Junho/2020.Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo convida o leitor(a) a repensar sobre o que o medo pode causar
na consciência caso o sujeito não exerça o controlo. Exemplo, um indivíduo
sonha que está em um local e tem vários carros estacionados. O sujeito está
próximo a um carro e de repente o carro a traz começa a locomover-se sozinho.
Uma moça vem em direção ao carro para tentar pará-lo e o indivíduo se
prontifica a parar, então pega a chave do carro da moça, entra dentro e pisa no
freio, mas o carro não para e fica com medo de bater no carro da frente. Interpretação:
A moça representa o Id e o indivíduo representa o Ego, que toma a chave do
carro do Id, indicando que tem o desejo de exercer o controle sobre o carro que
representa a instância do Id os impulsos agressivos e energia libidinal sexual.
O
freio é o instrumento que controla o carro, ou seja, permite que o mesmo se
desloque quando necessário ou pare quando necessário [controle dos impulsos].
Neste caso a emoção medo está causando desconforto, insegurança no Ego, pois o
mesmo não sabe o que se passa na instância do Id que representa o carro sem
freio. O carro do Id indica que precisa de manutenção no freio, ou seja, mostra
impulsividade na consciência. Ego com medo de causar danos emocionais a sua
própria consciência ao bater o carro do Id em outro carro parado, sinaliza a
falta de saber, de conhecimento sobre o que precisa ser ajustado nas emoções do
Id, ou seja, Ego tem o desejo de controlar a instância do Id e medo de causar
um dano emocional na própria consciência caso não consiga controlar os impulsos
de agressão, raiva e energia libidinal sexual.
Então
temos medo de quê? Alarme, acovardamento, angústia, ansiedade, apavoramento,
apreensão, assombro, aversão, cagaço, azar no jogo, covardia, desassossego,
enlouquecimento, fobia, ódio, raiva, horror, inquietação, inquietude, medo,
pânico, paúra, pavor, pusilanimidade, receio, repulsa, sobressalto, susto,
temor, terror, tremor e outros que você conseguir pensar enquanto lê o artigo.
O
vocabulário do medo é imenso, e o campo semântico que constitui é muito rico e,
curiosamente, discrimina muito pouco. A angústia tem com o nosso corpo a mais
estreita vinculação, como nos é mostrado pela etimologia (do latim angustia):
designa um mal-estar psíquico, mas também físico sensação de aperto na região
epigástrica, de bolo na garganta, com palpitações, palidez, impressão de que as
pernas vacilam, dificuldade para respirar, em suma, a angústia afeta o corpo.
Se
para a psicanálise é o afeto principal,
fundamental, aquele a cuja volta tudo se ordena, para os psicanalistas a
angústia não é um ressurgimento de nossa animalidade, uma reação de nosso ser
biológico cuidadoso de preservar-se como vivo, o que o termo fobia [a fuga] dá a entender. Em
consequência de sua captura na linguagem, o homem faz de suas necessidades
naturais, desejos. O medo é algo ambivalente. É ao mesmo tempo alguma coisa que
o impele a avançar e alguma coisa que o puxa para trás; é alguma coisa que faz
de você um ser duplo e que, quando você o exprime diante de um personagem junto
de quem você quer dar mostras de ter medo, põe você a cada instante na postura
de reflexo.
