Ano 2021. Escrito por Ayrton Junior Psicólogo CRP 06/147208
O
presente artigo chama a atenção do leit@r a compreender o papel da dança em
nossas vidas e entender o porquê o ser humano tem a necessidade de dançar na juventude
indo para baladas, shows, teatros de danças. Seu corpo pode revelar muito mais
do que um talento à Fred Astaire ou Ginger Rogers no momento da dança. Ele pode
refletir, mesmo que de forma inconsciente, questões emocionais alicerçadas em
arquétipos profundos - modelos de personalidades presentes no inconsciente
coletivo - que encontram no movimento formas de se fazerem notar.
Por
psicologia da dança não estamos nos referindo apenas a compreender questões
psicológicas relacionadas ao movimento artístico ou terapêutico. Ou seja, o que
nos importa não é somente o bailarino. Estamos sim nos referindo a aplicação e
estudo de todas as áreas da psicologia (psicologia do rendimento, psicologia
escolar, psicologia da saúde, psicologia clínica, etc.) à área da dança. A
psicologia da dança não se preocupa apenas com os efeitos da dança em
bailarinos, ou ainda, em melhorar questões cognitivas e emocionais nestas populações.
Apesar de, obviamente, está também ser uma preocupação da psicologia da dança
(Franklin, 2003, Martin et al., 1993, Bläsing et al., 2012, Berardi, 2017,
Stoeber, 2014). Os objetos de estudo da psicologia da dança são, naturalmente,
os bailarinos, mas também, todos os envolvidos com a área da dança (bem como
alunos e professores) além da população de forma geral com o objetivo de
compreender os efeitos da dança para populações específicas (Lewis, et al.,
2016, Scharoun et al., 2014, Murrock & Graor, 2014).
Não
podemos negar que o poder do movimento corporal é intenso e traz muitas
mudanças nas nossas vidas. A dança permite um contato profundo com o nosso
corpo, potencializando nosso autoconhecimento e fortalecendo a autoestima para
ter confiança no que está sendo feito. Assim, é por meio do movimento corporal
que cada sujeito pode se explorar, integrando as diversas áreas que constroem
nossa subjetividade: pensamento, emoção, cognição, expressividade e
criatividade. Isso tudo sem deixar de lado o trabalho físico, melhorando a sua
consciência muscular e permitindo um bom controle dos movimentos. É por isso
que alinhar a psicologia com a dança traz muitos benefícios. A seguir, você
pode conferir os principais que separamos para você. Ao colocar o corpo em
movimento, a dança se torna uma grande aliada nos tratamentos de algumas
doenças.
Por
exemplo, pessoas que tem Alzheimer no estágio inicial podem estimular as áreas
do cérebro que formam novas memórias a fim de gravar uma coreografia e
desenvolver uma boa memória muscular. Isso faz com que o tratamento da doença
seja mais efetivo, já que o cérebro está sendo estimulado de forma orgânica em
conjunto com os medicamentos. Indo um pouco mais além, outro tratamento que é
potencializado com a dança é o do Parkinson, justamente por fortalecer a
musculatura e estimular o cérebro, que envia corretamente os fluxos nervosos
para a realização dos movimentos. Todos esses tratamentos, em algum grau,
referem-se também à saúde mental dos portadores das doenças, já que ter falta
de memória ou não conseguir controlar seus movimentos interfere diretamente na
qualidade de vida de qualquer pessoa, bem como na sua autoimagem e
autoconfiança. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920,
p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado
experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo
há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram
reprimidos.
Quando
utilizamos a psicologia da dança para trabalhar com dançarinos profissionais,
um dos melhores benefícios observados é a melhora no desempenho físico. Ao
estar em atendimento psicológico, os bailarinos entram em contato com seus
medos, inseguranças e angústias, podendo trabalhá-las a fim de aprimorar a sua
carreira. Isso porque eles se sentem motivados a continuar estudando novas
técnicas da dança, fortalecendo sua musculatura para dar conta dos movimentos e
expressões que as outras metodologias apresentam. Você, já percebeu que quando
estimulamos nossos sentidos, o cérebro trabalha livremente e a expressão vem
com mais facilidade? Por exemplo, muitas pessoas aumentam sua produtividade no
trabalho escutando música clássica em função da concentração que ela
proporciona.
Ao
dançarmos, permitimos que o nosso corpo se entregue para a música, livrando-se
da timidez e aceitando que a espontaneidade apareça. Isso por si só já é um
exercício terapêutico, afinal, facilita que as máscaras do dia a dia caiam e
oferece ao sujeito uma nova possibilidade de se expressar.
