Outubro/2020.Escrito por Ayrton Junior - Psicólogo CRP 06/147208
A intenção deste artigo é, chamar a atenção do leitor(a) para o fenômeno Síndrome da Invisibilidade que potencializa a atuação inconsciente do desempregado na comunidade, na sociedade. O trabalho, além de ser um apoio financeiro ou salarial, na maior parte das vezes também pode ser considerado uma fonte de bem-estar e equilíbrio psicológico/ e ou social. Desse modo, quando não há emprego, são geradas várias mudanças na vida da pessoa. A vida profissional também está muitas vezes atrelada ao círculo e lugar social do colaborador, ou seja, os indivíduos sofrem com a perda do meio de sustento, com o isolamento e a falta de reconhecimento. [...] Esse indivíduo, reconhecido como sujeito, a partir de sua iniciação real no mercado de trabalho, pois, sob a ótica capitalista, ter um emprego, além de ser um dever moral, é também um dever social. Os desempregados, contudo, vivem alheios a esse modelo, não são reconhecidos socialmente e, por isso, são acometidos por um sofrimento psicológico marcante associado à exclusão e à segregação que influencia negativamente, as representações que esses sujeitos fazem de si, uma vez que o trabalho é o principal mediador da realização (PERES & COL., 2003).
No momento em que uma pessoa procura emprego pela primeira vez ou trabalhou durante anos e de repente se percebe na situação de desemprego, pode acabar por experimentar uma série de transformações emocionais, psicológicas e sociais. Assim afirma a Associação Americana de Psicologia (APA). “Comparativamente às pessoas que têm trabalho, as pessoas desempregadas correm o dobro do risco de sofrer de problemas psicológicos, tais como depressão, ansiedade, sintomas psicossomáticos, baixo bem-estar psicológico e autoestima baixa”. (Paul & Moser, 2009).
É preciso levar em conta que a situação de desemprego é uma experiência que já que é vivida e interpretada que sobre-excede a objetividade da falta de ocupação, existindo diferentes formas de circunstâncias individuais, incluindo os recursos psicológicos que a pessoa afetada dispõe e o ambiente em que vive. Geralmente, a primeira reação perante a chegada do desemprego é ficar atônito, cético e temeroso, onde estão presentes sentimentos de desorientação [o que vou fazer agora] e confusão [onde vou achar um emprego na minha idade], acompanhados de uma sensação de fracasso e inabilidade de fazer planos para o futuro. [...] Esse medo marcará nossa memória, de forma desprazerosa, e será experimentado como desamparo, “portanto uma situação de perigo é uma situação reconhecida, lembrada e esperada de desamparo” (Freud, 2006, p.162)
Mais tarde, segue-se uma fase de recobramento das energias, caracterizada por um pseudo otimismo, onde o indivíduo tem a sensação de estar de férias, e através do mecanismo defesa da negação, nega a realidade e não se considera mais como desempregado. Desse modo, a perda do emprego é percebida como algo temporário. Ou seja, o ego ativou o mecanismo de defesa da recusa. Contudo, se o contexto não se reverter, é concebida uma situação em que o indivíduo já não pode continuar a viver sua condição como se estivesse de férias e, nesse interím, é assolado pelo medo de que o seu estado de desemprego se prolongue por muito tempo. É nessa altura que o sujeito começa a fazer um esforço além do normal ou mais detalhado para encontrar trabalho, obtendo as experiências de decepção. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914), texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado desperta em nós
Na ocasião em que todos os esforços não dão resultado, o indivíduo começa a se sentir pessimista e pode até apresentar sintomas de ansiedade, com períodos de tristeza e irritabilidade, e em muitos casos com a aparição de transtornos psicofisiológicos. Alguns que percebem a alteração de humor procuram por conta própria iniciar atividades físicas para amenizar a situação. Nesta fase, é essencial o apoio familiar, apoio de parentes e as habilidades de enfrentamento da pessoa e buscar ajuda de um profissional da psicologia. Logo em seguida aparece o reconhecimento da própria identidade de desempregado, junto com todas as suas características psicológicas devido à perda temporária da identidade profissional de empregado. Surgem ideias fatalistas enquanto a procura de emprego é reduzida, sem ter expectação de sucesso. [...] Em sua obra “Além do Princípio do Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos instintuais que foram reprimidos.
Deste modo, o indivíduo enxerga o desemprego como um fracasso pessoal em vez de social, que o conduz de modo inconsciente ao isolamento. Com o passar do tempo, devido à alteração da experiência social empobrecida se afastam da vida social, ao se sentirem envergonhados e inseguros. Ou seja, a sua imagem destoa da imagem que apresentava antes de estar desempregado. As pessoas as quais o apoiavam em relação a recursos financeiros ou emocionais se afastam, pois elas suportam o fardo até onde seus limites permitem.