As
culturas sempre propuseram esse tipo de tratamento do medo pelo medo. Um medo
imaginário, difuso, que ameaça aparecer de surpresa, é substituído por um medo
orientado, focalizado, como uma espécie de fobia generalizada, que serve de
remédio para a solidão paralisante da angústia, ao coletivizar essa angústia. Se
existem medos do corpo ligados a perigos que o ameaçam diretamente, a angústia
é esse momento em que pressentimos que nosso próprio corpo poderia não ser
senão um desses objetos próprios ao gozo do Outro, próprios para não ser senão
um desses resíduos. A angústia é, assim, um medo do medo, medo de alguma coisa
que escapa à compreensão, ao saber, medo desse gozo enigmático para o sujeito. [...] “A angústia é,
dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode
reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a
que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida
cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si
mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o
autoconhecimento em sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
Superação,
desafio, preservação, pois lidar com o medo envolve todas essas emoções e
vivências, juntas e misturadas. Tem o que impulsiona e o que paralisa. O que
faz bem e o que é um problema. entretanto enfrentar o medo pode representar um
ato de superação. Quando alguém o encara, usualmente termina por se sentir mais
capaz, menos oprimido, às vezes até mesmo mais poderoso ou vaidoso. Superá-lo
pode representar uma conquista moral. Entretanto pode também resultar num
sentimento bastante narcísico. [...] O homem é projeto. A necessidade de viver é uma necessidade
de preencher esse vazio, de projetar-se no futuro. É o anseio de ser o que não
somos, é o anseio de continuar sendo. O homem só pode transcender se for capaz
de projetar-se. Assim, ele sempre busca um sentido para sua vida. “A angústia
contém na sua unidade emocional, sentimental, essas duas notas ontológicas
características; de um lado, a afirmação do anseio de ser, e de outro lado, a
radical temeridade diante do nada. O nada amedronta ao homem; e então a
angústia de poder não ser o atenaza, e sobre ela se levanta a preocupação, e
sobre a preocupação a ação para ser, para continuar sendo, para existir
(MORENTE, 1980, p.316)
Medo,
nada é mais assustador que sair da zona de conforto, dominar o medo é sinal de amadurecimento.
O medo é um sentimento que tem algo de auto preservativo. Respeito ao
reconhecimento de limites físicos e psicológicos. Desafiar todos os medos pode
significar desconsiderar tais limites, num ato de engrandecimento cujas
consequências podem não ser aquelas que dele se esperam. Desafiar
inconsequentemente os medos pode acabar mal.
O
medo é apenas um sintoma, ela mostra que o inconsciente guarda marcas,
fragmentos, vestígios de vivências boas ou ruins. É o retorno do que foi
recalcado, reprimido, mas nunca de todo apagado. Quando as marcas dos momentos
que nos deixaram inseguros ou nos colocaram em situação de risco reaparecem,
entramos em pânico. Reflita sobre a razão do seu medo. É o primeiro passo para
enfrentar esse sentimento. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e
será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma
situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Uma
mente inundada por insegurança, por exemplo, pode gerar hostilidade. Na
descrição da síndrome de Estocolmo, onde o sujeito é submetido a um tempo
prolongado de ameaça, ele passa então a apresentar afinidade ou até carinho por
seu agressor. Dessa maneira uma manifestação psíquica gera uma outra como defesa,
configurando assim um conjunto, que é tomado como um complexo com certa
coerência. Esses elementos componentes articulam-se entre si em várias
vinculações, de subordinação ou não, que por conta disso são de difícil
compreensão racional.
A
relação entre desejo e medo é um bom exemplo dessa ordem de reveses sofridos
nas experiências emocionais. O medo parece ser um subproduto do desejo, e essa afirmação
torna-se fato na medida em que passa a ser possível perceber que aquele que não
deseja nada não teme coisa alguma. Depois de ter sido reprimido o desejo, é
difícil para o sujeito admitir que tenha de fato desejado, ou que possa voltar
a desejar, no entanto nunca deixou de fazê-lo. Exemplo, dificilmente o
funcionário de uma empresa conseguiria convencer seu chefe com a justificativa
de que não foi trabalhar por estar angustiado. Porém, quando a manifestação
passa a ser psicossomática, ou seja, quando o corpo dá sinais claros de que se
está doente, aí sim o outro se convence disso.
Entretanto,
o serviço prestado por um funcionário angustiado é imensamente mais danoso do
que sua ausência temporária. Ausência essa, necessária para que se possa
reconhecer o conflito que ocorre em seu mundo interno. Uma peleja que se trava
de forma interna, mas que ameaça transbordar os limites emocionais do ego
psíquico e manifestar-se no corpo físico. Naturalmente, certo conflito entre um
medo e um desejo. Uma ordem de conflitos que pode promover severas perturbações
no funcionamento mental. Isso pelo fato de que o medo é filho do desejo. Chamo
de Aproximação-afastamento: Quando sentimos atração e repulsa pelo mesmo objeto,
então temos uma situação de aproximação-afastamento. Um exemplo seria o Ego com
desejo em controlar a instância do Id que representa os impulsos de agressão,
raiva e energia libidinal [aproximação] e ao mesmo tempo tem medo de que se não
conseguir tal feito poderá gerar doença psicossomática no corpo físico ou
deslocamento de agressões físicas ou verbais[afastamento].