Indo
um pouco mais além, quando entregamos nosso corpo e alma para a dança, também
permitimos que a criatividade apareça, facilitando a criação de movimentos
inusitados e uma expressão diferente daquilo que está guardado dentro de nós.
Nesse
sentido, a criatividade é potencializada não só para os profissionais da dança
que a encontram na criação de novos movimentos espontâneos, mas também para
quem utiliza a dança como uma ferramenta terapêutica. Como, comentamos, a
psicologia da dança também trabalha com o atendimento psicológico para
profissionais dessa área. Nesse caso, os psicólogos utilizam muitos conceitos
da psicologia do esporte, aumentando o rendimento do dançarino e melhorando sua
qualidade de vida. Todo e qualquer trabalho terapêutico estimula o contato do
paciente com suas inseguranças e medos. [...] Esse medo marcará nossa
memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto
uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de
desamparo” (Freud, 2006, p.162).
Isso
porque é por meio do reconhecimento das suas dores e dificuldades que ele
consegue encontrar novas formas de se relacionar com ele mesmo, com o mundo e
com os outros. Assim, estar em atendimento psicológico exige, necessariamente,
uma vontade de mudança, de olhar para o estresse, a ansiedade, a timidez e a
depressão, identificando suas origens, a forma com que você se relaciona com
essas dificuldades para, então, encontrar maneiras de enfrentá-los e melhorar a
sua qualidade de vida. Você, percebe que ao entrar em contato com aquilo que
muitas vezes é evitado, é possível ampliar o seu olhar em relação a sua
profissão? Ao identificar alguns mecanismos de auto sabotagem, você provoca
mudanças na sua relação com a dança, melhorando o seu desempenho. [...] Freud
no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a
pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto
transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos
recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar,
quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta
em nós.
Em
outras palavras, o movimento de trabalhar suas dificuldades a fim de superá-las
faz com que você encontre mais motivação para investir na carreira de dançarino
profissional. Com isso, novas oportunidades se abrem para você, trazendo
mudanças profundas na sua carreira. Você, percebe como a psicologia da dança é
importante para todos nós? Além de ser uma forma de trabalhar problemas
psíquicos, ela também permite o processo de mudança do próprio dançarino,
fazendo com que ele encontre novas formas de atuação sem perder de vista a
qualidade de vida que o trabalho deve proporcionar.
O
poder do movimento é mover-se. Ouvi essa afirmativa num seminário sobre Dança,
Movimento e Terapia (DMT), na Argentina. Parece óbvia essa frase, mas os
profissionais da DMT acreditam, que, por meio do movimento corporal, o
indivíduo pode explorar -se e integrar o desenvolvimento físico, emocional e
cognitivo com a expressividade e criatividade. Por isso, é tão importante associar
o movimento à terapia. Esse processo terapêutico também está relacionado ao
processo de improvisação, pois a dança envolve muita criatividade e intuição.
O
diferencial terapêutico da DMT é que permite um envolvimento mais próximo com o
praticante, muitas vezes, por meio do contato, favorecendo a comunicação
não-verbal com o outro, o que permite aprofundar a confiança e cumplicidade
entre instrutor e aluno. Na DMT, a expressão corporal é levada às últimas
consequências. Esse é um sistema de terapia destinada a qualquer pessoa que
deseja melhorar a sua qualidade de vida, e também é indicada para indivíduos
com patologias específicas, como perturbações de ansiedade, emocionais, de
relacionamento, problemas comportamentais, atrasos de desenvolvimento, baixa
autoestima, demências, entre outros.
Segundo
Kunz (1994) a dança improvisação é uma prática que possibilita dar forma
espontânea aos movimentos, a partir de condições específicas, antecipadas para
esse fim, ou decorrentes de um momento anterior da aula e/ou da ação. Ela
desvia-se dos rígidos processos de aprendizagem de outros tipos de dança que
são puramente técnicos. Na improvisação é possível os indivíduos expressarem
sensações, percepções e afetos com seu corpo, além de atribuírem sentidos e
significados em torno das experiências e poder compartilhá-las. Diante disso,
foi a partir do dançar os afetos e as discussões em grupo pós-aula que comecei
a perceber possíveis repercussões terapêuticas, no quesito de autopercepção, autorregulação
emocional e expressividade, principalmente. Além disso, questões da ordem da
catarse, ou seja, a liberação de emoções, sentimentos e tensões reprimidas,
também eram observadas nos relatos dos participantes das aulas.
