Ano 2020.Escrito por Ayrton Junior
O
presente artigo chama a atenção do leitor(a) a olhar para si mesmo e perceber
como está se enxergando na pandemia em relação ao dinheiro e as partes não
resolvidas que espelha o dinheiro na sua vida. Nossos hábitos financeiros não
são apenas produtos do condicionamento e de lições aprendidas de como manejar o
dinheiro que aprendemos [ou não] quando crianças. Existem sujeitos gastadores e
poupadores nas famílias, crianças que cresceram na pobreza e conseguem riqueza,
herdeiros que gastam toda a fortuna da família. Nas relações que temos com
nossas finanças está ligado ao auto controle da ação por impulso [prazer / e ou
desprazer e a ansiedade].
Um
dos instrumentos de aferição da saúde psíquica é exatamente a relação da pessoa
com o dinheiro. O leitor já chegou à conclusão óbvia de que o dinheiro ou poder
cobrem ilusoriamente todas as carências pessoais, pois a pessoa que o detém
será objeto do comentário, cobiça e interesse dos demais a sua volta. Todos
almejam no plano pessoal o que o sistema econômico tenta impor diariamente; a
necessidade infinita de consumo, ou seja, ter dinheiro o suficiente para
consumir diversos produtos. [...] Em sua obra “Além do Princípio do
Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do
passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que
nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos
instintuais que foram reprimidos.
É
justamente por esse motivo que a figura do Corona vírus no plano ideológico
causa tanta repulsa, pois independentemente do malefício que o mesmo traz à
saúde pública, não deixa de espelhar fielmente o que o sistema almeja, o
consumo incessante de um produto [a vacina, a cura]. O dinheiro paralelamente
tenta compensar está ilusão da eternidade, sendo que o medo da morte que nunca
foi tão grande agora na história da Pandemia do Corona vírus como em nossos
dias encontra um escapismo elegante na sensação de se possuir. O medo de morrer
de Covid-19 e o pânico do desemprego ou medo que falte o dinheiro na vida do
sujeito, apenas reforçam o conceito de que ganhar dinheiro é sinônimo de estar
vivo.
Notamos
que nenhuma emoção ou desejo seja amor, fé ou paixão conseguiu centralizar por
completo a preocupação do homem com um fator de sobrevivência. Se cada um se permitisse algum tempo para a
reflexão, não seria difícil perceber que tendo ou não, o dinheiro acarreta um
profundo stress, angustia nos dias atuais, pelo simples fato de que sua busca
ou posse se tornou uma profissão paralela perante qualquer atividade
profissional que exerçamos ,ainda mais visível agora no período de quarentena. Parece
que se apresenta uma prova pessoal de que é muito mais simples a preocupação
com o dinheiro, emprego, poder, autoridade, política dentre outras, do que
lidar com a saúde mental sempre em dívida. [...] “A angústia é, dentre
todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o
homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é
reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A
angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se
deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua
dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
O
dinheiro é percebido como aquilo que sempre falta ou que nunca se tem o
suficiente, mas também como algo da ordem da necessidade, o que lhe faz pensar
as cinco funções do dinheiro [necessidade, poder, demanda, desejo e gozo]. Assim, o dinheiro se faz necessário para a
sobrevivência; é usado também como um sinal de poder, como uma marca fálica;
como uma demanda de amor, de dar o que não se tem [ou o que faz falta]; como
significante na cadeia associativa do sujeito e por fim como um fator sexual.
As
pessoas nem sempre falam abertamente sobre o sexo com objetividade e o mesmo em
relação ao dinheiro, contudo sobre o dinheiro quando falam, falam sem depositar
emoção, mas os dois carregam sempre uma carga afetiva. As necessidades de
consumo se resolvem na planilha financeira, mas os desejos, não. As emoções do
dinheiro estão ligadas à nossa disposição para correr riscos. O dinheiro está vinculado
ao desejo que aponta para a falta, falta a ser, deslizando pelos intervalos da
cadeia significante, como metonímia da falta. [...] Freud no seu texto
“Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a
questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do
passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos
tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a
angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós.
O
dinheiro pode ser concebido como uma construção social onde seu valor é
vinculado à cultura local, crença coletiva ou como o seu simbolismo é passado
para as futuras gerações. Na sociedade capitalista, o dinheiro é associado ao
poder, talento e benção. A falta dele é tida como fracasso, fardo e
incompetência. O dinheiro afeta o nosso sentido de identidade, exemplo, ir à
falência ou ter sucesso financeiro tem impacto significativo na autoimagem do
indivíduo. O modo como o dinheiro é originado também é fator de avaliação
pessoal. Como, herança, prêmios, salário ou obtenção através de atos ilícitos
atribuem ao dinheiro e ao seu portador conotações positivas ou negativas.
Uma
ilustração é o desenho em quadrinho, Tio Patinhas. Os significados que o
sujeito pode atribuir são muitos, o dinheiro é elemento de interação social e
de discórdias, de alegrias e tragédias, de apego e generosidade, benção ou
maldição. As religiões têm sua sobrevivência no resquício da culpa ou medo de
uma punição posterior, que o indivíduo não sabe qual será. Tudo depende do modo
como você o concebe e lida com ele em seu cotidiano.
O
tema exposto aqui é um convite à reflexão sobre nossas representações mentais
sobre o dinheiro e os muitos equívocos que cometemos em consequência delas. É
importante saber que comportamento econômico ou esbanjador reflete
comportamento psíquico. Ao lidar com dinheiro, não dá para escapar da
matemática de somas e subtrações. Mas as contas não fecham só por uma questão
de cálculo. Entre as emoções que interferem no saldo final, culpa, medo e
autossabotagem são as mais comuns. [...]
Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado
como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida,
lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
O
dinheiro responde a algo provindo da divisão do sujeito, perpassado pelo
desejo, que marca o lugar vazio. O que o dinheiro representa para você?
Referência
Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA.
HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural,
1996.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular,
1968
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