Sem
poder tornar-se consciente desse conflito, o sujeito vive certa batalha
inconsciente que acaba por revelar-se nos vínculos. Onde adota certa prática
especial nas relações. Passa a odiar como forma de distanciamento aquilo que na
realidade tanto deseja. Apresenta assim um quadro obsessivo, de forma que se
envolve cada vez mais com algo [empregos que geram desprazer, pagam o salário
mínimo] que na realidade evita compulsivamente. Ou, por outro lado, movido pela
culpa, torna-se subserviente á aquele do qual odeia tanto [ocupações inferiores].
Essa culpa quando em sua última consequência, pode sofrer certa conversão no
nível orgânico e somatizada passa a representar-se numa patologia no corpo, ou
seja, uma doença física. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914),
texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do
repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que
não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a
recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado
desperta em nós.
Isso
porque o sujeito pode encontrar nessa doença física uma maneira de se auto
punir. Agora fisicamente doente pode convencer o outro, assim como convencer-se
a si mesmo do seu sofrimento. Todavia, apesar do volume do impulso que impele à
ação de consumação do desejo, aquilo que pode realmente apaziguar o conflito se
encontra na dimensão do reconhecimento desse desejo e não da prática da ação. O
reconhecimento do sentimento é o que induz o pensar e não é novidade o fato de
que isso coincide justamente com a capacidade de adiar a ação. [...] O ser humano é esse
nada, livre para ser alguma coisa. “Suspendendo-se dentro do nada o ser aí
sempre está além do ente em sua totalidade. Este estar além do ente designamos
a transcendência. Se o ser-aí, nas raízes de sua essência, não exercesse o ato
de transcender, e isto expressamos agora dizendo: se o ser-aí não estivesse
suspenso previamente dentro do nada, ele jamais poderia entrar em relação com o
ente e, portanto, também não consigo mesmo. Sem a originária revelação do nada não
há ser-si-mesmo, nem liberdade. (HEIDEGGER, 1996, p. 41).
Embora
ainda assim, o reconhecer é assustador. Isso por se tratar de um movimento
interno que leva a abrir mão da satisfação do prazer que se encontra na
efetivação da ação. A psicanálise nos ensinou com muita clareza que pensar é
desistir da satisfação imediata, que apesar de ser prazerosa, é exatamente a
responsável pelo conflito. A relação entre desejo e medo é um bom exemplo dessa
ordem de reveses sofridos nas experiências emocionais.
O
medo parece ser um subproduto do desejo, e essa afirmação torna-se fato na
medida em que passa a ser possível perceber que aquele que não deseja nada não
teme coisa alguma. Portanto medo e desejo e medo como desejo: Ressalte-se que o
medo acaba por também ser uma forma de desejo. Pois o desejo provém de
conteúdos agradáveis de nossa memória e temos o desejo de atrair situações em
que podemos reviver o que consideramos agradável. E o medo provém de conteúdos
desagradáveis de nossa memória e então temos o desejo de repelir [evitar] situações
semelhantes. Contudo para não criar confusão vamos trabalhar com as expressões
de desejo para a busca de reviver conteúdos agradáveis da memória e medo para o
de [evitar] reviver conteúdos desagradáveis de nossa memória.
Agora
desejo então vem a ser esse movimento da mente que quer reviver um momento do
passado no futuro, pois se trata de algo que queremos que aconteça [controlar
os impulsos de agressão do Id, conseguir emprego e etc.] e não de algo que já
está acontecendo. O desejo é algo que se quer que aconteça e o prazer é algo
decorrente do que já está acontecendo. Já medo e prazer, são como as duas faces
de uma mesma moeda chamada desejo.
Exemplo,
o desejo de reviver um prazer do passado [aprovado num processo seletivo, ter
recursos financeiros] é um lado da moeda e o desejo de evitar que uma dor se
repita [reprova no processo seletivo, privação nos recursos financeiros] é o
outro lado da moeda. E ambos [prazer e medo] estão intimamente ligados, pois
não existe prazer eterno e, portanto, todo prazer tem fim e o fim do que é bom
gera a dor que é o que tanto queremos evitar. E o medo é tanto maior quanto
maior for a quantidade de experiências dolorosas que temos armazenadas em nossa
memória [privação nos recursos financeiros, desemprego]. Isso explica porque os
jovens, geralmente, são mais ousados ou irresponsáveis, afinal, carregam uma
quantidade menor de experiências dolorosas.
