Fevereiro/2020. Escrito por Ayrton Junior -
Psicólogo CRP 06/147208
A intenção deste artigo é,
chamar a atenção do leitor(a) para o sentimento de humilhação, que faz com que
o indivíduo se sinta envergonhado diante da sociedade de modo descortinado as
vezes, mas também não desvelado aos olhos da sociedade. Durante uma vida a
gente é capaz de sentir de tudo, são inúmeras as sensações que nos invadem, e
delas a arte igualmente já se serviu com fartura. Paixão, saudades, culpa,
dor-de-cotovelo, remorso, excitação, otimismo, magoa, decepção, frustração,
indignação, desejo sabemos reconhecer cada uma destas alegrias e tristezas, não
há muita novidade, já vivenciamos um pouco de cada coisa, e o que não foi
vivenciado foi ao menos testemunhado através de filmes, novelas, letras de
música. [...] Em sua obra “Além do Princípio do
Prazer” (1920, p.34), Freud afirma: a compulsão a repetição também rememora do
passado experiências que não incluem possibilidade alguma de prazer e que
nunca, mesmo há longo tempo, trouxeram satisfação, mesmo para impulsos
instintuais que foram reprimidos.
Existe
um sentimento, no entanto, que não aparece muito, permanece desvelado na
sociedade não protagoniza cenas de cinema nem vira versos com frequência, e
quando a gente sente na própria pele, é como se fosse uma visita incômoda. É da
humilhação que falo agora. Há muitas maneiras de indivíduo se sentir humilhado.
A mais comum é aquela em que alguém nos menospreza diretamente, nos reduz, nos
coloca no nosso devido lugar e que lugar é este que não permite locomover-se,
que nos desapropria de nossa casa[por causa do despejo], que faz com que perdemos
o emprego pela falência da empresa/ e ou pela crise econômica, a meia-idade que
chegou e impossibilita a reinserção no mercado de trabalho preconceituoso, acontecimentos
que ficamos mal vistos diante dos Outros e sociedade pelas perdas, a traição no
casamento ou namoro, o pedir esmola no semáforo, a venda de balas dentro de ônibus,
pedir dinheiro emprestado a um parente ou vizinho, pedir qualquer tipo de favor
a alguém, a namorada que escolhe acessar facebook de ex-namorado ou no Instagram/
e ou twitter e outros exemplos que você imaginar enquanto lê este artigo.
Geralmente
são opressões hierárquicas exemplos, patrão-empregado, professor-aluno,
adulto-criança, namorado-namorada, adulto-sociedade, adulto-pessoas.
Respeitamos a hierarquia, mas não engolimos a soberba alheia, e este tipo de
humilhação só não causa maior estrago porque sabemos que ela é fruto da
arrogância, e os arrogantes nada mais são do que pessoas com complexo de
inferioridade. Humilham para não se sentirem humilhados.
Entretanto
e quando a humilhação não é fruto da hierarquia, mas de algo muito maior e mais
massacrante; o desconhecimento sobre nós mesmos? Tentamos superar uma dor
antiga e não conseguimos. Procuramos ficar amigos de quem já amamos e caímos em
velhas ciladas armadas pelo coração. Oferecemos nosso corpo e nosso carinho
para quem já não precisa nem de um nem de outro. Motivos nobres, mas os
resultados são vexatórios. Nesses casos, não houve maldade, ninguém pretendeu
nos desdenhar. Estivemos apenas enfrentando o desconhecido, nós mesmos, nossas
fraquezas, nossas emoções mais escondidas, aquelas que julgávamos superadas,
para sempre adormecidas, mas que de vez em quando acordam para impiedosas, nos
colocar em nosso devido lugar. [...] Freud no seu texto “Recordar repetir e elaborar” (1914),
texto esse em que começa a pensar a questão da compulsão à repetição, fala do
repetir enquanto transferência do passado esquecido dentro de nós. Agimos o que
não pudemos recordar, e agimos tanto mais, quanto maior for a resistência a
recordar, quanto maior for a angústia ou o desprazer que esse passado recalcado
desperta em nós.
No entanto, há uma que não mencionamos
e que causa um impacto tão forte que pode nos destruir, a humilhação. A
humilhação é um estado emocional negativo que deixa uma profunda e negativa
sensação em cada um de nós. Sentir que não valemos nada, que somos medíocres,
que independentemente do que façamos seremos ridicularizados, é uma cruz que
podemos arrastar por um longo tempo. O segredo está em conhecer a si mesmo e se
valorizar. É não dar mais poder à opinião dos outros do que às nossas. É saber
quem somos e impedir que os outros nos definam. Em suma, é cuidar da nossa
autoestima e autoconceito para que, em momentos de dúvida, insegurança possamos
recuperar a confiança em nós mesmos.