Evento que se agrava regularmente pela indiferença e desprezo por parte dos outros que o percebem como debilitado e despreparado. Assim sendo, não é raro a pessoa entrar na compulsão a repetição inconsciente da invisibilidade, onde sua capacidade de enfrentamento é cada vez mais insuficiente e a probabilidade de render-se a determinadas impulsos, como as drogas, latrocínio, tráfico de drogas, profissional do sexo, ideação suicida é cada vez maior. [...] O trabalho, nos dias de hoje, é visivelmente valorizado em demasia pela política neoliberal das sociedades capitalistas. O ócio passou a ser considerado um pecado capital, e o trabalho, em contrapartida, passou a ser visto como um dever moral. Mas o que outorgou realmente ao trabalho o caráter tão louvável que o acompanha atualmente foi o advento do capitalismo e a construção da racionalidade ocidental moderna, que gerou um campo ideológico que valoriza excessivamente a capacidade produtiva individual (PERES & COL., 2003).
Portanto, um dos primeiros impactos do desemprego é a angustia da síndrome da invisibilidade. A pessoa que sofre desta síndrome sente que os outros não a enxergam, e que está perdida no meio da multidão, considerando-se totalmente fora do sistema econômico social. Outros recorrem a religião na tentativa de que Deus passe a olhar para eles, para não se sentirem invisíveis aos olhos de Deus. O mecanismo defesa da projeção, onde projetam em Deus seus sentimentos de indignação, desprezo, raiva que não conseguem lidar pelo fato de estarem na condição de invisíveis aos olhos da sociedade, do mercado de trabalho, da família, da comunidade, dos amigos afim de aplacar a angustia e o que você imaginar enquanto lê o artigo.
Mais adiante, a situação de desemprego provoca um sentimento de desprazer em muitos dos indivíduos que não encontram o emprego ou que já desempenharam alguma atividade profissional, mas que já não a podem exercer devido a meia-idade ou algum problema de saúde que levou ao afastamento ou outro problema qualquer, levando o sujeito a contrair doenças psicossomáticas. [...]Somatização, Dor psíquica e emocional crônica que chega ao físico. Podem ser doenças ou sintomas isolados. Nota: Um recurso extremo, muito comum, é quando inconscientemente após muitas tentativas de lidarmos com algo perturbador no psiquismo, somatizamos, o que significa dirigir o desequilíbrio para o corpo. É claro que é uma ação inconsciente. Algumas pessoas em especial somatizam como um recurso usual e corriqueiro para lidar com as ameaças ao ego.
Esta situação representa para a pessoa uma alteração da estrutura social à que estava habituada, ou seja, que fazia parte da rotina, mas que possibilitou agora a perda da sua identidade profissional. A pessoa vai inconscientemente se afastando dos outros, findando em uma deterioração das relações. Em certos casos, a sintomatologia depressiva pode aumentar, com o surgimento de sentimento de tristeza ou apatia. Em outros casos, aparecem sentimentos de irritabilidade, medo, preocupação e ansiedade. [...] “A angústia é, dentre todos os sentimentos e modos da existência humana, aquele que pode reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser e juntar os pedaços a que é reduzido pela imersão na monotonia e na indiferenciação da vida cotidiana. A angústia faria o homem elevar-se da traição cometida contra si mesmo, quando se deixa dominar pelas mesquinharias do dia-a-dia, até o autoconhecimento em sua dimensão mais profunda” (CHAUÍ, 1996 p.8-9).
O desemprego provoca um mal-estar psicológico que precisa de uma atenção qualificada e dirigida, já não para a procura de emprego, mas sim para a reestruturação emocional do indivíduo que se foi desgastando ao longo do percurso. É necessário olhar para o desemprego como uma dificuldade social, e renunciar o olhar preconceituoso carregado de estereótipos e discriminação contra o desempregado culpando-o pela situação em que se encontra, e reconhecer que a situação dele com a do indivíduo empregado, é algo que nada tem a ver com sorte, quando na maioria dos casos isso não é verdade. [...] Freud, em O mal-estar na civilização (1930/1976), afirma que a civilização constitui um processo a serviço de Eros, cujo propósito é combinar indivíduos isolados, famílias, nações, povos e raça numa unidade – a humanidade. A pulsão de morte, a agressividade e a hostilidade de cada um contra todos e a de todos contra um se opõem a esse programa da civilização.
O fato de o desempregado compreender que o desemprego é uma questão social e o mesmo não tem culpa por se encontrar na ociosidade involuntária, isto possibilita a reflexionar e avaliar sua autoestima e autoconceito perante esta questão social. É valorar-se, reconhecer-se como ser humano e compreender que o desemprego não é um período de férias, embora possa ser usado para fazer coisas que não fazia enquanto trabalhava, como cuidar da saúde mental, cuidar do corpo praticando atividades físicas, lazer, aprimorar-se em leituras e outros. Ou seja, é ressignificar, olhar o desemprego como questão social e não como um fracasso pessoal.
Referência Bibliográfica
CHAUÍ, MARILENA. HEIDEGGER, vida e obra. In: Prefácio. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
FREUD, S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD, S. (1996). Obras completas de S. Freud. Rio de Janeiro: Imago. (1914). "Recordar, repetir e elaborar ", v. XII
FREUD, A. O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Biblioteca Universal
Popular, 1968
FREUD, S.Mal-estar na civilização. (1930[1929]) In: ______. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976.v.XXI, p. 75 -174.
PERES, R.S.; SILVA, J.A.; CARVALHO, A.M.R. Um olhar psicológico acerca do desemprego e da precariedade das relações de trabalho. Psicologia: Teoria e Prática – 2003.
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