Já
os idosos, por sua vez, carregam, geralmente, uma quantidade maior de
experiências dolorosas e, por isso, são tidos como defensivos ou mais
precavidos/ e ou prudentes. O ser humano se utiliza de mecanismos de reação ou
defesa em virtude do desejo de não repetir situações que estejam associadas a
conteúdos desagradáveis de sua memória [desemprego, reprova em processos seletivos
e outros que você imaginar enquanto lê o artigo]. O ser humano utiliza os
mecanismos de defesa em razão do apego. [...] O mal de tudo isso é que buscam as agitações da vida como se
a posse das coisas que buscam devesse torná-los verdadeiramente felizes. O
problema é que não os tornam, nunca estão satisfeitos com nada. A grande
consequência disso é que abandonam seu projeto essencial. As preocupações da
vida constantemente os distraem e o perturbam. “O ser-humano, em sua vida
cotidiana, seria promiscuamente público e reduziria sua vida a vida com os
outros e para os outros, alienando-se totalmente da principal tarefa que seria
o tornar-se si mesmo” (CHAUÍ, 1996 p.8).
Exemplo,
se tem apego a um desejo cria mecanismos de defesa para atrair a realização do seu
desejo. Se tem apego a um medo cria mecanismos de defesa para repelir a
realização de determinadas situações. Assim a vontade pode nos fazer resilientes
para que não sejamos movidos na vida apenas pelos desejos, sejam eles de prazer
ou de medo e a consciência é quem pode direcionar à vontade. É o desejo que
move o aparelho psíquico, que faz sonhar, dormir e acordar.
O
desejo é o limite entre a vida e a morte. E mais; é o que faz com que o ser
pense ou exista. O pior é que ele é uma alucinação. Quanto mais intensas forem
as emoções por qual experenciamos [positivas ou negativas], maior será a
probabilidade de nos sentirmos desorientados ou até mesmo descontrolados. Por
tanto o desejar tanto sair da condição ociosidade involuntária devido à
ausência de recursos financeiros, falta de autonomia e liberdade pode gerar um
medo irracional levando o indivíduo a extrair do Id os impulsos de agressão,
raiva para lidar com o medo imaginário de se tornar um mendigo, ou ter que
pedir dinheiro a outro para sustentar-se e etc.
Perder
alguém de quem gostamos de forma repentina ou passar por uma multiplicidade de
perdas significativas [emprego, imóvel, dinheiro, divórcio] podem deixar-nos
abatidos, prostrados. Níveis intensos de stress causam nos cansaço e dão-nos
vontade de fugir. Contudo valerá a pena fugir destas emoções intensas? Quando
queremos uma vida em paz e tentamos fugir da turbulência das emoções fortes
corremos sobretudo o risco de limitar a nossa experiência de vida. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud
afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não
incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo,
trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Evitar
situações que, a nossa percepção, possa expor-nos à rejeição ou à perda acaba
por conduzir-nos precisamente à perda. Quando uma pessoa proíbe a si mesma,
determinadas experiências porque tem medo de voltar a sofrer, espera que o seu
medo possa diminuir com a passagem do tempo, mas, na realidade, esta evitação
mantém o medo presente. Então qualquer que seja a perda ou a rejeição por qual
tenhamos passado antes, não há por que olhar para as novas experiências com
medo. Nem todas as novas situações [de desemprego, de privação financeira, de
desalento] nos conduzirão a níveis de stress e de ansiedade como aqueles por
que passámos antes, contudo a única forma de confirmar que o nosso medo é
irracional e prejudicial é sair da zona de conforto e arriscar.
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
HEIDEGGER,
M. Que é Metafísica? Os pensadores. São Paulo: Nova Cultura, 1996
MORENTE,
MANUEL G. Fundamentos da filosofia: lições preliminares. 8 edição. São Paulo:
Mestre Jou, 1980.
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