do bem estar, ou desejo pela morte, pela
imobilização perante um conflito ou uma dificuldade, a busca pela doença, pelo
mal estar. Um instinto pode predominar mais do que o outro, mas os dois estarão
sempre atuantes no indivíduo.
Parece
que o medo adia o desejo do sujeito em desvencilhar-se da pulsão de morte,
adiando seu desejo para hora e local adequado socialmente até que se sinta
seguro para investir a pulsão de vida em outro objeto, enquanto isso o ego se
move por meio da pulsão de morte, levando a destruição. Mas será possível ao
ego encontrar um objeto que lhe cause prazer para voltar a investir a pulsão de
vida? Sim, enquanto o sujeito se exercitar fisicamente sinaliza o investimento
da pulsão de vida para autopreservação da vida, por exemplo, enquanto o
indivíduo permanece no isolamento social. [...] Esse medo marcará nossa
memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto
uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de
desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Parece
que o indivíduo não deseja a morte física que lhe cause dor física, por isso
mesmo compreendendo as consequências de estar agarrado a pulsão de morte que o
leva a autodestruição, permanece agarrado na tentativa de buscar um momento e
local para separar-se da pulsão de morte evitando com isso a dor física, pois
se desvencilhar-se abruptamente imagina que corre o risco de sentir dor física apenas
e não falecer. Por tanto o medo de sentir a dor física o mentem atrelado a
pulsão de morte correndo risco de não suportar a pressão e se autodestruir. As
vezes o indivíduo não tem intenção em cometer suicídio por causa do medo da dor
física, mas mantem-se apegado a pulsão de morte pelo medo e desejando a
autodestruição ao estado anorgânico de modo natural com ausência da dor física.
Isto configura que a tensão não está elevada a ponto de ser descarregada pelo
ato suicida. [...] Mecanismo defesa Fantasia, é um processo psíquico em
que o indivíduo concebe uma situação em sua mente, que satisfaz uma necessidade
ou desejo, que não pode ser, na vida real, satisfeito. É um roteiro imaginário
em que o sujeito está presente e que representa, de modo mais ou menos
deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e, em última
análise, de um desejo inconsciente.
Reações
a situações ameaçadoras; ameaça para alguns teóricos, é situação e experiência
que a pessoa percebe estar interferindo em sua capacidade de operar normalmente
ou de alcançar as metas estabelecidas por ela. Ou seja, a pandemia Covid-19, a
quarentena, o isolamento social, não se inserir no mercado de trabalho e por aí
vai, impede ou adia o desejo do indivíduo. O que vai gerar conflito no
indivíduo chamado de Afastamento-afastamento. Quando existe duas alternativas
desagradáveis, se tem o conflito afastamento-afastamento. Um exemplo poderia
ser o de um sujeito que procura emprego na sua área e não consegue e ainda
tenta procurar em áreas inferiores e também não consegue.
Esta
situação ameaçadora pode levar o sujeito a operar na pulsão de morte que será a
responsável pela elevação da tensão ou excitação libidinal que será escoada ou
não pela pulsão de vida que levará o indivíduo, impulsionado pelo princípio do
prazer, a procurar objetos ou desistir de permanecer procurando objetos
substitutivos. Caso o indivíduo desista da busca por outros objetos ficará
operando na pulsão de morte incorrendo sob a própria destruição ou rompimento
com a vida. Ou seja, a pulsão de morte faz com que o ego se desvincule dos objetos
e com todos os possíveis substitutos, desfazendo as ligações existente,
representando o próprio desinvestimento dos objetos.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD, S.
O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
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