Março/2020. Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
A
intenção deste artigo é, chamar a atenção do leitor(a) para olhar o fenômeno
desvalorização em todas as camadas sociais que potencializa de modo
inconsciente o sentimento de não merecimento atribuído ao outro de acordo com a
situação vulnerável que se encontra o indivíduo naquele momento.
O ser humano através do mecanismo de defesa da projeção,
projeta sobre o outro sentimentos de não merecimento que não consegue lidar e
acaba fazendo uma leitura mental e interpretação sobre o outro de que ele
também não é merecedor de um excelente salário, de um emprego, de uma
residência, de uma especialização, de um cargo e outros que você possa pensar
enquanto lê o artigo. Esse olhar preconceituoso inconsciente tende a te
desvalorizar para que ele se sinta supervalorado na condição em que o mesmo se
encontra no momento, exemplo empreendedor, professor universitário, pastor,
advogado, técnico em mecânica, aposentado, motorista de ônibus, taxista, jogadores
de futebol, políticos, vereadores, senadores, juízes, celebridades e outros. [...]
Porém, a projeção não é unicamente um meio de defesa. Podemos observá-la também
em casos onde não existe conflito. A projeção para o exterior de percepções
interiores é um mecanismo primitivo, ao qual nossas percepções sensoriais se
acham também submetidas, e que desempenham um papel essencial em nossa
representação do mundo exterior. (FREUD, 1913/1948, p.454).
Discorro um exemplo do ato de não
merecimento exposto por certo indivíduo a outro. Certo indivíduo se encontra com
o amigo que está desempregado e possui formação acadêmica, e comenta com ele
que irá ajuda-lo e lhe propõe lhe uma maneira. Diz o amigo ao desempregado: Vou
conversar com fulano de tal e falar a ele sobre você e as suas condições precárias
e penso que se ele lhe pagar um salário mínimo pode dar certo. Olha a atitude
de não merecimento do personagem que se propõe a ajudar o desempregado com
formação acadêmica.
Ele
percebe o outro como não merecedor de um excelente salário por ter formação
acadêmica, mas tenta reduzi-lo, desvaloriza-o ao ofertar logo de início o
salário mínimo para o desempregado, e se aproveita das condições de
vulnerabilidade do outro em relação a crise de desemprego. Esse tipo de atitude
está em diversas camadas na sociedade até no meio evangélico encontramos
indivíduos agindo deste modo diante do outro, desvalorizando o outro para se
sentir valorizado na intenção de comentar com o outro o feito de sua ação como
louvável. É o ato de não merecimento sendo praticado.
Será
que o indivíduo se sentiu desconfortável com a oportunidade generosa do amigo
que se compadeceu por estar desempregado e que recebe a proposta de ganhar um
salário mínimo, e questiona as suas competências ou pontos fortes. O sentimento
de merecimento reside na nossa capacidade de nos sentirmos abundantes no
momento presente, reside na nossa capacidade de nos sentirmos confortáveis com
o prazer que estamos a sentir no momento. Quem sou eu para me sentir tão
desvalorizado para aceitar um salário mínimo? Procurar ser medíocre não vai
ajudar em nada o mundo ou as pessoas. [...] Em sua
obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a
repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade
alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo
para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Não
existe nenhum mérito em desvalorizar nossos talentos, apenas para que os outros
não se sintam inseguros ao nosso lado. Estas atitudes praticadas por pessoas
que as vezes pensam em ajudar ao próximo, percebendo que o outro merece sempre
o mínimo, pode leva ao pensamento de não merecimento de coisas boas. O nosso
nível de merecimento é uma das variáveis mais inconscientes que nós temos
dentro de nós. É como se tivéssemos um conjunto de regras internas que enquanto
não são expostas de forma consciente, continuamos a obedecer a essas regras.
Acreditamos inconscientemente que apenas quando formos algo, fizermos algo ou
atingirmos algo é que nós vamos nos sentir merecedores, valorizados.
Como
Lidar com o Fato de Não Ser Valorizado: Desde o início de nossas vidas nós
somos ensinados a respeitar os outros e a fazer coisas gentis por eles.
Entretanto, em alguns casos, as pessoas começam a se aproveitar de sua natureza
generosa e gentil, pedindo mais do que o justo ou correto. Essas pessoas podem
pedir favores repetidamente e fazê-lo sentir-se na obrigação de ajudá-las sem
receber nem mesmo respeito em troca. Quando esses limites são ultrapassados,
pode ser difícil se tornar assertivo novamente.
Caso
você sinta que algumas pessoas não o valorizam, está na hora de se proteger e
redefinir seus limites. É importante reconhecer que está se sentindo
desvalorizado. Não é possível processar ou tomar uma atitude quanto aos seus
sentimentos até que possa admitir a existência deles. Saiba que você tem o
direito de se sentir respeitado.
A
pressão social e cultural pode encorajá-lo a acreditar que dizer não aos outros
é grosseiro. Você também pode ter sido ensinado a achar que seu trabalho tem
menos valor do que o dos outros e que você não merece reconhecimento. Todos
temos o direito de sermos respeitados e valorizados e não há nada de errado em
querer ser tratado assim. É natural sentir raiva ou mágoa e pode ser muito
fácil ser sobrecarregado por esses sentimentos.