Agora
a humilhação social é uma desigualdade de classes, trata-se de um fenômeno ao
mesmo tempo psicológico e político. O humilhado atravessa uma situação de
impedimento para sua humanidade, uma situação reconhecível nele mesmo em seu
corpo e gestos, em sua imaginação e em sua voz e também reconhecível em seu
mundo em seu trabalho e em seu bairro ou cidade. Os indivíduos que vivem nesses
bairros não tendo condições de ter uma moradia melhor, o morador que foi
despejado de seu lar por não conseguir pagar o aluguel por não conseguir
trabalhar, o profissional que não consegui emprego no mercado de trabalho ou se
conseguiu está numa posição inferior a sua profissão, o indivíduo que se
submete a receber certa quantia em $$ de algum parente por não conseguir o seu
sustento e até recebe uma cesta básica, pois a alimentação está faltando.
A humilhação é uma angústia que se
dispara a partir do enigma da desigualdade de classes. Angústia que os pobres
conhecem bem e que, entre eles, inscreve-se no núcleo de sua submissão. Os
pobres sofrem frequentemente o impacto dos maus tratos. Psicologicamente,
sofrem continuamente o impacto de uma mensagem estranha, misteriosa, vocês são
inferiores. E, o que é profundamente grave, a mensagem passa a ser esperada,
mesmo nas circunstâncias em que, para nós outros, observadores externos, não pareceria
razoável esperá-la. Para os pobres, a humilhação ou é uma realidade em ato ou é
frequentemente sentida como. [...] Vejamos agora algumas características diferenciais do
sentimento de humilhação. Humilhação implica violência (DE LA TAILLE, 2002,
p.78), e violência, neste caso, intencional. O outro não é apenas uma projeção
da minha indignação quanto à minha própria imagem, mas é a fonte de uma
indignação que me toma a partir de fora. O sujeito se perde do lugar de origem
de seu próprio rebaixamento. O outro, por algum motivo enigmático ou
completamente fora do campo do sentido, é ativo em retirar coercitivamente os
atributos narcísicos articulados a certos valores mantenedores da dinâmica do
sujeito com seus ideais. Vergonha e humilhação coexistem quando a violência é
extrema a ponto de o sujeito internalizar a imagem negativa imposta como se
fosse a sua (DE LA TAILLE, 2002, p.78-79).
A humilhação, em seu sentido forte,
implica o sentimento de ser rebaixado pelo outro. O ato de rebaixar ou o
sentimento de ter sido rebaixado produzem a frequente articulação entre
vergonha e humilhação. Na vergonha, como vimos, o sujeito se sente rebaixado
diante de seus ideais. É uma emoção que pode ser desencadeada quando qualquer
membro da comunidade, o qual, aos olhos do sujeito, encarna ou sustenta esses
ideais, testemunha a sua queda. Este outro é somente a testemunha, frisamos. A
vergonha ocorrerá mesmo que o outro sequer perceba os motivos que levaram o
sujeito a ter que se esconder da sua olhada. Ela pode acontecer ainda quando o
outro não tem qualquer julgamento negativo em relação a tal imagem. Como já
dissemos, na vergonha o outro é apenas o depositário de uma projeção narcísica
desvalorizada; ela é o resultado de uma operação na qual o que está em jogo é, o
que eu sentiria se pudesse me ver do lugar a partir do qual o outro me vê?
Assim,
ela é uma emoção referida ao campo do narcisismo porque o olhar do outro tem
pouca relevância nesta relação de si a si. O que toma a cena é a maciça
projeção sobre este olhar. Desse modo, uma das condições para que a vergonha se
desencadeie é a plausibilidade dessa projeção, ou seja, deve existir alguma
afinidade entre a minha projeção e o modo como minha imagem é recebida. Tal
plausibilidade se organiza geralmente sobre traços amplos e vagos. O principal
deles diz respeito ao fato de o outro ser um membro da comunidade, que acredita
nos mesmos valores que o sujeito envergonhado contrariou.
Referência
Bibliográfica
DE LA
TAILLE, I. (2002) Vergonha: a ferida moral. Petrópolis: Vozes.
FREUD,
S. (1920), "Além do princípio do prazer” In: FREUD. S. Obras completas de
S. Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD,
S. (1996h). A mente e o seu funcionamento. In: S. Freud. Moisés e o monoteísmo,
esboço de psicanálise e outros trabalhos (pp. 157-179). Rio de Janeiro: Imago. v.
XXIII. (Original publicado em 1939).
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