Nesse
ínterim, a Dançaterapia ou Dança Movimento Terapia (DMT), foi um dos primeiros
movimentos que utilizou a dança como recurso terapêutico, em meados da década
de 60, sendo desenvolvido pela dançarina e coreógrafa argentina, Maria Fux, a
partir de vivências pessoais. Fux (1989) infere que passou por uma grande
depressão e que seu corpo havia se tornado estático e endurecido, e no percurso
da crise e angústia, encontrou através da dança o movimento necessário para uma
via de ressignificação frente ao adoencimento, aliado ao processo
psicoterapêutico. A partir disso, buscou criar “pontes” que auxiliassem também
outras pessoas em seus processos através do movimento, buscando desenvolver a
consciência corporal, integração, expressividade e espontaneidade.
Como
infere Claus (2005), na Grécia Antiga, a dança estava estritamente relacionada
ao dia a dia dos indivíduos, fazendo parte desde os ritos religiosos até aos
treinamentos militares. Sócrates, importante filósofo da época considerou a
dança como uma prática que formava de modo completo o cidadão, pois a partir da
noção de que corpo e espírito estariam interligados, essa prática além de
proporcionar saúde, através dos movimentos corporais, propunha também análises
estéticas e filosóficas, estando presente na educação grega.
A
partir da ascensão do Cristianismo na sociedade ocidental, corpo e alma foram
dualizados, isto é, disseminou-se, por meio da Igreja Católica, crenças e
valores que consideravam o corpo como pecaminoso, o qual devia ser reprimido em
suas manifestações por carregar em si fraquezas que desviavam o espírito
alcançar a santidade. Esse período foi durante a Idade Média, conhecida também
como “idade das trevas”, e neste contexto o homem parou de mover seu corpo
dentro de um ritmo e de um espaço que não fosse o considerado “sagrado”. As
danças deveriam ser apenas para a “purificação” da alma, de forma a calar e
amortecer os desejos e expressões singulares do próprio corpo. (Bourcier, 2001,
p. 51)
De
acordo com Hadzic (2015), em seu estudo “Ampliar a consciência corporal por
meio da dança”, atribui à dança e os diálogos com a Psicologia Corporal, a
possibilidade de identificação e flexibilização das tensões, de modo a
estimular o contato com as sensações, e assim permitir que a energia do corpo
flua, vibre e se movimente, possibilitando a expressão corporal de suas
capacidades. Além de possibilitar a sensibilidade dos movimentos, da
musicalidade com o corpo, criar ritmo, cadência, leveza, noções de espaço,
considerando que se trata de uma arte constituída de expressão e sentimentos
pelo corpo e possibilita ampliar a autopercepção. Lowen (1984) aponta que a
autopercepção é uma função do sentir. É a soma de todas as sensações do corpo
de uma só vez. Através de sua autopercepção a pessoa descobre quem é. Está
atenta ao que acontece em todas as partes do seu corpo; em outras palavras,
está em contato consigo mesma.
O
autoconhecimento e a busca pelo equilíbrio também podem motivar o mergulho nas
emoções através da expressão corporal. É o caso da representante comercial
Thayse Luchetta que encontrou no “corpo emocional uma forma de superar momentos
de fragilidade e depressão. Inicialmente como forma de complementar o
tratamento medicamentoso tradicional, Thayse buscou se reconectar com sua
expressividade, ao mesmo tempo em que trabalhava os gatilhos emocionais da
condição que enfrentava: Talvez o mais marcante tenha sido o estímulo para a
busca da sua própria singularidade.
Referência
Bibliográfica
BOURCIER,
P. História da Dança no Ocidente. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes,
2001. Tradução: Marina Appenzeller
CLAUS, MARTA.
A dança e sua característica sagrada. “Existência e Arte”- Revista
Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade
Federal de São João Del-Rei - Ano I - Número I – janeiro a dezembro de 2005
FREUD,
A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914).
"Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
HADZIC,
SHARON LIRA. Ampliar a consciência
corporal por meio da dança. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOTERAPIAS
CORPORAIS, XX, 2015. Anais. Curitiba: Centro Reichiano, 2015.
KUNZ, MARIA
DO CARMO SARAIVA. Ensinando a dança através da improvisação. Disponível
em: < https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia
/article/view/14661>. Acesso em 25 out. 2018.
Comentários
Postar um comentário