Foque-se
em ser construtivo ao invés de descontar a raiva nos outros. Você precisa
examinar o que faz com que você se sinta desvalorizado para conseguir controlar
essa situação. Examine sua comunicação. Você não é responsável pelo
comportamento ou pensamentos dos outros e não deve se culpar quando eles são
indelicados ou mesquinhos. Entretanto, você pode controlar suas ações. Caso se
sinta desrespeitado ou ignorado, você pode ser capaz de afetar o modo com o
qual os outros respondem a você mudando suas formas de se comunicar e de agir.
Esses são alguns comportamentos e atitudes que podem encorajar os outros a
tratá-lo de modo injusto.
Reconheça
um pensamento distorcido. Além das crenças irracionais, você também pode pensar
sobre si mesmo de modo distorcido. Para lidar com a sensação de ser
desvalorizado, confronte esses pensamentos ilógicos e distorcidos sobre si
mesmo e sobre os outros. A catastrofização ocorre quando você permite que sua
visão de uma situação saia de controle. Por exemplo, você pode se sentir
desvalorizado pois imagina que se confrontar seu chefe, ele o demitirá e você
morará debaixo da ponte. É pouco provável que isso aconteça. Uma crença
autodestrutiva que pode prendê-lo a compulsão a repetição de acreditar que você
não merece nada diferente. A pessoa
repete, sem perceber, o que ela já viveu e presenciou anteriormente, por achar
familiar e seguro. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e
elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à
repetição, fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro
de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior
for a resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que
esse passado recalcado desperta em nós.
Acreditar
que os outros o abandonarão caso você os desagrade pode fazer com que você
mantenha pessoas em sua vida que não contribuam com sua felicidade ou
crescimento. Pense no que deseja. Você sabe que não quer se sentir
desvalorizado, mas o que você deseja?
Pode
ser difícil visualizar as mudanças em sua situação caso você se sinta levemente
insatisfeito, mas sem ideias de como melhorar isso não tem como. Aprenda a ser
assertivo, contudo, saiba que isso não é o mesmo que ser arrogante ou
indelicado. Você deve ser capaz de expressar claramente suas necessidades,
sentimentos e pensamentos. Caso os outros não saibam quais são suas
necessidades e sentimentos, eles podem acabar se aproveitando de você, mesmo
que inconscientemente ou conscientemente. Pesquisas demonstram que você pode
expressar até mesmo sentimento negativos sem magoar os outros, basta
expressá-los de modo assertivo e não agressivo.
Acostume-se
com os confrontos. Alguns indivíduos tentam evitá-los a todos os custos, seja
por terem medo de desagradar os outros ou por seus valores culturais. A
comunicação assertiva pode ajudá-lo a lidar melhor com os confrontos e aumentar
sua autoestima. Acreditar que seus sentimentos e necessidades são tão
importantes quanto os dos outros pode ajudá-lo a lidar com o confronto sem
sentir a necessidade de atacar a outra pessoa ou de ficar na defensiva.
Algumas
pessoas apenas sentem necessidade de valorizar alguém no início da relação, no
trabalho, na amizade, diante de uma crise de desemprego, mas depois que
conquistam ou sentem que suas necessidades já foram supridas de algum modo pelo
outro, pensam que não há mais necessidade de perder tempo com o ato de
valorização/ e ou merecimento.
Os
conflitos de desvalorização talvez sejam os conflitos emocionais inconscientes
mais comuns nos dias de hoje. A estrutura social competitiva em torno do
resultado, competência e desempenho, têm origem num dogma darwiniano onde o
mais forte prevalece. Neste tipo de esquema mental paradigmático marcado no
inconsciente coletivo, cria-se uma forma de pensar que nos afasta no nosso
verdadeiro e autêntico valor, referenciando os nossos talentos e competências
em comparação a algo ou alguém.
Esses
conflitos emocionais inconscientes se ativam quando o valor pessoal se encontra
ameaçado. Por vezes, através de uma promoção de colega de trabalho; por outras
quando alguém que consegue seduzir a nossa cara-metade ou quando um irmão sai
beneficiado na distribuição de uma herança familiar qualquer.
Quando
o valor entra em risco, automaticamente, o cérebro emite sinais de stress a
assinalar um perigo de desvalorização. Caso não exista solução para o conflito,
o stress vai-se mantendo ao nível inconsciente, cristalizando a energia
emocional num conflito de desvalorização. Neste momento pode se fazer uma
reflexão e passar do modo referência externa ao modo de referência interna, voltando
o olhar para si mesmo. No momento que começas a libertar os conflitos
emocionais de desvalorização, a tua vitalidade, capacidade criativa e auto respeito
crescerão de dia para dia.
O
principal sintoma da resolução é um sentido de humor genuíno. O que expressas
será a tua única referência, não dependendo dos outros para encontrares o teu
próprio valor. A verdadeira maturidade emocional é atingida quando estás em paz
com as tuas imperfeições e qualidades, sabendo que, sem elas não poderias ser
outra pessoa. Ao dares um sentido útil aos teus insucessos e sucessos, libertas
a carga de frustração que criaste, consciente e inconscientemente, abrindo
espaço para uma versão autêntica e única do teu eu, da tua essência.
Referência
Bibliográfica
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
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